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Entrevista: Baco e Diomedes em ‘Sulicídio’ e a real de tudo isso

Nesta entrevista exclusiva, Baco e Diomedes Chinaski falam sobre a real visão de “Sulicídio”, o rap nordestino e repercussão.

Ontem (29 de agosto) foi um dia atípico pro Rap Nacional, parafraseando O Rappa: “Não se fala de outro assunto”, e isso é ótimo. Baco (o Exu do Blues) e Diomedes Chinaski, líderes dos grupos nordestinos DDH e Chave Mestra, respectivamente, fizeram um feito histórico no rap brasileiro com o lançamento da música “Sulicídio” — produção de Mazili e Sly — ao colocarem o dedo na ferida da centralização do movimento (que sempre aconteceu) no eixo Rio/São Paulo.

https://www.youtube.com/watch?v=_2r0OtMxj20

Muita gente — inclusive alguns rappers citados no som — se apegaram apenas nos jabs disparados e não se atentaram à real de tudo isso. O nordeste vem produzindo conteúdo da melhor qualidade há anos e “ninguém” nota, os trap’s mais pesados e autênticos estão saindo fora do eixo RJ/SP, as líricas que fogem do comodismo em maioria também vem do lado de cima do mapa. O nordeste se tornou um playground e grana fácil pra galera do sul, somente, cadê as parcerias? E porque os caras de fora desse eixo não tem a mesma visibilidade? Posso argumentar sobre esse questionamento com os próprios comentários xenofóbicos que o som em questão gerou. Teve gente falando mal do sotaque, fazendo comparação com o Forró e até desmerecendo o Brega… E teve gente que só ouviu os caras por causa desse som, num é quente?

Será que um som desse não seria necessário mesmo? Todos os dias tem conteúdo fora do eixo RJ/SP e nunca tem essa repercussão (e a qualidade é inquestionável). Ninguém melhor do que o Exu do Blues e o Diomedes Chinaski pra explicar a real de tudo isso.

Como se desenrolou essa parceria entre Bahia e Pernambuco?

Diomedes: Pedro Guaraná, um amigo de Aracaju, me falou sobre o DDH. E ai fui ouvi, devido a estética da parada. Me chamou atenção. Ai troquei ideia com Baco e vi que já havia um convite há um tempo atras de fazer uma parceria. E a identificação foi imediata. Ouvi muito Rap Tuga e Angolano. E no Brasil poucos mc’s fazem esse tipo de Rap. Aqui é mal interpretado como ser “bossal”. Aí fiquei feliz em encontrar um novo amiguinho e com coragem de cuspir rimas nessa linha. Coisa que Chave Mestra faz aqui há anos. Quando ninguém fazia.

Qual a intenção dos jabs disparados na faixa? Apresentem a ideia de “Sul-icidio”.

Baco: Os jabs são um aviso, não é um chamado pra treta ou algo pessoal. É um questionamento sobre a lirica dos mc’s que estão no topo. Vai muito além de dar uma ideia nos próprios mc’s, esse som é mais um puxão de orelha no publico e no grupo fechado que se tornou a cúpulazinha do Rap BR, o público se acomodou, os mc’s se acomodaram e como amante do Rap não posso ficar parado vendo isso. Vários nomes foram deixados de fora, mas esse som serve pra todos os mc’s, os conhecidos e os desconhecidos. É um alerta pra todos. Não sou fiscal do Rap pra dizer o que é bom ou o que é ruim, mas técnica é uma coisa que todo mc estuda e dá pra perceber quando qualquer mc está fazendo som por fazer e sempre que eu perceber que alguém está fazendo por fazer eu vou citar, vou brincar, quero ver o Rap BR no topo e isso só vai acontecer se todos os mc’s derem seu máximo. O dinheiro está começando a rodar de verdade dentro do Rap, as produções tão cada vez mais profissionais, mas a lírica não pode morrer e se em algum momento eu tiver fazendo algo desleixado ou por fazer, entenderia se algum colega de trabalho puxa-se minha orelha. Muitos vão dizer que essa faixa é sobre treta, eu vejo como união, como preocupação. Além disso, esses versos servem pra prender o público e os próprios mc’s provar que o nordeste não deve em nada pra nenhum outro estado e que está na hora de fingir que algum dos melhores mc’s do Brasil não estão no Nordeste. Eu podia citar mais de 10 mc’s e grupos promissores, que são liricamente elevados e ignorados pelo grande público e pela maioria do mc’s. Olhem pro Nordeste por bem ou por mal…

