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Direto do Recife, Diomedes Chinaski X Poema Liricista em ‘O Que Não Me Causa Morte’

Depois de chamar atenção com trabalhos solo, como “Versos Íntimos” (2016), Atentado Poético (2017), e, também, em parcerias, inclusive com o próprio Chinaski (2011), PL, novamente, ao lado d’O Aprendiz, apronta mais uma na cena.

“Como é que você nunca ouviu falar…” deveria ser a primeira frase para se iniciar uma multidão de matérias como esta, que tenta abordar algum dos singles de MC’s que, de alguma maneira, ganham maior projeção, a partir de um novo lançamento, em alto e bom som, como este de mais um dos “bruxos lendários do Norte”, Nordeste e cia chegando com tudo.

Desde quando Diomedes Chinaski, junto a Baco Exu do Blues, largaram uma pedrada na vidraça do Rap nacional, com “Sulicídio”, não podemos mais descansar à espera da “emergência” de mais e mais outros e outras que ganham espaço e visibilidade e despertam ou (res)surgem como vultos em aparições fantásticas na cena Hip Hop atual.

Poema Liricista (PL) é o nome da vez. Depois de chamar atenção com trabalhos solo, como “Versos Íntimos” (2016), Atentado Poético (2017), e, também, em parcerias, inclusive com o próprio Chinaski (2011), PL, novamente, ao lado d’O Aprendiz, apronta mais uma na cena. Tem-se o caso de mais uma produção do selo PE SQUAD, projeto musical dirigido pelo Mazili Benning responsável, junto com o Dj Sly Leão, pela produção e pelos beats de “Sulicídio”.

O esquadrão pernambucano conta com uma escalação de peso composta por: Diomedes Chinaski (O Aprendiz), Luiz Lins (LL), Gustto, Jnr Beats & Rostand Costa. No entanto, o clip, para a música “O Que Não Me Causa a Morte”, mais novo registro de Diomedes em parceria com Poema Liricista, trap com produção de Brandon Fontes, conta com a direção de Fernando Baggi (DU. SOLTO Films), e que, por sua fotografia, merece um destaque especial.

Baggi já assinou o audiovisual em trabalhos de outros artistas como Mobb, Davzera, Baco e o próprio Diomedes. Além de registros ao vivo, como da primeira apresentação de “Sulicídio”, mas também de uma série de nomes do Rap br, como Froid e Djonga, nas passagens deles pelo Recife, e do pocket show do Baco, na UFBA, em Salvador. O vídeo montado com os frames captados pelas lentes atenciosas de Baggi é como uma reminiscência viva, uma atualização de uma temporada na vida de muitos daqueles que já passaram ou percorreram “Hellcife”.

Nesse sentido, a identidade visual atinge em cheio quem conhece o Recife, ou, ao menos, já esteve lá, seja de passagem ou num dos carnavais da vida e sabe, ou, ainda é capaz de lembrar a sensação de cruzar as margens, os mangues entre os canais e as pontes asfaltadas sobre o Capiberibe, caminhar pela Boa Vista, ou pegar um buzu entre a Boa Viagem e Olinda. Ou, para quem correu ainda mais chão na cidade, seja pela mata do Siriji ou entre as esquinas do Coque ou nos becos da comunidade do Bode, no bairro do Pina, qualquer um que já percorreu caminhos entre o “TIPE” e o aeroporto, ou da UFPE ao ateliê de Abílio, na Av. Recife, sabe que aquelas imagens dizem muito do cotidiano recifense.

O que revela a intimidade do cineasta com o Rap e sua capacidade de reconhecer e expressar a complexidade dinâmica da vida da juventude do nordeste a partir dos atravessamentos entre as linguagens que o hip hop congrega como forma de expressão da subjetividade seja através da música ou do grafite, que aparece marcante em várias imagens pelos concretos da city.

Assim é, que da terra de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, Erickson Luna ou Miró da Muribeca, hoje em dia, muito tempo depois do impacto causado por Gilberto Freyre no imaginário nacional, a cultura hip hop vem, com outros novos poetas, dizer que: “O que não me causa a  morte/ me torna mais forte”. Logo, os efeitos metálicos de uma vibe eletrônica ardem ácidos contra os haters e os hypes para compor a base da sonoridade de um refrão que, além de ser como de praxe um forte bordão, não deixa de ser um reforço na mensagem.

Beats agudos para rimas-flechas afiadas e certeiras distribuem liricismo contra o ostracismo, por um poeta ou Poema Liricista (PL), ou, melhor, o Carlos Cavalcante, que “antes” de ser Mc, é um letrista, “antes” de rapper, carrega alcunha de ser, ele mesmo, já um poema.

