Connect with us

Hi, what are you looking for?

Old

Os 14 anos de ‘The Listening’, o icônico álbum do Little Brother

“Como dizem, ‘É o grupo favorito do seu artista favorito’. Não só aqui no Brasil como fora também.

No dia 25 de fevereiro de 2003 foi lançado o primeiro álbum do trio Little Brother, fundado em Durham, cidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Lançado pela gravadora ABB Records sem promoção, divulgação ou distribuição em massa, o primeiro álbum do grupo formado por Phonte Coleman, Rapper Big Pooh e 9th Wonder inicialmente chegou como mais um disco de Rap underground, mas isso foi até as pessoas começarem a ouvi-lo.

Como tudo que agrada, rapidamente o The Listening se espalhou entre os fãs de Rap contrários ao viés comercial que o segmento estava tomando no começo de anos 2000 nos Estados Unidos e caiu nos ouvidos de nomes influentes no cenário do Hip Hop, entre eles Questlove (The Roots), DJ Jazzy Jeff e Pete Rock. A notável influência nas faixas do disco oriunda da aclamada Golden Era os colocaram, por muitos, como o legado de De La Soul, A Tribe Called Quest e The Fugees, tanto pelas ideias propostas nas composições, como as produções com cortes e samples da Black Music dos anos 70 e 80. Também não demorou para o disco chegar por aqui e cair no gosto dos amantes de Rap no Brasil, tornando-o uma das principais referências do gênero e um dos discos prediletos de muitos. E por que o The Listening chamou tanta atenção e é tão querido pelos brasileiros?

O disco saiu em 2003, mas foi em 2004 que tenho a lembrança de escutá-lo sem parar. Estava num momento de incertezas, tinha perdido o emprego e não tinha como continuar a faculdade de jornalismo. Estávamos começando a gravar o primeiro disco do Contra Fluxo. Voltava do centro de SP para São Bernardo escutando esse disco no Discman…”, relembra Mascote, MC do grupo Contra Fluxo. E o The Listening não acompanhou apenas o discman do Mascote… “Fui atrás do Little Brother por causa dele [9th Wonder]. No final de 2002 ouvi o remix que ele fez do álbum do Nas, God’s Stepson. Este remix me impressionou tanto que, tudo que tivesse produção do 9th daquele ponto em diante, eu iria atrás. Pouco tempo depois descobri que ele tinha um grupo e foi aí que comecei a ouvir Little Brother. Na época, eu lembro de namorar uma menina que morava em São Caetano do Sul. Eu tinha um Discman que tocava arquivos de mp3 em CDs. Então trilha sonora das viagens intermunicipais de trem e ônibus foi Justus League [a banca deles] nos dois anos seguintes”, conta o jornalista Daniel Sanchez, do site Parachoques Cromados.

Lembrar com nostalgia da época traz uma ótima sensação, ainda mais que a cena se movimentava muito com lançamentos famosos. “O ano de 2003 teve álbuns que venderam milhões de cópias no mundo todo como o ‘Get Rich or Dye Tryin’ do 50 Cent, o ‘The Black Album’ do Jay-Z ou o ‘Speakerboxxx/The Love Below’ do OutKast. Apesar de gostar muito tanto do Jay-Z quanto do OutKast, minha atenção estava voltada pra parte que corria vamos dizer assim pelas ‘pontas’ da cena… o tal do Underground onde eu adquiria diversos Cds importados como o ‘The Ownerz’ do Gang Starr, o ‘Full Circle’ do Hieroglyphics entre outros lançamentos dessa parte menos comercial do Rap que vieram a ser lançados em 2003”, comenta Alex Santana, da loja Beats & Rhymes Lifestyle.

Mesmo sem a divulgação que merecia, o The Listening se destacou bastante por toda sua ideia de construção. “É um álbum com uma narrativa quase que cinematográfica. Você percebe que houve um cuidado na disposição das faixas e na forma como elas são apresentadas. A ideia de colocar uma rádio fictícia cria um elemento de imersão que dá profundidade na audição do disco. Não por acaso se chama ‘The Listening’ imagino eu. Há muitas referências musicais  fora e dentro do Hip Hop. As referências e imitações que Phonte e Big Pooh fazem de alguns clássicos como Kool G. Rap, Slick Rick, Doug E. Fresh é fantástica. É uma forma sutil de homenagear e dizer o quanto você ama o Hip Hop. Todos esses elementos estruturais que eram fartos uma década antes estavam quase esquecidos nos anos 2000. Acredito que essa escassez era resultado direto das grandes mudanças estruturais na indústria da música com o advento do Mp3. A parte (mp3/single) passavam a ser muito mais valorizados que o todo (álbum). O disco do Little Brother marcou por resistir a essas mudanças de forma analógica em sua concepção”, analisa Daniel Sanchez.

