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Olhando para o seu reflexo, Wall volta ao jogo com ‘EHLO’

2020 começou e rappers estão trabalhando. Automaticamente, obras de arte que serão lembradas para sempre – ou talvez apenas esnobadas por aquelas listas de “melhores do ano” criadas por sulistas – ganham à cena.

No último mês de 2019, o soteropolitano Wallace Cardozo, conhecido como Wall, imergiu em um particular processo de produção e o resultado dessa experiência já está disponível (em todos os lugares, basta procurar).

Entre dividir a vida de um estudante de produção cultural da UFBA e escrever/gravar/mixar/masterizar um EP de rap, Wall deu luz a “EHLO”, uma obra absurdamente particular, verdadeira e necessária.

Foto do brabo: @therafao, o Flow Acarajé

O nome dx primeirx filhx de Wall, pós fim do seu antigo grupo WWL RAP, traz um sagaz trocadilho: “EHLO” é “OLHE” de trás para frente.

O conceito, que sugere um olhar para o seu próprio reflexo, te leva imediatamente para a perspectiva interna de Wall, homem, negro e morador da selva chamada Salcity, a terra Sagrada.

Apesar da ideia não descartar que cada ouvinte do EP deverá olhar o seu particular reflexo, Wallace tem total capacidade e talento para transmitir a proposta essencial da sua nova obra, um EP “feito por pretos e para pretos”.

O lançamento oficial de EHLO aconteceu no último dia 31 de janeiro e enquanto eu escrevo esta matéria acontece isto aqui em Salvador.

Ainda são tempos opressores na cidade com maior população negra fora da África. E, como dizia Ponci: “nem todo preto no mic procede ativismo“, mas Wallace fez questão de proceder.

Dividido em cinco faixas arquitetadamente bem distribuídas ao longo do EP, EHLO nasce com cheiro de clássico. Ao longo das cinco músicas, podemos desfrutar de várias vibes, mas é o ativismo de Wall que salta aos olhos, como é expressado na abertura do EP, na faixa “Atropelo“.

Os pretos vão passar por cima
As pretas vão passar por cima

Na Audição de “EHLO”, uma espécie de confraternização/evento que aconteceu dias antes do lançamento do EP, no bairro 2 de julho, em Salvador, Wallace falou em “sensação de dever cumprido“.

Tal qual um pai ou uma mãe recebendo familiares, amigos, (ou apenas apreciadores de um bom rap music) na maternidade, Wallace escolheu o Boteco do Helder, bar expressadamente de temática negra, para celebrar e falar sobre o nascimento de algo criado de forma tão intima, mas que tem o poder para atingir em cheio os iguais de Wallace.

De fato, uma obra mais do que necessária.

“EHLO é a coisa mais bonita que já produzi. Bonita pelo que está explicitado nas músicas, mas principalmente pelo que está implícito. Abordei questões que nunca havia me sentido à vontade para tocar antes. Estou mais sensível. Após seis anos fazendo rap, eu sei melhor onde consigo ir e como me sentir confortável, mesmo fora da minha zona de conforto, falando de coisas tão minhas. E tão nossas, do preto homem”, detalha Wall.

“EHLO” tem uma proposta muita clara, ou melhor, escura.

Wallace relata que o trabalho é fruto das inquietações que o acompanham no dia a dia. Temas como a masculinidade e afetividade negras, ancestralidade e autoestima são coisas que o rapper busca estudar e aprender para encontrar respostas sobre si.

Mais uma dele: @therafao

Carregando um conceito extremamente intimista, não é surpresa que “EHLO” não traga nenhum feat, algo previamente pensando pelo artista e que funciona de forma certeira com a proposta escolhida.

Para dar a vida a EHLO, Wallace teve que aprender a gravar, mixar e masterizar, tudo de forma autodidata.

O menino Wallace só não fez duas coisas em seu EP: os beats e a fotografia. Enquanto os instrumentais foram produzidos por Calibre (Salvador) e Heetz (Simões Filho), a fotografia de EHLO é assinada por Rafael Rodrigues, o Rafão, artista de Camaçari.

Pois é. O rap BA fez de novo.

Bom saber que 2020 começou de forma clássica com o nascimento de “EHLO”. Vamos ver quem vai lembrar dessa bela obra na hora de elencar trabalhos nacionais de rap ao fim do ano.

Atento.