Pra quem não conhece, Imperador Sem Teto é algo difícil de se apresentar… a medida que você vai conhecendo, vai acostumando com a ideia: o Sem Teto é metade-personagem e metade seu criador, Igor Kierke, que acaba definindo como “o Sem Teto é algo que eu poderia ser… mas eu sou o Igor; então eu e outros artistas criamos, dentro dos campos da arte, um universo onde o Sem Teto possa existir e despertar provocações pela própria presença e personalidade”.
A trama dessa meio-personagem também atravessa os limites, ou melhor, fica entre os limites: parte dela é contada nas músicas, outra parte nos clipes e outra parte ainda nos palcos. Como se fosse uma série híbrida: é preciso passar por diferentes linguagens da arte para entender tudo (apesar de as partes funcionarem por si só, como uma estória completa um cuidado delicado para que isso funcione). LADO A é o primeiro disco, resultado do primeiro espetáculo e, ao que parece, a primeira temporada da série: um disco eclético, que lembra muito uma playlist no aleatório, misturando ritmos até mesmo dentro das tracks: rap com dub, blues com trip hop, trap com rock e assim por diante – “só não tem lovesong” diz Igor aos risos. Entre as muitas curiosidades vale destacar que as faixas se linkam entre si, que o álbum inicia com uma espécie de ASMR cênica e que você vai ser surpreendido por faixas que não são músicas (ou são?). O assunto se desdobra durante o álbum: trata a existência do Ser na civilização, na sua beleza e no seu horror.
Para dar início a série de clipes, foi escolhida a faixa Molotov, o capítulo 10, que encerra a primeira temporada. O clipe é uma revolta por si só: filmado em 4K, os efeitos datamosh e as angulações quase sempre desenquadradas propositam um “pane no sistema”, enquanto as imagens mostram um protesto de guerrilha urbana, arte e até bruxarias – elucidando o que a música quer dizer com “todo molotov é pouco”.
Por fim, sobre o espetáculo: não é à toa que tudo nasce ali. O show desses caras é um acontecimento, um ataque artístico, uma mistura gostosa e pesada de música, teatro, dança, cinema e literatura – um tipo de Ópera do século XXI, mas que não é nenhum pouco elitista porque todas as linguagens e ritmos e referências visuais são originários de periferias ao redor do mundo. A biografia nas redes define esse movimento todo como ‘Artes Marginais’, arte feita do povo, feita pelo povo e para o povo.
O projeto nasceu em Curitiba mas reúne artistas de diferentes regiões do País, todos vindos de periferias. Em cada fruto do projeto é perceptível que esse universo é construído por todos esses artistas e que tem um núcleo criativo como principal responsável: Gabriel Muller pela música, Arthur Augustus pelo teatro, Juan Silva pela dança, Juliana Janeiro pela iluminação e projeções. As diretrizes ficam sob responsabilidade de Igor Kierke, compositor e intérprete do Sem Teto – mas nada disso seria sem a produção espetacular de Gabriella Muller, o potente braço direito de Igor Kierke.
Curiosidade: ao perguntar para Igor Kierke se existem outras personagens, ele disse que sim, algumas quase nascendo e outras ainda sendo geradas – mas que não podia falar muito por enquanto. Ao que parece, este universo ainda tem muito pra ser explorado!
Texto por Micael Custacara replicado pelo RND
Fotos por: Lis Guedes (@lisgf_)