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Alguém de fato imaginou que Djonga de DV Tribo, seria o Djonga de ‘Ladrão’?

Cê já imaginou? Aquele menino que parecia meio introspectivo nos clipes e shows chegaria a derrubar paradigmas, contrariar as estatísticas, desafiar a lei da gravidade, chegar onde chegou e ajudar a impulsionar o corre dos pretos? Pois bem, demoramos para falar sobre o álbum mas queríamos uma visão mais popular do que pessoal, querendo ou não, temos que ter muito cuidado a transpassar visões sobre álbuns que fazem sim diferenças significativas na vida dos demais.

“Djonga é repetitivo”; “Mesma coisa nos 3 álbuns”; “Djonga não sabe fazer refrão…”. Escutei e li tanto essas mesmas frases que eu decidi ir mais afundo sobre as opiniões do álbum Ladrão. As pessoas decidem falar muito e sempre temos o nosso “Q” de técnicos musicais, mas acho que precisamos abrir um campo de visão diferente além daquele que seus ouvidos estão acostumados a escutar.

Sempre vivi no meio musical de alguma forma, sempre consumi música desde pequena e então, valorizo a forma que os sentimentos são despertados através de letras. Tento me posicionar no local do artista, de sua vivência, seja o que for, tento entender além daquilo que escuto. Com isso, decidi entrevistar jovens negros de diversos estados sobre a representatividade e sentimentos sobre o álbum e suas opiniões.

Tenho muita admiração pelo artista. Por luta, vivência e profissionalismo. Mas eu, branca e sulista NÃO POSSO e NEM DEVO concentrar as visões e respostas desse álbum somente em mim e para mim.

Apresento a vocês o reflexo puro do trabalho de Gustavo, todas as respostas foram mantidas na íntegra.

1- O que o álbum ladrão significa pra você?

Malu: “Quando eu penso em Djonga eu penso em representatividade”

Lucas: “Assim como álbuns ou singles de artistas como: Amiri, Emicida, Racionais, Coruja BC1, esse álbum do Djonga representa minha autoestima, desperta o meu lado mais crítico e revoltado. Acima de tudo meu espírito vencedor! Matamos um leão por dia”

Sara: “Representa força, demonstrar por meio de cada verso que a gente pode sim falar de nossas vivências, não somente do sofrimento, como também nossos amores, desejos, medos, receios…”

Franklin: “Esse álbum do Djonga acabou não sendo o melhor na minha opinião, mas entendo o álbum como uma vontade de se sentir vivo, aliado com a vontade de fazer os negros se sentirem vivos. Ter alguém como exemplo, longe das imagens que temos de pessoas negras nas ruínas, de mostrar que existe uma luz pra gente.”

Matheus: “Acredito que o álbum conseguiu trazer a tona o amor próprio, valorização dos negros(as).”

Nai: “Vozes!”

Lai: “Representa minha essência, minha luta, como devemos falar, combater da forma que podemos o racismo, a desigualdade. Esse álbum me representa na verdade.”

Daniel: “O álbum Ladrão não me representa em seu conceito mais íntimo, eu não vivi a realidade da maioria dos pretos, eu vivi uma realidade mais amena, então nem sempre eu entendo o lado visceral que o Djonga empresta em suas letras, porque sou um preto que viveu uma vida relativamente boa, um preto que viveu uma vida no interior do país. Tirando esse fato, o álbum Ladrão me leva diretamente para uma reflexão clara de como o Djonga veio preparado para roubar a cena, e ele faz isso de uma forma um tanto quanto diferente para mim. Já que “Heresia” não é um grande disco na minha visão; da mesma forma que “O Menino Queria Ser Deus” é um ótimo disco, porém o hype é maior do que a qualidade em si, essa fala não tem um tom de desmerecer o disco, até porque foi um dos três discos que eu mais ouvi em 2018.”

Tiago: “Mais uma obra que entra pro seleto grupo de músicas em que um preto canta/compõe sabendo do seu lugar e principalmente sabendo bem do que esta falando.”

