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Coletividade Molotov lança ‘Morre, Morre’ – Sobre outras Dandaras & #Lgbterrorismo

Pela luta contra as injustiças e em memória de todxs que perderam a vida sob a violência fundamentada na hierarquia e supremacia do falo, este texto saúda um trabalho que o RND tem a responsa de botar pra frente.

“Morre morre morre olhando pro meu carão / Eu não sou um boyzinho / Aceita o Viadão / morre morre morre olhando pra fechação / Eu não sou um boyzinho aqui é um VIADÃO”.

Pela luta contra as injustiças e em memória de todxs que perderam a vida sob a violência fundamentada na hierarquia e supremacia do falo, este texto saúda um trabalho que o RND tem a responsa de botar pra frente. Ao passo que nos é de admirar essa chegada, na cena do Hip Hop nacional, da música “Morre, Morre” (Nattasha feat. Yumê), com produção do Dj Lerry.

https://www.youtube.com/watch?v=rx0KdZ2s_A0

Depois de lançarmos o mini-doc que apresentou a pré-produção da track com depoimentos de integrantes da Coletividade Molotov, grupo de arte Lgbterrorista, agora, essa matéria vem cumprir o papel de noticiar o lançamento da faixa musical que, desde o dia dois de agosto, está disponível em plataformas na internet.

Ou seja, como se ouve dizer a narração, na voz de Caco Barcellos, ao encerrar os minutos finais, sob a batida de um funk repicado, num looping quase alucinante, marcado por “cimbais” eletrônicos e efeitos, coro e sints, além da sonoplastia de sirenes e ecos de gemidos, além de vozes femininas como na participação de Jamile Amaral nos vocais.

Enfim, sob toda essa cobertura sonora, o baque, vem certeiro e inapelável, numa dicção jornalística e cruel, na qual… “foi no meio da tarde, muita gente aqui, assistindo tudo”… depois de mais de meia hora de espancamento, apedrejamento e após ser alvejada com tiros no rosto. A morte de de Dandara fecha a faixa, como que num tom solene de homenagem e préstimos a sua memória.

É assim que a música se encerra, mas na verdade, o single inaugura o repertório da Coletividade Molotov, esse grupo de Arte LGBTerrorista, que nos aparece como uma grande novidade, ao passo em que, nos parece ser já uma urgência há muito tempo, por parte de setores menos representados na cena do rap e do hip-hop nacional.

Assim, como a turma que vem a ser representada por esse som que tem não só muito a dizer como também a contribuir para a diversidade da música contemporânea, como já se vê em outros segmentos, com nomes como Liniker e Jhonny Hooker.

As formas de experiência social que apresentam comportamentos diretamente ou indiretamente ligados ao desvio das normas, ou seja, a tudo aquilo que destoa das convenções sociais causa, em geral, indiferença, espanto, rejeição. No campo da música não é diferente.

Só que desta vez o clamor dos segmentos minoritários encontra eco, principalmente, na internet. Sabe-se que a militância de gênero se constrói e se expande dia-a-dia, nos contextos domésticos ou nas ruas, como nos postos de trabalho ou nas universidades ocupadas por mulheres e homossexuais dispostxs a lutar contra toda forma de obliteração de seus direitos e garantias sociais.

“As travas tão ligadas e já sabem da qual é / É tu passar na pista o pega é certo mete o pé/ Tem boy que é close certo e que as vezes salva um / Eu chapo a minha mente e ainda quero seu peru / Sou humana aqui é gente sangue corre em minhas veias / Me tira como otária eu te coloco na cadeia / É ideia de viado e sem discurso pode crê / Sua ideia de machista ta afundando você”.

Nomes de autoras como bell hooks ou Simone Beauvoir são referências no debate do feminismo, a Teoria Queer também se apresenta como um arsenal teórico e metodológico para explorar o debate sobre sexualidade e reflete as transformações nos estudos de gênero nos últimos 50 anos. Bem como atualmente tem crescido o uso da abordagem da “interseccionalidade” para analisar fenômenos dotados de profunda complexidade como as questões de raça, gênero, classe, entre outras.