Diomedes: Eu vim de batalhas. Batalhas das ruas e batalhas da vida. E só se desafia quem esta com o cinturão. Não vou passar o resto da vida esperando entrar em um jogo que sempre fizeram questão de nos excluir por receio e ainda mais quando vejo mc’s desse “game” ai copiando Don L (de uma maneira empobrecida), fingindo que criaram e que estão ali apenas por mérito próprio, como se as demais regiões não tivessem qualidade pra está ali. Eu tenho historia de vida e disposição pra mudar essa historia de vida pra melhor e se são esses rappers que estão no “game”, viraram alvos de uma disputa lirica. Os rappers citados não são o centro das atenções nessa musica. A musica tem um conceito maior, mas é fato que mc’s do Nordeste inteiro e o publico também está se tornando bem hostil e isso está fazendo a cena crescer. O publico não aguenta mais todos os sites falando as mesmas coisas, das mesmas coisas, o tempo todo. Sem falar que são poucos esses grupos “hypados”. E ai fica a cena toda um saco, porque eles preferem escrever reviews sobre como o EP Cacife Gold ficou ruim em termos de lirica (citando como exemplo reviews que li) do que falar do quanto vários aqui estão fazendo coisas geniais. Vocês preferem fazer reviews falando de como o Cacife Gold é conceitualmente pobre e bem mixado do que fazerem reviews sobre como o EP “JGINSIDE” de Biggie N ficou rico e conceitual liricamente… Esses jabs é pra geral saber que iremos vim pesados. Eu vou superar todos esses albuns do eixo RJ e SP com meu album de estréia. O Iluminuras. E sabe porque? Esse embarreramento nos trouxe a necessidade de estudar mais e mais e de superar todos eles. E aí não adianta alegar que ganha mais dinheiro. Estamos falando de música. MÚSICA. CONCEITO. Os jabs é só o inicio de uma reeinvencão (como Baco me falou uma vez) de todo o RAP BR. Coisas grandes. Falar de mc’s é muito pequeno ainda diante do que vem por ai.

Como você enxerga o desenvolvimento do rap ate agora, e a partir de agora, como você enxerga o nordeste na cena nacional?

Baco: Rapaz, respondi bastante dessa pergunta na primeira. O Rap BR está crescendo pra caralho. Os mc’s, até mesmo os citados, são caras que trabalham pra caralho, antigamente vc não imaginava um som com mais de 15 milhões de views saindo do Rap daqui, hoje isso é uma realidade. Não posso falar muito porque sou relativamente novo na cena, mas acho que a gente não está tão atrás do Rap gringo como muitos ainda falam. O nordeste é evitado acho que por vários motivos… Ainda vejo preconceito com o sotaque do nordestino, com a forma diferente que a gente se porta, com as próprias gírias e o firmamento cultural. A juventude nordestina cada vez mais tem virado um espelho do Sul e Sudeste. Vejo os jovens perdendo a identidade do nordestino, copiam as gírias, o o jeito de rimar, as roupas e etc… Vejo isso como forma desesperada de ser aceito pelo resto do país, mas ainda temos a resistência, os malucos que amam sua cultura, que protegem sua terra e esses tão se tornando cada vez mais raros… Me pergunto porque tão pouco do grande público conhece Costa a Costa e glorifica tanto o Costa Gold. Não desfazendo dos caras, sei que a culpa não é deles, mas deixo esse fato como exemplo para vocês pensarem.

Você acredita que existe uma visão caricaturada do rap feito no Nordeste? Qual a verdadeira cara do Nordeste?