2- Qual a importância do termo “Ladrão” usado para nomear o álbum?

Malu: “Ladrão é sobre você “roubar” algo que já era seu, o seu espaço, a terra que roubaram no início de tudo, a liberdade dos negros do passado, o direito a vida de todos eles. Ladrão é sobre a ideia de todo preto e pobre, morador de áreas não valorizadas, poderem alcançar tudo que almejam e lutar pelos seus direitos e sonhos. Que o lugar do negro também é no topo. Pra mim, a música “Ladrão” é sobre a diferença nítida do rico pro pobre, mas o que me faz sentido é:

“Tiro onda porque mudo paradigmas
Meu melhor verso só serve se mudar vidas
Pois construí um castelo vindo dos destroços
Resumindo: eu tiro onda porque eu posso”

Franklin: “O termo é pesado, mas não esta longe da nossa realidade. Já passei por situações constrangedoras sendo acusado de ladrão e mesmo a gente sabendo que isso vai acontecer muitas vezes na nossa vida, nunca estamos preparados. É nessa hora que a gente sente qual a verdadeira imagem que a sociedade tem de nós. Então acho que a importância acaba sendo a de usar um termo de humilhação como a volta por cima, superar a miséria, os monstros que assombram a vida toda.”

Mel: “Acredito que ele foi muito inteligente ao escolher essa palavra, é uma forma de ressignificar um termo ofensivo, que sempre foi direcionado a população negra. E deixa uma pergunta no ar: historicamente falando, quem é o verdadeiro ladrão?”

Tiago: “Essa associação que a sociedade faz da cor da nossa pele com o ato criminoso, também tem que ser usada a nosso favor. Ele foi bastante inteligente nisso.”

Sara: “Eu vi algumas coisas sobre a relação do álbum “O Menino Queria ser Deus”, e na falha disso virou “Ladrão”. Acho que é mais uma situação de um preto sendo ladrão da cena, em um cenário consideravelmente pouco visualizado. Que isso é o resultado de um fracasso, o fracasso de não ter conseguido se tornar Deus e por isso se tornou Ladrão. Djonga ganhou uma visibilidade grandiosa, fez as pessoas falarem dele, foi agressivo nas suas primeiras aparições e agora ele rouba a cena poetizando até o tesão.”

3- Qual faixa você mais se identificou?

Malu: “Falcão”.

Mel: “Ladrão” e “Bené”.

Lucas: “Voz”.

Sara: “Bença”.

Franklin: “Bené”.

Matheus: “Bené”, “Leal”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.

Nai: “Mlk 4tr3v1d0”.

Lai: “Bença”.

Daniel: “Para mim, a melhor faixa foi “Falcão”, a qual o Djonga melhor escreveu, melhor rimou e não ‘inventou’ de cantar o refrão. O maior erro do artista foi querer cantar em muitas faixas, porém sua voz não acompanhou toda essa vontade”.

Tiago: “Hat-Trick”.

4- A representatividade usada no álbum tanto para a cultura do RAP até para a vivência do seu cotidiano, você conseguiria descrever em apenas uma palavra? Se sim, qual?

Malu: “Luta, orgulho, força…”.

Mel: “Resistência”.

Lucas: “Resistência”.

Sara: “A palavra ‘Poder’. A gente fala muito sobre o poder negro e etc, mas é importante ter essa visão de alguém falando que foi e fez, que a gente sofreu mas tem o poder de escolha nas nossas mãos, mesmo o caminho sendo muito mais tortuoso.”

Franklin: “Acho que não conseguiria definir em palavras, mas se a gente olhar em volta vamos poder ver várias pessoas sendo diretamente influenciadas pelas ideias do álbum”.

Matheus: “Trampar”.

Nai: “Chegamos”.

Lai: “Resistência”.

Daniel: “De uma forma premeditada, porém ao mesmo tempo ingênua, o disco toma de assalto e leva os pretos ao ‘protagonismo’.”

