Das ruas de Salvador nasceu um dos mais talentosos e originais grupos da história do rap nacional.
Aliás, sem falsos clichês, é de boa dizer que a Underismo é mais do que um grupo. O sufixo “ismo” no nome já indica o viés ideológico da parada, que representa também um movimento nascido e criado nas ruas.
“Underismo é a rua, é a moloca, é o pixo“. E, sim, mesmo com relativo pouco tempo de vida, falar de Underismo já é falar de algo clássico.
Nascida “oficialmente” em janeiro de 2017 com o lançamento do videoclipe da faixa “Freeverse” (feat. Vuto)”, a Under desde sempre trabalhou com a rua pautando a sua estética. A arte marginal do coletivo veio com som, cara e linguagem de rua. E de cor preta, óbvio, como são os maiores da história, ou os “da cor de pele que vocês odeia“.
Pavimentando a eternidade do seu legado a cada ano que se passa, é justo dizer que 2017 é só mais um na história da Under. Você sabe: nunca é precisamente eficiente datar arte atemporal.
É uma caneta suja, como um diamante bruto, que escreve o legado do jovem grupo. Em seus primeiros três anos de cena, a Under já entregou trabalhos históricos como o “EP R3sídu0s (2018)” e a “DEMOTAPE (finalzinho de 2018)“.
Agora, os meninos da Underismo, atualmente formada pelos MC’s Ares, Alfa, kolx, Senpai, DJ Moura e o beatmaker Nobru se preparam para a sua próxima obra, um (ainda sem nome) álbum.
O plano de fundo dessa história é a cidade de Salvador. A terra sagrada, abençoado por suas cores e sabores peculiares, é o ambiente que condiciona a jornada destes talentosos artistas no auge dos seus 19 para 27 anos.
Trata-se do casamento perfeito. Afinal, onde mais nasceria uma Underismo se não fosse em “$alv4dorP0rnStreet” aka “Se não tiver visão, cê vai de ralo, bitch“.
“‘R3sídu0$’ é a junção trabalhosa de todo o conhecimento dos integrantes do grupo, a realidade de cada um escrita com a sujeira originária de Salvador transformou essa obra em uma das melhores do ano, o trabalho longo e árduo resultou nesse grande EP”.
Underismo
Surgindo dentro de um contexto de “cena” onde fazer trap era a nova onda do momento, a Underismo apresenta em seu primeiro EP, o histórico “R3sídu0$“, um boom bapzão clássico e visceral munido por um riquíssimo arsenal de barras, inúmeras e belíssimas barra$ em sua escrita.
A obra, composta por oito faixas, foi pensada para contemplar todas as camadas artísticas possíveis. Além de ritmo e poesia de primeiro nível, “R3sídu0s” também é dono de uma estética genialmente suja, assinada pelo artista visual toraJJJosu (lê-se Rato Sujo).
Foi logo na sua “estreia discográfica” que os caras se certificaram de mandar todos os seus preciosos e ainda urgentes recados.
Linhas certeiras como “bragadoccio é enaltecer os preto“, “insanidade me chamando de racista por eu não gostar da branca“, “esqueço a fórmula e desgraço o mundo“, “os boombap é tão bom que eu chamo de bompussy“, “somos gastados e não ‘hypados’“, “bem coisa de Cleiton pra deixar escuro pra William Wack” e “provar masculinidade me dá sono” são só algumas dentro do rico universo lírico da obra.
Um debut incrível, de fato, como poucos grupos na história conseguiram.
“‘R3sídu0s’ é história. Atemporal. Tinha que ser esmiuçado em escolas e faculdades. Retrata a realidade da juventude negra soteropolitana em meio a todo caos que é imposto a mesma”.
Underismo
Com excelente (e raríssima) química, a Under é aquele tipo de grupo que quem gosta de boa arte só quer que nunca acabe. Desde o início, as talentosas individualidades da reunião de MC’s se potencializaram através do coletivo e assim todos os versos de todas as músicas se tornaram verdadeiras aulas – em todos os sentidos.
Mas ter zerado o boom bap não quer dizer que o grupo se limitou a tal especificidade, digamos assim.
