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Um TCC que pode mudar vidas

Uma dupla dinâmica chegou abalando o rap nacional na última semana. E o mais interessante disso tudo é que eles não são MCs. Max Koubik e Douglas Lopes, estudantes de Publicidade e Propaganda da UFPR, soltaram no twitter e no instagram uma imagem que gerou alvoroço nos amantes do rap nacional. Uma ilustração que mostra Mano Brown e Emicida como lendários guerreiros samurais viralizou devido a beleza da arte que eles jogaram no mundo. Além disso, o desenho faz parte de um projeto muito maior.

Ilustra por Doug

A ideia é fazer uma HQ contando a história do rap nacional. A grande sacada que os dois artistas tiveram foi a de pensar a cena do rap brazuca como uma linha do tempo que tem suas complexidades e singularidades. É um trabalho quase que historiográfico.

Nos Estados Unidos já existem quadrinhos que contam o nascimento e a caminhada do rap na terra do Tio Sam. Ghetto Brothers: Uma Lenda do Bronx e Hip Hop Genealogia 1 e 2 são alguns dos exemplares mais famosos sobre o tema que saíram por aqui. Esses trabalhos contam a história do rap estadunidense de uma forma sincera, revelando os fatos que ajudaram a construir o que o gênero é hoje. Pela Editora Draco o Na Quebrada, uma coletânea de quadrinhos sobre Hip Hop, é uma das rara produções brasileiras. O projeto de nona arte de Max e Doug tem também o objetivo de contar sobre o caminho percorrido por quem passou e passa pela cena brasileira.

Como bons amigos da vizinhança, eles desejam que a HQ seja uma fonte de inspiração para outras pessoas, principalmente os jovens. Eles enxergam o rap como música de motivação, como um movimento político das pessoas periféricas. O trabalho visa respeitar e contar de forma verdadeira o que foi e é o movimento Hip Hop no Brasil.

A ação de querer contar essa história em forma de desenhos e balões é muito importante para levar o rap que é feito no nosso país para outras mídias. O rap que sempre bebeu da cultura pop, seja no cinema, quadrinhos, pintura, arte de forma em geral, começa a ser valorizada também como fonte. Para além, é um caminho sem volta, uma via de mão dupla que se abre do rap para com outras mídias.

Sem mais delongas, segue uma entrevista exclusiva feita com os dois autores desse bonito projeto:

RND: Se apresentem, por favor?

Douglas – Tenho 21 anos, sou de Itu (SP), mudei pra Curitiba em 2016 para cursar Publicidade e Propaganda na UFPR. Comecei a desenhar ainda criança, como todo mundo, mas tive o privilégio e o incentivo de poder continuar rabiscando papel. Fui encarar esse hobby como uma possível profissão mesmo só em 2017.

Max – Eu tenho 27 anos e sou de Curitiba. Já fui atleta profissional, já servi ao exército e hoje trabalho no setor de marketing do maior jornal do Paraná. Na metade de 2015 eu decidi largar o curso de Educação Física na UTFPR para tentar entrar em Publicidade e Propaganda na UFPR. Consegui e no começo de 2016 comecei o curso, no mesmo ano em que casei. No fim de 2019 espero finalmente me formar. hehe.

RND – Qual a história de cada um com a cultura hip hop e a música rap? Como o rap influencia na vida de vocês?

Douglas – A primeira música de rap que eu tenho memória de ter ouvido foi “Dia dos Pais” do Inquérito, essa música tocou até na rádio pop que eu ouvia com a minha irmã, só por isso tive contato. Claro que na época, eu tinha 7 anos, eu não entendi nada da complexidade da letra e nem sabia que era rap. Nessa época minha irmã fazia aula de break dance e eu até aprendi alguns passos, mas durou pouco. Só depois em 2014 que meu professor de história no ensino médio me apresentou Criolo e no ano seguinte eu conheci Emicida por causa do lançamento do álbum “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa…”. O rap passou a ser importante mesmo na faculdade, conheci quase tudo através do Max. A gente aprende tanta coisa teórica sobre a sociedade no curso só que sempre sob a perspectiva de autores europeus, então no meio desse academicismo todo o rap apareceu pra mim como uma literatura muito rica e que fala muito mais sobre a realidade que eu vejo do que as coisas que eu tava consumindo. Hoje, fora família e amigos, o rap é a minha principal fonte de inspiração para seguir em frente e acreditar em tudo que acredito, o rap me fez ficar mais ambicioso para além de dinheiro, carro e casa.

