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[Opinião] Do norte ao sul: a expansão do rap nacional

‘Percebi que a dominação do eixo Rio-São Paulo sobre o Rap Nacional já não é tão gritante e isso enriquece a cultura com grande variedade de estilos. Muito boom bap, muito trap, o Rap Nacional mostra-se cada dia mais rico e a tendência é o crescimento gradativo.’

Neste mês de janeiro nós, autores do RND, fomos incumbidos de ouvir mais de 60 projetos (álbuns, mixtapes e EPs) para preparar a lista dos melhores do ano de 2015. Uma tarefa nada cansativa, mas muito reveladora. Para mim foi um mês de descobertas, pois passei o ano bem afastado da cena nacional devido aos estudos e graças a isso não acompanhei o lançamento de alguns projetos que se destacaram durante o ano.

“Descobri” rappers de muita qualidade lírica, com variações ricas de flow e métrica impressionante. Percebi que a dominação do eixo Rio-São Paulo sobre o Rap Nacional já não é tão gritante e isso enriquece a cultura com grande variedade de estilos. Muito boom bap, muito trap, o Rap Nacional mostra-se cada dia mais rico e a tendência é o crescimento gradativo.

Ao ouvir alguns projetos eu senti a necessidade de escrever sobre eles. A ideia inicial dessa matéria era mostrar que o Rap hoje vive uma realidade muito diferente. Eu consigo ouvir vários rappers de qualidade sem sair do meu estado, algo que era difícil há alguns anos. O rap realmente invadiu o Brasil e trouxe muita qualidade para a cena. Vou escrever sobre dois EP que alguns de vocês já ouviram e assim como eu vibraram a cada rima, mas a grande maioria não teve esse privilégio. Então, caso não tenham ouvido se preparem para conhecer dois grandes rappers que se destacaram durante o ano e estão na lista dos 60 melhores do ano de 2015. Caso você seja um ouvinte assíduo do rap nacional já encontrou com o som desses caras, mas peço que também leia, pois conversamos com ambos e eles analisaram os seus trabalhos e o ano de 2015.

Devo começar pela minha região (norte), pois daqui saiu um dos trabalhos mais finos de 2015: Janela de Victor Xamã. O rapper, que também é um baita produtor, é um dos membros do grupo Qua$imorto (junto a João O Alquimista, Barba Negra, Luiz Lula e DJ Maquinado). Oriundo de Manaus, o rapper preparou o projeto em Salvador. Todas as faixas são produzidas por Xamã, com exceção da bela faixa “Eu chorei nas margens do Rio Negro“. O EP é sensacional, nele o que mais me encanta é a qualidade lírica. Cheio de questionamentos e  observações pessoais, é um trabalho de poesia pura e simples que expõe angústias intrínsecas.

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Eu acredito que é um trabalho que reflete a personalidade de Xamã, pois em nenhum momento as rimas soam artificiais, muito pelo contrário, ao ouvi-las você percebe que a essência do EP é contínua. Eu me identifico muito com as letras desse EP, considero um trabalho muito denso e que merece ser ouvido por mais pessoas. As minhas faixas preferidas são: Bússola Quebrada, Essa Noite Vou Me Embriagar Com Verdades, Dr. Destino, Eu Chorei Nas Margens Do Rio Negro.

Conversei com o Xamã sobre o álbum e os projetos nacionais que para ele se destacaram nesse ano.

RND: Xamã, o seu trabalho foi bem classificado pela maioria dos autores do RND como um dos melhores do ano. Você tinha noção que esse EP teria essa relevância tão significativa para a cena nacional?

Xamã: Sinceramente não imaginava a rápida repercussão, fico bastante feliz por representar o norte no Brasil na cena do Rap nacional e agradeço a todos que acreditam no trabalho.

RND: Ouvindo o seu trabalho percebemos que suas experiências pessoais e angústias formam uma essência muito sólida no álbum. As suas composições chamam atenção pela pureza da poesia. Como foi o processo de composição desse EP?

Xamã: O processo de composição foi algo bastante natural sem pressão, não pensava em data de lançamento e nem no que aquelas folhas avulsas poderiam se tornar, no tempo que morei em Salvador aprendi muito com a saudade, nada foi planejado tudo foi acontecendo naturalmente refletindo meus comportamentos e questionamentos da época. O nome “Janela” nasceu da necessidade de observar mais o que me cercava pra poder entender o que o destino me reserva em um tipo de trilha que convida a introspecção. O (EP) só foi possível graças aos meus parceiros de grupo que nas férias que passei em Manaus abraçaram a ideia e me ajudaram a realizar tudo em um curto período de tempo.

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RND: Fazer Rap no Brasil já foi mais difícil, hoje as coisas mudaram. Porém, como é pra você fazer Rap? Você consegue viver com o Rap?