Logo depois de “R3sídu0$”, a Underismo lançou a futurista (eu realmente gosto do adjetivo futurista aqui) “DEMOTAPE” e mais horizontes se abriram.
Desenvolvida em colaboração com o Estúdio Criativo GANA, com produção musical de Filipe Mimoso e produção visual e identidade de Mayara Ferrão, a “DEMOTAPE” trouxe uma Underismo com a mesma excelência de sujeira que a marcou em “R3sídu0s” só que agora em cima de uma outra sonoridade, a insanidade do trap.
“São 4 músicas separadas por contextos e momentos, mas ligadas pela ideia básicas de que se você dever, não deva, porque a Underismo vai cobrar. (Risos)”.
Underismo
Vou fazer a dinâmica das linhas de novo: “bruto; imundo mas ricas pérolas advêm destas cinzas“, “e eu só queria o meu dinheiro porque eu tava em outros níveis“, “time underground, bala e fogo nos playground“, “hype: máquina de argumento fraco, sem fundamento“, “só no último volume, escutando “SódiKéKé”, “o verso mais real que tenho ouvido é o Raffa dizendo que você é feio” e “contra nós os claro sempre vai depor” mantiveram as ideias da Under naquele modelo.
Como se estivesse apenas fazendo o que nasceu para fazer, a Underismo consumava outra obra de arte histórica.
O espetacular single e videoclipe de “Pretx Chavx“, produzido em parceria com a marca de roupas Produto DUGEUTO, e mais tantos outros projetos continuaram deixando o nível de excelência lá em cima.
Quando acabar de ler a entrevista, desfrute mais do acervo da Underismo aqui.
Este respeitável currículo naturalmente gera boa expectativa para o “álbum da Under” – ou qualquer trabalho que tenha “Und3rismo” na assinatura.
Por méritos próprios e de uma forma até que meteórica, o grupo virou referência.
A princípio para saber como anda o processo de gestação deste primeiro álbum, troquei uma ideia com o grupo em uma espécie de ping-pong via zap-zap.
Otras cositas más bastante relevantes como indústria xenofóbica, o empreendedorismo na arte independente, as formas de enxergar o mercado underground, diferentes tipos de público e vários outros temas castelantes também foram pauta da entrevista abaixo.
Confira, pegue a visão e… fé na Under.
RND – O que dá pra vocês contarem sobre o processo de criação do novo álbum? O que podemos esperar em relação a referências, temas, sonoridades… ?
Underismo – Acreditamos que a inexperiência durante a produção do primeiro projeto – o EP R3sídu0s – tornou alguns dos processos exaustivos, mas com resultado muito satisfatório e inesperado em certos níveis, acredito que para todos do grupo.
Para este álbum, nossa pesquisa é muito mais cuidadosa e direcionada por termos um posicionamento musical melhor estruturado, são três anos convivendo com isso e estudando pra melhorar.
Além da forma de consumo do público ter mudado quanto algumas nuances com o advento e popularização de práticas de produção e distribuição de conteúdo, percebemos que música não é simplesmente gravar e lançar muito antes de fazer o “R3sídu0s”, mas dessa vez temos maturidade para operar esses mecanismos e desfrutar do máximo ao nosso alcance.
Para este primeiro álbum, vamos utilizar muita diversidade no que já vem sendo consumido. Inova um pouco, o que sempre fazemos.
Estamos fazendo uma triagem de instrumentais e produtores que achamos interessante trabalhar. E ainda estamos procurando alguém que se interesse em uma parceria, unir ideias.
É essencial figuras produtoras como Mimoso, que saibam da música como um todo, tenha a tranquilidade de trabalhar no que for oferecido/pensado. Temos Nobru, mas ele some, não sabemos como está a empreitada produtiva dele atualmente, mas sabemos que é uma pessoa certa também.
rNd– Em relação ao “música não é simplesmente gravar e lançar”, hoje vocês também gerem as funções de assessoria, produção executiva, etc, do coletivo. Como é ter que “dividir” todos esses corres e lidar com o fato de que artista independente não tem como focar 100% em “apenas” ter que “ser artista”?