Diomedes: Sinceramente, acho que esses caras gostam de tirar. Lógico que a distancia e a imagem que se vendeu da gente foi essa, mas até certo ponto vejo muita maldade nessas caricaturas que pintam da gente. Isso, na verdade, tem haver com razões sociais, raciais e étnicas mais complexas. É assim com toda minoria. É uma forma de nos limitar. De nos colocar no “nosso lugar”. Como se não fossemos capazes de fazer nada além daquilo que Rapadura faz e que talvez nem no interior do Estado, exista mais exatamente igual ao que se apresenta ali. Eu tenho orgulho do meu baião, eu amo meu São João, mas isso não significa que eu não tenha capacidade de dominar outras coisas. Uma coisa não é superior a outra. Na verdade, soma. Mas o garotinho pobrezinho aqui é autodidata, conhece historia como poucos. Antropologia, literatura, artes plástica, poesia Romana, um breve conhecimento de Cinema, música Pop, Jazz, Samba, MPB, Coco, Bregafunk e podia passar horas falando dos vários gêneros musicais que só existe aqui e tenho um certo conhecimento sobre. Sem falar que o garoto aqui, agora flerta com Moda… E criminalmente como eles gostam de ostentar isso, Nordeste é o lugar que mais se rouba banco. Então, que eles parem de pintar uma imagem do nordestino bobo que aceita tudo. Eu tenho plena noção de tudo que estou fazendo, da OBRA e legado que vou deixar pra posteridade. Eu conheço Rap Americano mais que muitos no Brasil. Eu estou vendo os flows e traduções que vocês copiam, viu?!

Levando em consideração que foi do Nordeste que saíram grandes referências para a arte e cultura brasileira, o que o brasil pode esperar do rap nordestino?

Baco: Respiramos poesia da nossa própria forma, nossa terra respira literatura e o crime daqui é drástico, Mad Max real. Aqui na Bahia, por exemplo, você anda duas ruas e se depara com capitães de areia, um assalto soa diferente desse lado, o ar tem outro gosto. É tudo muito Shakspereano… As brigas de torcidas, as praias, o groove do pagode, a maldade das festas de largo, o prazer do perigo, todos são poetas malditos, é como se você vivesse a todo momento em um filme nonsense. Pegar um ônibus em salvador, rende uma discografia ou um livro pra qualquer pessoa que prestar atenção. Aqui é onde o inferno beija o céu, mas poucos entendem isso.

Diomedes: O Brasil espere que a gente domine. É assim na MPB, porque não seria no Rap? Eles tem mais dinheiro, o que coloca eles em vantagem… por enquanto.

O que vocês acharam da repercussão até agora?

Diomedes: Acho que alguns mc’s estão sendo covardes fingindo que não entenderam, acho que muitas pessoas não entendem. Mas acho que tem sido bom. Acho que abrimos questionamentos que agora serão eternos. Acho que descentralizaremos um pouco o Rap aqui. Como tem que ser. E pra quem pensa que somos apenas isso, estou vindo com um dos maiores álbuns do Rap BR. Alguém tinha que fazer isso. E respeita o Nordeste.

Baco: Achei a reação esperada… A única coisa que me surpreendeu foi tanto mc levando pro lado pessoal, nego achando que a gente odeia o Sudeste todo… Essas pessoas não estão conseguindo interpretar as linhas. Falaram de Rap ser uma união, mas não adianta só uma parte do país se unir. Não conheço pessoalmente nenhum dos mc’s citados, o questionamento a eles foi como mc, não foi nada pessoal. Acho que poucos entenderam. Mas é isso, ouve muito se falar que o Nordeste não tinha mc’s pra trocar linhas, se o Sudeste respondesse isso, só mostra o quanto vocês não conhecem o Nordeste. Vários comentários xenófobos, mas deixo claro que também já previa isso de vocês. Independente das tretas e das reações negativas e positivas à parada que eu fiquei realmente feliz foi por esse som ter devolvido o prazer de se assumir nordestino pra tanta pessoa que tava seguindo uma onda de gírias e moda de outros estados, vi maluco defender o nordeste de verdade e só isso já valeu tudo. Ouvi que essa faixa foi um tiro no pé… se foi, sei que não foi no do Nordeste.

Entrevista por Vick Antuak