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Froid, Trap e postura política da música

Essa é uma matéria que pensei muito antes de começar a escrever. Não queria soar forçado, ainda mais falando sobre algo que dividiu opiniões e não agradou todos os gostos. Contudo, o álbum novo do Froid foi um exercício de autenticidade tão grande, que precisei falar algo sobre. Na verdade, isso gerou em mim uma inspiração para falar sobre coisa muito maiores do que o álbum.

Então isso não é uma crítica, seria uma troca de ideias, uma imagem do que as músicas me passaram e um registro de como elas foram absorvidas. Porém, para entendermos, voltaremos um pouco no tempo e veremos como o Froid pensa artisticamente.

Um dos elementos mais perceptíveis no novo trabalho do MC, é a mudança sonora e adoção do trap como estilo principal. Entretanto, mais do que o autotune, o beat e o flow, o que chama mais a atenção são as letras.

Se compararmos, as músicas de um ou dois anos atrás e o trabalho com o grupo Um Barril de Rap (UBR), com as de “Teoria do Ciclo da Água“, a escrita de Froid parecia muita mais politizada, crítica ou qualquer forma que queira chamar para definir como algo próximo do Rap de Mensagem. Bem, será que realmente mudou tanto assim?

Para responder essa pergunta, podemos recorrer ao significado histórico da palavra “Política“. De origem grega, ela se refere à arte ou ciência de organização, administração e direção de nações ou Estados. Na Grécia Antiga, saber fazer política era muito valorizado e segundo Platão em seu livro “A República”: “[…] o homem é naturalmente um animal político […]”.

O tempo passou e o termo passou a ser utilizado de forma diferente, atualmente considera- se como toda atividade que tenha como referência a Pólis (cidade em grego) ou o Estado. Mas por que estou mencionando isso tudo? Se considerarmos os dois conceitos, tanto o da antiguidade e o mais moderno, podemos concluir que tudo que fazemos é um ato político. Seja uma manifestação artística, a forma de se vestir, falar, viver, tudo e absolutamente tudo, respira política.

Agora, o que isso tudo a ver com o Froid? Bem, a gente já vai chegar lá. Na segunda faixa do disco, “Teoria do Ciclo da Água“, o MC manda os seguintes versos no refrão:

“Garota eu vou pra Califórnia
No final das férias
Eu enjoei do rap, vou estudar Cinema
Vou escrever poema só pra quem me ama”

Por mais que possamos considerar essa parte específica como um simbolismo, afinal, essa música é o cartão de visita do álbum. Seria uma representação da mudança adotada por Froid e que será mostrada durante toda a execução do disco.
A sonoridade, a letra, essa faixa é uma síntese de como o artista manifesta-se e comporta-se a partir desse momento.

Olhando de uma maneira um pouco mais profunda (compreenda a viagem que farei agora), percebe- se um posicionamento muito forte e relevante. Analisando de forma literal, os acontecimentos do refrão representariam um ponto de mudança muito significativa na vida de Froid. Levando em consideração que é um artista negro que vive do rap, decide mudar a forma como produz sua arte desapegando-se de qualquer apelo comercial (“vou escrever poema só para quem me ama”). Além é claro, disso ser uma metáfora para as transformações musicais do artista e como essas mudanças no estilo pode afastar seus ouvintes, por mais que o trap adotado por ele seja algo mais “comercial”.

Para um homem negro na sociedade, suas ações tem um peso muito maior, tanto para ele quanto para quem o cerca. Dessa forma, tudo que ele faz é político, da mesma forma de quando o mundo age sobre ele. Saber reagir a isso e assumir uma postura de empoderamento e independência, é a coisa mais hip-hop possível.

O Trap é muito visto como uma vertente do rap, mais vazia ou despolitizada, isso é perfeitamente compreensível, quando grande parte dos artistas realmente não estão preocupados com a conscientização do público. Contudo, além de qualquer letra ou sonoridade, o trap retrata uma cultura um pouco menos romantizada da realidade. Armas, drogas, dinheiro, poder, tudo isso são formas que o oprimido utiliza para sentir-se poderoso.

E isso é muito real, não estou dizendo que devemos desconsiderar algumas problemáticas que são geradas pelas letras de trap, como o machismo, a romantização do uso de drogas e etc. Na verdade, isso é uma valorização de uma ferramenta, utilizada por alguém que sente-se oprimido e usa sua própria realidade para buscar algo melhor.

Mandando a real, falar sobre o Froid foi uma forma que encontrei para dizer que independente de como a música soe aos seus ouvidos, ela tem uma carga de vivência muito forte.

A realidade não pode ser contida em versos, mas versos podem transformar a realidade e tudo isso depende de uma coisa, postura.