Und3rismo – O corre de ser independente é muito da gente aprender ter que traçar o próprio mercado, digamos assim. Porque quando a gente pensa em fazer a música, a gente não entende de primeira como é que se faz as coisas, tá ligado? A gente vislumbra como é que tais artistas se dispuseram a trabalhar para poder criar aquela carreira e aí, dentro dessa idealização do processo, tentamos fazê-lo de forma mais prática.
Isso gera aprendizado, que gera conteúdo e esse conteúdo vai gerar vontade de aprender. Como no grupo tem seis pessoas, a gente costuma dividir as atividades necessárias para criar conteúdo para além de música, tá ligado? Claro que tem aqueles pontos específicos onde todo mundo vai pontuar alguma coisa, mas no geral cada um leva uma parte e isso vai sendo desenvolvido no individual através dos seus estilos. Aí muitas coisas são agregadas dentro dessa pluralidade artística que é a Underismo.
A parada é entender que a gente não é só intérprete, compositor, músico, mas também empreendedores tentando partir do suprassumo do nosso trabalho e se autogerir. O Emicida dá esse tipo de papo em uma música: “gravadoras creem que a sorte gera um Emicida, eu creio que também que isso é o que as mantém com vida“. E, realmente: gravadoras dizem que a sorte gera um Emicida e ele foi um dos primeiros caras a trabalhar dentro de um processo independente e se popularizar com esse discurso. Isso acaba sendo uma coisa que foi pluralizada e acabou quebrando muitas gravadoras, que usavam desses serviços para poder controlar os artistas, fazendo com que eles só produzissem música, mas quando esses artistas perceberam que existia uma necessidade de entrar em outras áreas para poder serem 100% donos do que faziam, começaram a gerar vários outros Emicidas, e aí as gravadoras se fuderam em alguns níveis.
Erre Eni Dê – O “R3sídu0$” apresentou uma estética bem peculiar quando lançado em 2018. O boom bap sujão mostrou uma Underismo diferenciada em relação à tendência trap que tomava conta da cena na época. Como se deu a escolha dessa estética e como vocês enxergam “R3sídu0$” a nível de temporalidade? Tipo, como vocês acham que o EP vai ser lembrado com o passar dos anos? Consideram um clássico?
UNDERISM888 – A gente lançou um clássico, sem falsa modéstia, um EP que foi feito a partir da venda de 20 camisas, com menos de 450 reais total toca até hoje e soa como atual, porque falamos sobre nós e não fingimos. Acreditamos que clássicos são fabricados a partir da identificação de quem ouve, e o que falamos foi tão visceral que pessoas vão se identificar sempre.
É interessante apontar que os type beats que utilizamos pro EP eram os que tinha o nome de Earl Sweatshirt, Flatbush Zombies, entre outros artistas que não necessariamente protagonizaram os subgêneros mais comerciais do hip-hop, é um clássico. Marco. Por menos recurso que tivesse, proporcionou construção estética, pelas mãos do programador visual toraJJJosu, movimentação cultural, pelas festas e eventos produzidos por nós (o BA1LE UND3R), referencial musical e mais outras coisas.
RnnnnnD – Em relação a todo esse lado visceral de “R3sídu0$”, o tipo de mensagem mais “underground” é algo que vocês acham que pode afastar um certo tipo de público, o vulgo mainstream? Como vocês lidam com esse “balanceamento” de públicos, digamos assim?
UnderCoff – Existe um conceito de underdroung que é um resquício de um pensamento que já deveria ter sido extinto. Não extinguir o undergorund, mas a forma de enxergar isso. Porque underground é quem faz quem seu trampo por si mesmo e mesmo que exista uma linguagem musical que é atribuída ao undeground isso acaba criando bolhas, e essas bolhas acabam sendo menos consumidas porque são menos pessoas que acabam se agregando. Essa bolha uma hora pode acabar e se esvair.
Esses artistas que se julgam independentes e do underground precisam entender que o mercado pode ser capitalizado em qualquer espaço só basta saber usar das estratégias certas e pensar que essas mudanças são extremamente necessárias visto que a gente precisa se sustentar.