Tiago: “Motivação”.

5- Quanto aos loves songs, se sente representado também de alguma maneira? Explique:

Lucas: Com toda certeza, sim! Primeiramente parece clichê daqueles textos de lacração postado em Facebook, porém, em um mundo onde demonstrar amor é fraqueza, que músicas machistas fazem muito sucesso, eu acho fantástico músicas na pegada do som “Leal

Mel: Eu adoro as love songs, tem a medida certa de romantismo e sensualidade. É reconfortante saber que as letras foram inspiradas em relacionamento afrocentrados, pois esse casais ainda não são representados.

Nai: “Leal”. Me identifico com uma parada que eu sempre disse sobre, que é fidelidade e infidelidade, eu sou leal aos meus sentimentos.

Daniel: Eu amo love song, a minha morena até me mandou a música “Leal” como um bom dia, esse tipo de música é algo que faz muita diferença no meu cotidiano. Eu acho que essa música talvez ganhasse ainda mais corpo se tivesse vozes femininas como becking, mas ao mesmo tempo, eu também consigo entender o fato de não ter ninguém pra dividir o protagonismo em relação a essa faixa.

Tiago: Pouco representado, visto que o preto foi bloqueado nessa parada de sentimento… É coisa que a gente tá aprendendo ainda (isso tá melhor explicado em obras de Bells Hooks, como: Vivendo de Amor).

6- Dentre os 3 álbuns e singles, qual som do Djonga você se sente mais representado?

Malu: “Falcão”, “Junho de 94”, “Olho de Tigre” (não preciso nem falar nada) e “A Música da Mãe”, tudo que coloca mãe mexe comigo de um jeito e essa música é hit.

Mel: O álbum “Heresia” ainda tem um lugar especial pra mim, especialmente as faixas “Esquimó” e “O mundo é Nosso”, com a participação do BK, pois é um choque de realidade, Djonga chega com os dois pés na porta, diz tudo que esta guardado no nosso peito.

Lucas: “Junho de 94”.

Sara: A música “Olho de Tigre” traduz qualquer sentimento meu. Fogo nos racista sem mais!

Franklin: A faixa “GE” mesmo não sendo uma das mais hypadas do artista é a minha favorita. Me lembra total o funk dazantiga e os pivete que cresceram comigo, mas que acabaram entrando pro crime, principalmente e destacando uma parte do som que ele diz:

“Dim vem pra qualquer parada
Meus amigo é marginal e eu escapei dessa emboscada”

Matheus: “O mundo é Nosso”.

Nai: “Vazio”.

Lai: “Canção Pro Meu Filho”.

Daniel: A música “Vazio”, é um single que nunca foi inserido em nenhum disco e ‘Olho de Tigre’, outro single que também nunca entrou em disco algum. Para mim são as duas músicas do artista que mais me agradam. “Vazio” tem um nível de introspecção fora do comum, a instrumental dessa música é maravilhosa, uma produção realizada por Velho Beats. Já na música “Olho de Tigre” conseguimos observar um lado visceral que sempre mexe comigo.

Tiago: “Hat-Trick”.

7- Acrescente uma breve opinião e sentimentos sobre esse trabalho. Seja livre, escreva o que sente.

Malu: De todo meu coração eu não tenho palavras sobre esse CD, ele incomodou e incomoda muita gente, isso se vê pelas criticas que vieram. O cara é bom, ele é autêntico, ele mostra a verdade sem mascarar nada e coloca a cara a tapa, doa a quem doer. Falando como fã: ele não é comum, não é igual a ninguém, não se compara com ninguém e nenhum outro cantor. Ele é incrível, é tão foda. Eu falo dele pra todo mundo e poxa… Nenhum defeito rs.

