Com aquelas rimas tortas e um flow nada linear, o rapper paulistano Novíssimo Edgar é o absurdo do rap nacional. E se até curva precisa de certa constância, então “o ponto fora da curva” significa algo excepcional. E é exatamente isso que define o show dele na noite de sexta-feira (16) no festival Bananada 2019, em Goiânia. A sonoridade eletrônica um tanto quanto psicodélica e uma performance teatral fez o público do festival vivenciar uma outra (porque não dizer novíssima) experiência no rap nacional com Edgar.
Da favela do Coqueiro de Guarulhos-SP, o rapper trouxe para o palco Redbull do festival Bananada canções principalmente de seu disco “Utrassom”, entre outras. Desde Sabotage eu não me surpreendia tanto com uma variação de flow e rima tão autêntico. Edgar e sua poesia falada, mescla diferentes tons e aposta sua voz nasalada em um discurso que disseca o mundo caótico em que a sociedade se enfiou.
Edgar entrou mascarado com um de seus figurinos criados a partir do lixo. E, ao longo da apresentação, foi se transformando e criando um elo entre a arte, a música, a mensagem e o público de um jeito alucinógeno. Apesar da psicodelia, nada é desconexo. Seu lado artístico imponente e num pegada “eletrobeats”, nos fez questionar o consumo, pois em cheque o uso desenfreado da tecnologia, cutucou a ferida das aflições sociais, denunciou a violência doméstica, a exploração e o racismo, expôs em líricas as principais angústias de um artista e, ao final de tudo isso, nos libertou da estranha sensação de estar num show dançante, teatral e ao mesmo tempo reflexivo dentro do rap.
Numa sociedade atual em que se priorizam as relações virtuais, por exemplo, o cantor foi enfático durante sua apresentação, alertando sobre uso mal intencionado de câmeras, comparando-as a armas. Com uma filmadora de brinquedo na mão (também criada a partir de recicláveis), Edgar apontava o objeto na direção da plateia, ameaçando hábitos inconscientes, ao som de “Print”, uma de suas principais canções.
“Cuidado com o histórico. Print não some, print não some!”, diz o refrão, mais uma vez chamando a atenção para tudo aquilo que postamos nas redes sociais. E daí já dá pra entender aonde ele quer chegar quando diz que celular é a “tecnologia bélica”.
“Vocês querem nos robotizar ao invés de humanizar”, cantou o rapper dentro dessa temática. E ao falar sobre essa cultura digital perigosa, Edgar também trouxe a tona outra reflexão sobre o “ego” e como aprender mais sobre nós mesmos.
Passado das 23h, o cantor não fez apologias a nada durante o show, nem foi o primeiro a puxar um manifesto contra Bolsonaro, mas de fato foi a apresentação mais política. No telão ao fundo, imagens tipo memes da internet, poesias populares e símbolo do capital denunciavam, nas entrelinhas, aquilo que ele sabiamente usa como crítica.
Tentando aqui descrever um pouco do que vivi na noite de sexta neste show, mas de fato sem palavras pra explicar a performática apresentação. É como se este show, ao descortinar todas as mazelas sociais e apontar para tudo aquilo que ocupa nosso interior, nos permitisse ver tudo aquilo que não podemos enxergar nem de óculo nem de luneta.
A performance em consonância com a mensagem deixa evidente o porque dele ser o ponto fora da curva não somente neste festival, mas na produção musical brasileira. Que me perdoem o “mister Niterói” Black Alien, o bluesman Baco e todos os outros artistas que se apresentaram, mas a noite de sexta no Bananada 2019 foi de Edgar.
Confira os registros mais undergorund que você vai ver desse show! (Fotos: Mari Magalhães)