Underground e mainstream trabalham em uma linha muito tênue aonde a galera começa a julgar como mainstream uma parada que acaba sendo muito consumida, o que é um pensamento equivocado. O mainstream é o que o se dispõe a ser mainstream e o estilo específico aonde vai ter uma descrição específica, e o underground vai ser simplesmente o fato dele tá fazendo por ele mesmo.
Um não impede de ser o outro, tá ligado? Só basta você conseguir ter a popularidade certa. E o fato da gente ser visceral e falar o que a gente realmente vive faz com que outras pessoas se identifiquem e essa identificação vai independente de quem ouvir e do espaço que tiver.
A gente já viu os caras que escutavam “Racionais” das antigas com 40 e poucos anos escutando Underismo e já viu pessoas que vão para eventos mais nichados comercialmente, digamos assim, ouvindo Underismo também. São muitos extremos e, basicamente, o fato da gente falar as nossas verdades faz com que pessoas se identifiquem. Elas não estão se identificando com um personagem, elas estão se identificando com a pessoa e essa parada faz com que independente do espaço que ela se dispõe a adentrar faça com que a nossa música seja atraente.
RRRRnd: Depois de “R3sídu0s”, veio a “Demotape”, a “Pretx Chavx” e os últimos lançamentos como “Coffe Coffe” e “Di Bombeira” já mostrando uma Underismo que dialogaria com outras sonoridades além do boom bap. Como vocês lidam com essa versatilidade musical? Acreditam que existe um estilo de som mais “propício” para atingir a um público maior?
UND3RBOYZZZ – Tecnicamente existe “estilo de som mais propício”, é questão de métrica de consumo, porém fazemos o que a gente quer fazer.
Essa versatilidade é possível porque fazemos música, precisamos tirar o rap dessa caixa distante de outros estilos musicais quando falamos sobre suas propriedades e expansão no mercado, quando isso acontecer vamos ter uma indústria potente e também músicos do estilo rap com muito mais para oferecer, e que não vão considerar essas versatilidades com outros estilos uma exceção.
RN e o D – Esse ponto de tirar o rap da caixa é massa. Vocês acreditam que ainda falta mais diálogo pro rap, até com culturas mais underground mesmo, como o pagode e o funk? Digo no sentido de eventos com esses gêneros juntos?
“UNDERISMO é a salvação, pode pá” – Falta muito é acessibilidade dos próprios produtores desses eventos colocarem essas pessoas. Não é só o rap que não dialoga dentro de eventos. Os funks e pagodes undergrounds também ainda são bastante nichados em seus respectivos lugares, principalmente porque a maioria dos eventos acontece de forma literalmente independente e esse diálogo acaba se tornando meio inviável visto todas as problemáticas de deslocamento, conversa, acesso, etc.
Muito dessa falta de diálogo para eventos maiores, festivais, é pela falta de acessibilidade dos próprios produtores que abraçam discursos de pluralidade e no fim do dia ainda existe uma seletividade bem, bem, bem, bem aparente e que as pessoas acabam fingindo não ver.
O funk, o rap, o pagode, o arrocha. Tipo, o arrocha casa muito com o RnB aqui, só que a falta de acesso dessas paradas uns aos outros é causada principalmente por uma industria que não tem interesse em capitalizar esse tipo de coisa, que não tem interesse em apresentar. E aí como é que a gente vai acabar conseguindo se conectar de alguma forma? Porque os shows deveriam ser também uma forma de apresentar outros artistas, outras ideias, ter essas pluralidades e isso acaba não rolando justamente por não existir esse abraço.
A gente já dialoga bastante em questão de origem, em questão de contexto social, só que a gente se afasta quando se trata de seguir carreira dentro de estrada, dentro de show, muito por, simplesmente, os caras não terem interesse em fazer isso acontecer, as pessoas que fazem com que esses eventos aconteçam, tá ligado?
DNR – Em entrevista recente, Vandal fala sobre a xenofobia existente na cena nacional. A gente sabe como é mais difícil para artistas soteropolitanos, baianos, nordestinos, fora do eixo, etc., botarem a cara e explodirem a nível de mainstream brasileiro. Como a Underismo enxerga essa questão da xenofobia e como o grupo trabalha para conseguir público além da cena SSA?