Para a época o The Listening foi um marco em diversos pontos, principalmente pela proximidade e identificação dos momentos que atravessavam na cena por aqui. “Foi um marco porque soava bem parecido com a cena que estava emergindo no Brasil, o tal ‘Underground’, com rimas abordando diferentes temas, com uma sonoridade similar ao que vinha rolando aqui. Pouco tempo depois, descobrimos que o 9th Wonder usava o Fruit Loops para fazer as batidas. E tudo fez ainda mais sentido”, diz Mascote, que segue a mesma linha de pensamento de Alex: “Absolutamente que sim [que marcou época], tanto que estamos falando do The Listening hoje quase 15 anos depois. A sonoridade do álbum, os cortes e as escolhas do samples certeiros do 9th Wonder, a produção dos beats como um todo — lembro de todo mundo querer mexer no Fruity Loops por causa dele — e claro sem falar nas rimas e na lírica dos MCs Phonte e Big Pooh. É disco obrigatório para quem faz parte do Hip Hop conhecê-lo, álbum que fez muita gente relembrar A Tribe Called Quest, De La Soul e os clássicos dos anos 90.

A boa receptividade e o carinho do público brasileiro pelo The Listening não só trouxe uma nova referência e influência na produção de Raps por aqui como o conhecimento de outros grupos embalados pelo Little Brother. Lembro muito bem do dia que conheci o trabalho do Little Brother também através das coletâneas da banca Justus League — me apresentadas pelo Daniel Sanchez, nas aulas de Jornalismo Digital no laboratório da faculdade — que fez conhecer nomes como Nicolay, Cesar Comanche, Edgar Allen Floe, Murs, Skyzoo, Darien Brockington, L.E.G.A.C.Y, Chaundon, Median, Joe Scudda e o The Foreign Exchange, que também foi um expoente dessa geração com o álbum “Connected”, lançado em 2004.

Com o ritmo e a quantidade de informações que recebemos a todo momento, muito em decorrência da evolução da comunicação através da internet, principalmente a agilidade das redes sociais e a acessibilidade aos meios de produção que trouxeram maneiras de visualizar a concepção de músicas de forma mais completa moldando os gostos e ampliando a vertentes do Rap, a pergunta que fica é: se um álbum como o “The Listening” fosse lançado atualmente do mesmo jeito que foi em 2003, teria espaço para atenções e teria o tratamento como o de ser uma referência para os fãs de rap no Brasil?

O rap nunca mudou tanto em termos sonoros nestes últimos 10 ou 15 anos. Penso que conforme um gênero musical vai amadurecendo é normal começarem a surgir novas tendências que se tornam dominantes. Depois elas passam a ser sub-gêneros. No final dos anos 80 era o afrocentrismo que estava em alta. Depois veio o auge do Gangsta Rap nos anos 90. Nos anos 2000 testemunhamos a ostentação bling-bling e a ascensão da sonoridade sulista, até ela virar a tendência dominante com o Trap.  Repare que nenhuma dessas tendências passadas sumiram por completo. Elas continuam a existir, com um menor grau de exposição. Acredito que se um ouvinte novo tiver uma compreensão ampla das variáveis do Hip Hop, invariavelmente ele será sensibilizado por um álbum como o ‘The Listening’. Agora, se passou a gostar de rap em seu estado atual e ignora todo o contexto do gênero, dificilmente ‘The Listening’ vai figurar em sua playlist”, contextualiza Daniel Sanchez.

Mascote é direto sobre o assunto: “Provavelmente não. O mundo muda, as referências mudam. Tenho certeza que iríamos curtir bastante, mas com tanto lançamento hoje em dia, a chance dele receber a devida atenção seria mínima.”

Já Alex Santana acredita que se lançado hoje, chamaria a atenção: “Quando o disco é um clássico independente do tempo ele terá visibilidade e hoje com a ajuda da internet e outras plataformas digitais ele se propagaria de uma forma mais rápida e ampla atingido um público bem maior do que foi na época do seu lançamento. Quanto a parte de ser referência para os fãs no Brasil, acredito que sim pois temos um público fiel ainda apegado mais a sonoridade da Golden Era, por mais que apareçam Gucci Mane’s na cena sendo referência para alguns fãs daqui por outro lado teremos Bada$$ [Joey] ou mesmo uma volta do A Tribe Called Quest mostrando que existe vida além do Trap”.

De fato, o” The Listening”, assim como o Little Brother influenciou uma geração e seus trabalhos posteriores também, de forma consistente, agregaram mais fãs e o término do grupo em 2010 causou comoção. Hoje 9th Wonder é um dos produtores mais requisitados no mundo, Big Pooh continua a lançar seus projetos em carreira solo e Phonte se destaca no cenário da Black Music com os vocais das canções do The Foreign Exchange. Quem define bem sobre essa admiração é Daniel Sanchez: “O legal é que existe toda uma geração de rappers, grupos e pessoas importantes dentro do contexto nacional hoje que curtia Little Brother na época do lançamento. Como dizem, ‘É o grupo favorito do seu artista favorito’. Não só aqui no Brasil como fora também.

Clique aqui e ouça a playlist com o álbum The Listening completo.