Max – Meu primeiro contato com o rap foi aos 10/11 anos quando eu fui morar um tempo com a minha família em Campinas. Um dia eu estava na aula e a rapaziada tava animada porque ia ter um pocket show na quadra do colégio, não me lembro bem o motivo, só sei que foi assim que ouvi o Inquérito cantar pela primeira vez. Óbvio que eu não entendia o que tava acontecendo ali, mas esse episódio foi muito importante para, mais tarde, ajudar a formar o meu gosto musical. Pouco tempo depois eu ganhei do meu irmão mais velho um cd pirata do Racionais e o negócio andou mesmo. Fui atrás e com o passar do tempo descobri que tinha muito mais. DBS, RZO, SNJ, Sabotage, Facção, A Família, Face da Morte, Potencial 3, Visão de Rua, Rappin Hood, APC 16, Ao Cubo, T$G e o próprio Inquérito começaram a fazer parte do meu dia-a-dia aos poucos, ajudando a moldar a maneira como eu via, pensava e me expressava sobre determinados assuntos, além de entender como superar certas situações que às vezes meus pais não sabiam como me ajudar. Eu tive poucos bons professores na minha vida, o rap foi um deles.

RND – Como se juntaram para fazer esse trabalho?

Douglas – Eu precisava escolher algum tema de TCC para enviar o pré-projeto e não queria fazer nada de ilustração, aí lembrei do Max e surgiu a ideia de fazermos sobre rap, só que não sabíamos ainda o que fazer sobre rap e no fim acabou virando um trabalho que inclui ilustração.

Max – Que eu me lembre, foi tipo assim:

-Doug, o que você vai fazer de TCC?

-Não sei e você?

-Não sei também, vamo fazer junto?

-Vamo

-Ou, a gente podia fazer sobre rap, né?

-Pode ser, tipo o que?

-Sei lá, um tempo atrás saiu um livro que fala como o rap nacional nasceu, mas achei muito acadêmico, tipo sem vida.

-Dá pra nois fazer uma HQ disso.

-Então fechou.

RND – O que é esse trabalho?

Douglas – É uma HQ que conta como o rap brasileiro criou sua própria cena e conseguiu se popularizar nacionalmente sem se vender para o mercado tradicional de música e a gente faz isso através da história do rap. Por isso que a HQ em si não é um conjunto de biografias, a gente quer entregar algo que faça com que as pessoas, fãs ou não de rap, entendam como que essa cultura muda vidas e torna sonhos reais.

Max – Acho que o objetivo principal da HQ é contar a história do rap nacional na perspectiva de como o rap brasileiro não perdeu sua essência temática mesmo ficando cada vez mais popular e como construiu seu próprio espaço para poder sobreviver e crescer (selos, gravadoras e marcas especializadas em hip hop). Tipo, a ideia não é ser uma coletânea de biografias de rappers, mas mostrar que dá pra se manter fiel ao que você acredita até o fim, porquê foi isso que esses rappers fizeram e estão fazendo, saca?

Outra coisa importante é que a ideia já transcende o TCC, nós vamos continuar nele mesmo depois de formados, porquê pela quantidade de coisa que a gente precisa contar com capricho, não dá tempo de fazer só para o TCC. O projeto vai ter pelo menos 3 volumes, fora o primeiro, não tá nada bem definido, mas vai ser mais ou menos assim: um contando da São Bento até o começo dos anos 2000 (que é o que vamos apresentar como nosso TCC também), um do começo dos anos 2000, com as batalhas e tal, até Nó na Orelha e de Nó na Orelha até Bluesman.

RND – Como surgiu a ideia?