Und333333r – Muitas nuances nesse rolê vão desde um reflexo da República do Café com Leite ao racismo direcionado ao Nordeste pela indústria, que pelo fato de não estar direcionado a uma pessoa, e sim a um local é chamado de xenofobia.
É curioso o lado do Brasil mais preto ser o mais excluído e invisibilizado nos veículos e ser tão ignorado, até conseguir romper essa bolha e a galera falar tipo “pow, né que são bons?”. E isso acontece no mercado da música no total quando se trata de Norte e Nordeste, e não falo sobre público somente, falo sobre empresas, festivais, plataformas, veículos que facilitariam esse acessos mas escolhem não fazer.
rNd – “7Empresas, plataformas, festivais…”. Realmente é uma estrutura foda. Vocês conseguem visualizar uma forma da cena fora do eixo conseguir construir sua cena própria? Digo, o dinheiro começar a circular em maior volume por aqui?
uNderismo – Existe uma necessidade de abraço com mais força das produtoras de evento e do próprio público porque a gente tem todo material para isso acontecer.
É uma parada também da gente conhecer o local de onde a gente tá. Nós somos da Bahia, que é um dos maiores estados do Brasil, mas ainda não conseguimos fazer com que o nosso mercado funcione dentro do nosso espaço estadual. A gente vive na Bahia onde existem vários artistas além de Salvador, no interior, em Santo Antônio, Itabuna, Feira de Santana, Ilhéus, Gandivis (risos), Gandu*, Senhor do Bonfim… do norte ao sul da Bahia você vai encontrar artista de rap fodas, só que isso é muito pouco abraçado dentro do nosso espaço, porque tem muito aquele rolê da mídia local e nacional também não trazerem esses artistas como um ponto forte.
Acabam colocando como “promessas”, “que vai estourar”, mesmo que dentro do estado já tenha alguma parada foda, acabam colocando sempre de uma forma como se a gente tivesse num ponto de começo dentro do nosso estado quando, na verdade, já estamos no meio de uma caminhada, tá ligado? Quando a gente já tem muito arcabouço para ser entregue, mas isso só é validado quando pulamos a linha estadual para o sudoeste, e aí que é a porra porque o que acontece: o sudoeste enxerga a gente como um forte potencial de imagem, de linguagem, conteúdo, conceito, só que o nosso material é subvalorizado quando vamos pra lá e quando eles vem pra cá ainda assim existe um certo desdém.
Essa falta de reconhecimento desvia os olhares de marcas que poderiam estar fazendo esse corre. Uma Nike, uma Adidas, uma Lacoste, uma Reebook, uma Fila… tudo isso acontece, mas acontece lá, porque o canal de mídia, makerting e publicidade, etc, é todo focado nesses espaços e os outros lugares são somente para você coletar material bruto. É como se a gente fossem minas e eles fossem os ourives, tá ligado? É foda.
Precisamos começar a ver que a gente não é somente mina, a gente pode ser ourives, vendedor, joalherista, designer de joia… e fazer toda essa preciosidade que a gente tem na nossa região ser vendida e consumida aqui dentro, mas para isso precisamos de um mercado que já existe e que ele enxergue esse potencial na gente não só para pegar, mas também para investir.
A gente dificilmente vê uma campanha publicitaria pautada no Nordeste com artistas , modelos da Bahia. Quando existe, ainda é subfaturado, onde os valores pagos são ínfimos. Aonde se fosse em outro lugar a campanha seria “x” e quando vem pra cá é outro valor. Isso vai para todas as áreas.
A galera vem pra cá, coleta material bruto, coleta conteúdo, conceito, isso e aquilo, só que na hora de dar a moeda, o dinheiro é reduzido porque não é São Paulo, Rio de Janeiro.
Agora estão aparecendo mais artistas que estão começando a entender o que é escrever um edital, procurar um Ecad, um registro, o que é se envolver dentro do processo burocrático de um mercado que corta nossos braços, corta nossas pernas, pega as nossas cabeças e saí.
RND – Aulas.