Mel: “Ladrão” é muito especifico quanto a questão do resgaste, de aprendizado e bens materiais. Refleti muito sobre minha relação com os meus parentes mais velhos, especialmente mulheres. É preciso entender o quanto a luta delas foi, mesmo que diferente em alguns aspectos, importante para que eu estivesse aqui hoje. E que mesmo crescendo socialmente na vida, não podemos negar nossas origens: o bairro que crescemos, os sacrifícios dos nossos pais, o apoio de algum professor. Todas as experiências que moldaram a sua caminhada.

Lucas: Assim como Djonga é ladrão, eu também sou e quero mais ainda, e vou além, quero ver muitos e muitos ‘ladrões’, desses ladrão mais foda que vão lá, lutam e roubam pelo o que é nosso por direito, como exemplo: vagas em universidades, acesso a educação e condições de vida digna, cargos em grandes empresas, dinheiro, terrenos, casas, carros e tudo aquilo que foi roubado ou impediram nós de conseguirmos, tudo aquilo que disseram e dizem que não podemos ter, seja material ou não. Ensinaram a nos odiar, a odiar nossas características, cabelo crespo, nariz largo, lábios grossos/grandes, nossa pele escura e tudo aquilo que tem de mais lindo nos negros(as), temos que resgatar nossa autoestima, temos que lutar pelo o que é nosso e principalmente, pelos nossos!

Franklin: “Ladrão” não é o melhor álbum do Djonga, mas o próprio acabou virando um símbolo forte pros pretos no rap nacional e isso quebrou uma sequencia de brancos que estavam dominando o cenário e silenciando varias causas necessárias. Espero de coração que o álbum mude a vida dele e dos ouvintes, que os próximos trabalhos dele venham de mente cada vez mais aberta e mais madura, porque o público dele é jovem e realmente precisa ouvir ideias de futuro como as que ele tem buscado passar.

Lai: Ouvindo o álbum chorei varias vezes, todas as músicas realmente tocaram no meu coração, mexe comigo, com o que eu sou e me fez pensar como as pessoas esperavam coisas ruins de mim, me fez ver também que minha luta não é em vão, como é bom ser eu mesma, ter orgulho das minhas raízes, da onde eu cheguei e pra onde eu quero ir e conquistar.

Daniel: Acho que o Djonga deixou a desejar no fato de não trazer nenhuma mulher para o disco, nem para cantar aquele mísero refrão… Uma coisa que me incomodou no disco, foi sim o fato de refrões de algumas músicas na minha opinião estarem tecnicamente abaixo do nível e da grandiosidade do disco.


Ufa, respira… Sei que são muitas respostas. Mas olha, o quão importante é você dar voz a essas pessoas. O quão importante é elas se sentirem representadas de alguma maneira, seja por um love song ou até por raps ou traps de mensagem. Entende? Djonga é atemporal, motivacional, inspirador e é disso que precisamos, é isso que sempre precisamos.

Uma vez andando pelo centro de Curitiba, passei por uma família de rua e um deles estava escutando a música “Olho de Tigre” do Djonga, e foi a cena mais forte que eu já pude ver, em uma das mãos uma caixinha de bala de goma pra vender no sinal; na outra mão, uma caixinha de som fajuta, toda surrada, encostada no ouvidinho, ele devia ter uns 8/9 anos de idade, escutando:

“Profissão nenhuma exige que analise pernas, sustentar família exige que tu faça planos”.

No tempo que vivemos, é importante ter pessoas pretas, ajudando pessoas pretas, fortalecendo seus iguais, é preciso mostrar da onde vieram, é preciso mostrar no que o Brasil foi construído, e desconstruir toda essa postura narcisista de que todo branco é merecedor de algo e o preto não.

Quero apresentar a vocês todas as pessoas que conversei, todas elas tem uma historia por trás e quero que isso chegue até Gustavo, pra continuar honrando o seu propósito e para mostrar o poder que uma palavra tem, sempre escutei dentro do terreiro: “Palavras tem poder e as vezes mostram mais que atitudes” e Djonga sabe disso…

E ah, já que estamos falando de voz, visibilidade e importância segue uma thread realizada por @_vnsantos com uma análise PERFEITA realizada sobre o álbum.