Antes de uma redundância análoga à escrita literária de um eu-lírico musicado em betas, expressa-se o sujeito ao encontrar uma elaboração lítero-acústica marcada por uma dicção africada labiodental, que combina sonoridades oclusivas aveolares a fricativas vibrantes num mesmo ponto de articulação, não palatalizando a fala, maneira bem característica dos pernambucanos.

O que faz toda diferença a cada verso e no modo como as rimas trincam nos ouvidos enquanto os MC’s, tanto PL quanto O Aprendiz brincam e brindam com as imagens distópicas entre a crueza dos guetos e acidez da inspiração de para quem o game é mais que combate ou disputa lírica, é guerra contra o mais do mesmo, contra os frustrados que só fazem free, já que como diz PL

“Colecionei derrotas até me tornar invicto / Não desviei da rota, tracei o meu caminho convicto / Faço milagres com o poder dos meus versículos / Publicarei minhas obras em uns quinhentos fascículos / Estudos e pesquisas alimentam a minha mente / Onde o saber é ausente, estou anos luz a frente”.

O tema da elevação é presente tanto nas estrofes de PL quanto em outros trabalhos de Diomedes. Na continuação PL diz: “Me eleve, sou minúsculo, pra quem não sabe voar / Na mente dos que não entendem / eu nunca sai do lugar/Nesse universo a minha espécie é singular / Por isso muitos viajam migram pra estação lunar”. Ao que parece, além de uma possível referência à composição “Táxi Lunar”, de Geraldo Azevedo, Alceu Valença e Zé Ramalho, levando a adiante esse mote pra interpretação, então, nesta track estaríamos tomando um “transporte” para à “estação lunar” na qual esses versos trazem à tona na faixa um flow que me lembrou o refrão de uma outra parceria do Diomedes, desta vez com Atentado Napalm, numa outra produção PE SQUAD, a faixa “Eleve o Level” que também trata de alguma maneira desse processo de elevação: “Eleve-se enquanto é tempo é no alto que é o seu lugar / Se jogue e vá pelo vento até onde o vento soprar / Deixa levar vou me enervar pra me elevar / Quem sobe fica pequeno pra quem não pode voar / Eleve-se é no alto que é seu lugar/Se jogue e vá pelo vento até onde o vento soprar/Deixa levar vou me enervar pra me elevar/Quem sobe fica pequeno pra quem não pode voar”.

Na ampliação entre as referências que ligam cinema e rap, além de Tarantino, Al Pacino e Di Caprio, numa das paredes da casa do PL, colagens com imagens do Coringa,  pôsteres d’O Poderoso Chefão com Don Corleone, e do Scarface, expressam não só nas letras como também nos detalhes, como o imaginário de famosos filmes de gangster compõem a lírica do Rap, com destaque especial para quando essas duas realidades se tornam uma só com a foto do Maestro do Canão, o Sabotage, contracenando com a Rita Cadillac numa das cenas do filme brasileiro, Carandiru.

O cinema Du.Solto é forma audiovisual que registra e revela filmicamente a expressão de uma juventude que, em meio a um encontro com uma paisagem contemporânea do cotidiano de uma metrópole como Recife ou Salvador, nos expõe, através de sua fotografia, traços característicos da distopia do viver nordestino como além das sequências de bailes, cenas dos jovens e mais velhos que nos abordam nos metrôs e bus vendendo água, doces e lanches, nos semáforos passando pelas faixas de pedestres, ou em imagens dos grafites gravados nas paredes e escombros de ruínas of the downtown.

A presença sensível de flows em variações de vibrações e contrastes vocalizados permite um reconhecimento notável do significante sonoro relativo ao modo de ser e de viver do underground pernambucano e, em especial, o recifense. E, fica o aviso, tentar derrubar O Aprendiz, como ele diz, é “Missão Impossível”. Já que sob a criação de uma força que se inventa de um roteiro no qual se segue viajando, entre a massa e cachaça, e num enredo marcado pelo mangue e as covardias do asfalto e das quebradas, Hellcife é pra quem tem cacife ou é cacique, como no caso, de Diomedes ao nos mostrar mais um dos pajés de sua aldeia, o PL. E nas ruas de Peixinhos ou Linha do Tiro, lá, assim como em qualquer lugar: “amar cura qualquer amargura”, apenas “take a look around” e seja a um só tempo: “Biblioteca e Meca”.