RNddddddd – Durante a caminhada de vocês, os MC’s Ponci e Trevo deixaram o grupo. É de boa falar como aconteceu essa decisão de ambos os lados?
omsirednU – Cada pessoa tem seu tempo de chegar, ficar e sair de tudo. Às vezes isso demora anos, às vezes horas, e a gente entende isso e respeita. Eles entenderam o tempo deles e fizeram as suas escolhas por motivos pessoais, uma escolha da vida que todos em algum momento tem que tomar.
ŔŃÐ – Como essa pandemia vem afetando o processo criativo e a dinâmica de produção de vocês?
ÜŃÐŔ – A pandemia está servindo como momento de estudo tanto pessoal quanto social. Pensamentos, ideologias, músicas, desenhos animados e conteúdo aleatórios, como campeonato de pipa, fazem parte da dieta e isso estimula a criação, mas nada é tão influente quanto a convivência com o mundo real físico e talvez a falta isso é o que tem feito falta.
O início da pandemia veio quando estávamos em processo e iniciação do nosso álbum e em meio de uma rotina de apresentações, assim viemos dar um pause em tudo que estávamos fazendo. Tivemos que nos adaptar com uma nova forma de apresentação, que seria através da redes, como o ”Undertalk”, uma maneira que tivemos de não perder a comunicação com o nosso público. Estamos aproveitando esse tempo também para podermos aprofundar melhor e produzir o nosso primeiro álbum.
R__ – Final do ano passado vocês lançaram o projeto “DVDUndR”, uma obra com uma estética 100% Underismo. Como vocês pensam em explorar esses outros canais de arte, já que trata-se de um grupo com membros tão plurais?
UNDER____ – Estando dentro do mercado da música acho difícil pensar em entrar nele sem ser levado para outros meios da arte osmoticamente, ou por necessidade.
Sempre tivemos esse pensamento, eu (Ares) vim para Salvador estudar design, querendo ser estilista, hoje faço rap. Junto aos companheiros do grupo gerimos um negócio, mesmo que até então não traga lucros suficiente para conseguir nos manter, planejo lançar uma grife de roupa, além de fazer game e animação. Facilmente consigo ver uma linha se ligando a outra porque no fim do dia nós queremos ser lembrados e que nosso produto artístico seja nosso legado, nossa história para outros também se verem nela.
Desde sempre buscamos nos expressar através dos diversos campos artísticos, e nos não artísticos também.
Somos jovens pretos integrantes do mercado profissional formal, informal, da faculdade/academia e da rua. Todos estes meios pedem uma linguagem específica, você precisa ser o poliglota dos espaços para executar as tarefas diárias sem sofrer com os choques de cada uma destas áreas.
Por isso sempre foi importante ter um conectivo, algo nativo, o ponto de ligação que vai te dar norte em todas os espaços de atividade em nossas vidas, e acreditamos esse ponto foi a arte.
Se tornou um método de raciocínio, de conduta, de expressão.
torajjjosu cuida e dirige desde o início do coletivo as expressões dos nossos sentimentos em variadas artes: visuais, audiovisuais, musicais. As pessoas que colaboraram com a Underismo, do mesmo modo, trazem a sua força de trabalho/perspectiva para essa empreitada e ajudam a construir esse grande organismo artístico. São falas de diversos pontos de vista.
Embora tudo vá se ampliando com o acesso as ferramentas e as possibilidades de fazer, não quer dizer que não fazíamos antes porque não tínhamos recurso ou material, exemplo disto é o próprio “DVDUNDR“, feito por torajjjosu no seu computador fuleiro com a captação de imagens de Gabriel Nogueira, aliado as capturas de fãs dos shows, os áudios de Whatsapp, os videos do YouTube, etc. Confeccionar um DVD sem dinheiro foi um trabalho feito por grande esforço próprio e quase sem retorno algum, a não ser o de fazer a arte pela arte.
A ideia é que, no futuro, a Underismo funcione como uma plataforma de impulsionamento de artistas como nós, é o nosso desejo.
Seja nas plásticas, no teatro, na poesia, na música, nas visuais, audiovisuais, tudo.
Vida longa à Underismo.
Mais uma vez: fé na Under.