Xamã: Fazer Rap hoje em dia pode ser mais fácil, porém fazer rap de qualidade nunca foi e nunca vai ser fácil, pra quem leva suas composições a sério e não está nos estados determinados como polos da musica brasileira a caminhada é difícil. Hoje qualquer um pode ter acesso a uma placa de áudio, microfones e um PC, muitos tem a vontade de viver e respirar suas composições mas poucos tem a oportunidade e qualidade necessária de tirar sustento delas.
Infelizmente eu ainda não consigo pagar nem metade das minhas contas com o Rap, mas acredito que no momento certo as coisas iram acontecer. Em conjunto com meus amigos de Manaus trabalhamos de maneira totalmente independente não por escolha e sim por necessidade, durante essas idas e vindas aprendi que se ninguém te apoia estude e faça você mesmo, ficar reclamando que “a cena é aquilo a cena é isso” vai te levar a nenhum lugar e as oportunidades aparecem de acordo com o esforço depositado.
RND: Para você, como ouvinte do rap nacional, quais trabalhos desconhecidos do grande público se destacaram nesse ano de 2015?
Xamã: Com certeza os trabalhos do ano de 2015 que me chamaram bastante atenção foram: Makalister Renton – Makalister Renton EP, EDGAR – paralelo 22s, GÁBE – Projeto Matéria: Biografia, Um Barril de Rap – CD 2ª Via, Igor Muniz – Lombra, Ordem natural – Ordem natural e Nectar – seguimos na sombra. Gostaria de deixar avisado que em 2016 vai vim um (EP) da Qua$imorto que está sendo muito bem elaborado.

Você pode seguir o trabalho do Xamã clicando aqui. E o grupo Qua$imorto clicando aqui.

capture20160212152608129Do norte eu sigo ao sul, até São José em Santa Catarina. O EP que me impressionou por lá foi o do Makalister Renton. O EP foi intitulado como “Makalister Renton EP“, economia só no título, pois o projeto conta com quatro faixas muito autênticas. Em um primeiro momento o que me chamou atenção foram os beats de Goss e Beli. Com um estilo pouco visto na cena nacional, os produtores em alguns momentos parecem influenciados pelos álbuns Yeezus de Kanye West e Because the Internet de Childish Gambino, um estilo experimental que soa muito bem.

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Makalister mostra rimas ácidas durante todo o EP. É um rapper bem autêntico, não consigo compará-lo com outro na cena nacional, não por ser melhor que os outros, mas por seu estilo próprio. Na primeira faixa (vídeo acima) ele fala sobre um relacionamento complicado, com um refrão sensacional interpretado por Maydana (outra grata surpresa). “Flores de Galeano” é outra faixa que se destaca, também conta com a participação de Maydana no refrão e um belo instrumental. Porém a minha faixa preferida é “Subway 24h“, que conta versos bem sólidos. “É uma análise sobre a correria, dinheiro, emprego, jogo de poder, ansiedade e angústias” disse o rapper sobre a faixa em uma entrevista ao site per raps.

O Daniel Morais e Liam Maia fizeram algumas perguntas ao Makalister sobre o seu EP e um pouco sobre a inserção do rapper na cena nacional.

RND: Makalister, seu EP está na lista dos melhores CDs de 2015. Como você conseguiu fazer um CD (EP) com apenas quatro faixas soar tão denso e completo aos ouvidos do público?

Makalister Renton: Não sei dizer se “consegui” fazer, eu apenas fiz o que queria fazer pra mim. Notei que as pessoas se identificaram muito com as letras, são coisas banais da vida moderna, acontecem com a maioria de nós, então vi que isso foi um fato que aproximou os ouvintes a tratarem o EP com intimidade. As instrumentais também chegaram arrombando os clichês, geral ficou transtornado com os beats do Goss que conseguiu trazer todo o requinte e peso que os letras pediam. A obra foi feita com carinho, foi demais ver isso nascer!

RND: Após colher ótimos frutos oriundos de um trabalho muito bem feito que foi o seu EP, qual seria o seu próximo passo? Existe a previsão de algum lançamento maior para 2016?

Makalister Renton: Existe uma previsão sem data e existe a minha vontade. As coisas mudaram de lá pra cá e estou buscando a melhor opção para gravar minhas paradas. No momento, estou aqui em Campinas (SP), no home do DaLua gravando minhas músicas novas. Desejo soltar um EP nesse primeiro semestre e no segundo semestre meu primeiro álbum de instrumentais, sem contar as participações que estão pra sair e singles avulsos.

RND: Makalister, você poderia nos dizer quais são os dois artistas “desconhecidos” do grande público que você mais enxerga qualidade?

Makalister Renton: Difícil citar apenas dois, mas eu enxergo o futuro no Victor Xamã e no Goss, que acabou de lançar um EP magnífico.

RND: Fazer Rap no Brasil já foi mais difícil, hoje às coisas mudaram. Porém, como é pra você fazer Rap? Você consegue viver com o Rap?

Makalister Renton: Vivo com as rimas e os beats o dia inteiro na cabeça, mas em questão financeira ainda não consigo. Ás vezes me apresento com a banda ‘Ju Malinverni e os Argonautas’ pelos bares de Florianópolis, mas show do Makalister mesmo eu estou adiando, prefiro esperar lançar minhas paradas novas para voltar aos shows. O dinheiro nem sempre é o que mais me enche os olhos, já fiz vários rolês e conheci amigos e artistas que me influenciaram muito, são coisas que fazem valer a estadia na terra.

RND: Porque você insiste em caminhar por estradas “Undergrounds”?

Makalister Renton: Não insisto em ser “underground”, mas tenho consciência que minha música não se encaixa nos padrões dos públicos grandes, nos padrões de “hit”. Não quero limitar minha rede, mas não vou deixar de fazer a música que eu quero para entrar nesses meios e ficar mais conhecido. O Brasil é infinito, tem muita gente aqui, tem gente para todos os públicos que já existem e ainda podem ser criados! Não é necessário se adequar, meu público está crescendo de uma forma que eu não imaginava, sem forçar, sem bajular, os caras curtem o que eu falo e colam juntos. Assim vou aumentando minha rede, digo de novo, não insisto em ser underground, só quero rimar longe de clichês e músicas fúteis que não me acrescentam em nada.

Siga o trabalho do rapper clicando aqui.

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