Douglas – Depois de muita conversa a gente decidiu que não queria falar só sobre artista X ou Y porque podia virar um estudo de marketing, depois de muito mais conversa que veio a possibilidade de traçar algum paralelo entre as gerações de rap nacional.

RND – Qual história vocês querem contar e o que vocês pretendem representar com o esse trampo?

Max – A ideia de ser uma HQ foi aquilo ali em cima (hahaha), a ideia de tentar contar a história do rap nacional foi depois de quebrar a cabeça pra caramba e perceber que tinha pouca coisa massa nesse sentido. Tipo, a gente queria ouvir a história do rap brasileiro por quem fez o rap brasileiro acontecer, como não tinha uma parada organizada desse jeito, a gente resolveu ouvir tudo que tá disponível na internet dessa galera falando e fazer.

Douglas – A gente não quer contar a história do rap nacional, como algo definitivo, nosso trabalho está mais para uma (entre várias) perspectivas da história do rap nacional. É muito triste ver que já aconteceu tanta coisa bacana que não foi contada de uma vez só, tem um pouco aqui, outro tanto ali, tudo muito espalhado e de difícil acesso. E com isso, a gente pretende mudar o estereótipo do rap no Brasil, principalmente dos artistas de rap. Sempre que entrevistam o Mano Brown, por exemplo, perguntam de racismo, violência, cenário político, etc, mas ele é um artista também, porque não perguntar sobre o processo criativo dele, como ele se tornou produtor, de onde veio a ideia para criar a Cosa Nostra e agora a Boogie Naipe. E isso tudo é importante para entender e contar como que o rap conseguiu crescer tantos às margens do sistema.

Max – Assino embaixo nisso que o Doug falou porquê depois de ver uma cacetada de entrevista, a gente ainda vê que existe MUITA COISA que a galera nunca realmente procurou entender, como se os rappers fossem uma subespécie de artista, tá ligado? Como se a única capacidade deles é a de falar o que falam através do rap. Pô, pergunta pro Emicida que tipo de poema ele estuda pra escrever tanta coisa em uma linha só, se ele não tem um outro tipo de projeto em mente e por que, como a Lab Fantasma tá estruturada pra poder crescer em escala e quando ele vai participar do Shark Tank, tá ligado? Esse tipo de coisa. Não vai me perguntar se ele ainda pode cantar sobre preconceito, já que ele deve não sofrer mais tanto com isso. Pô mano, o cara é preto num país que elege Bolsonaro, caraio, isso É ÓBVIO. E tipo, a gente sabe que esses caras não precisam de nois brigando por eles, mas tem gente que acha que a sua existência é limitada a algumas migalhas, sabe? Isso não está certo. A gente pode contribuir com essas pessoas

RND – A ideia é lançar o trampo impresso? Ou digital? Quais são os próximos passos de vocês?

Douglas – O objetivo é lançar impresso. A gente realmente não esperava a repercussão toda do post de anúncio do trabalho e isso já abriu bastante porta para gente. Agora vamos correr atrás dessas oportunidades para entregar uma HQ que a gente se orgulhe e que o rap merece.

Max – Num primeiro momento a gente quer lançar ele impresso, nossa energia está nisso agora, mas nada impede que mais pra frente a gente estude como lançar ele no digital também. Os passos agora são finalizar o roteiro, fechar os concepts e aí produzir e lançar. Tem bastante trampo pra fazer, mas a gente ficou bem animado em perceber que acertamos na ideia e tem uma galera que se identifica. Foi como eu disse na postagem lá, a gente não é da cena, a gente tem uma perfeita noção disso, mas podemos e queremos fazer uma contribuição digna, porquê o rap merece e as pessoas que são rap merecem. Vai que alguém se inspira em ser rap através disso também.

Abaixo um sabota afrofuturista:

Ansioso por esse trabalho que merece a devida atenção de quem é amante da cultura Hip Hop nacional e também para quem está começando a ouvir agora. Logo mais saem mais matérias sobre o processo dessa linda história que Max e Douglas querem contar.