“Agora cê se liga no esculacho que eu te dei / Meu funk é xoxota não é pica eu te avisei / A Bahia é cor de rosa e o viadeiro é da hora / O bonde ta sinistro encurralado é lá fora / As travas tão ligadas e já sabem da qual é / É tu passar na pista o pega é certo mete o pé / Tem boy que é close certo e que as vezes salva um / Eu chapo a minha mente e ainda quero seu peru / Sou humana aqui é gente sangue corre em minhas veias / Me tira como otária eu te coloco na cadeia / É ideia de viado e sem discurso por crê / Sua ideia de machista ta afundando você”.

Assim é que essa letra tem um potencial ainda não descoberto, já que a soma de vozes que esta “canção” carrega consigo é incomensurável. A fala evidencia não só a opressão, o genocídio das figuras Lgbt’s, mas também o quantum da sua força e sua capacidade de resistência ante as atrocidades cometidas contra a dignidade humana e a liberdade para cada um ter direito ao exercício da sua opção sexual. Uma perspectiva que articula e reconhece uma espécie de união do feminismo com os coletivxs de luta LGBT.

Ciudad do México, novembro de 2015.(Foto: Luara De)

Mais que um desabafo, um manifesto. Mais que um grito, um chamado. Mais do que um clamor, uma revolta. Lufada de uma brisa que quer colaborar para organização de movimentos dos silenciados. Dandaras e Rafaeis Braga espalhados por aí, subnotificados, invisibilizados e esquecidos, mas que entre outras formas encontra uma saída e forma de expressão coletiva através da música e do audiovisual, tendo em vista o enfrentamento com as normas dominantes que fundadas no machismo vilipendiam as diferenças.

“Mulheres tão na luta e não vão mais se calar / Unidas aos viados estamos prontas pra sangrar / Chegando no espaço que é meu tem que aturar / A prosa anda errada e viemos consertar / To cansada todo dia uma Dandara vai pro céu / Minha voz é o meu grito e mulher não é troféu / Feministas terroristas pouco papo com você / A xota aqui é minha e quer distância de você / A santa paciência que mandou eu estourar / É tanto close errado que eu quero vomitar / A minha pomba-gira já mandou eu derrubar / Machistas homofóbicos minha lei é te matar”.

É preciso sempre recomeçar. Nunca tem fim, nem princípio. É tudo sempre um eterno recomeço. Um eterno retorno. Hoje, novamente, assim como nos anos 60. Um passo adiante e não se está mais no mesmo lugar. Diz um verso de Siba, “Toda vez que eu dou um passo / o mundo sai do lugar”. Então com o espírito de mudança e transformação, que abrimos o nosso mês de agosto com essa matéria que na verdade traz à tona, um som, nada menos que uma chamada contra uma ideia pré-fabricada do que seja rap, contra a misoginia, contra o patriarcado, contra o fado do falo que emprenha a sociedade ocidental e contra tantas citações machistas em várias letras e principalmente, para apenas começarmos a falar sobre o tema, assunto e material da vez, que desponta aqui do interior da Bahia para o cenário nacional.

E, em especial, no que se trata do áudio que encerra a faixa, o seu efeito ensurdecedor e, ao mesmo tempo, emudecedor, é sim, um choque doloroso para pudicos ouvidos. A versão completa do a-track recém lançado pelo selo Onda Doida Records, sob a coordenação do Dj e produtor musical Lerry é de abalar as estruturas conservadoras da cena.

Lerry, liberou a versão final da faixa dias depois de, em parceria com o RND, ter disponibilizado um mini doc. que, tivemos a energia de apresentar na rede, mesmo frente a comentários vexatórios dentro do nosso canal do youtube. Mas com o passar dos dias o público encontrou a sintonia entre a obra e suas dimensões estéticas e políticas, líricas e musicais e agora podemos ter a certeza de que a aposta na diversidade é o que faz a cena cada vez mais rica e colorida, frente ao formato de vertentes mais reacionárias.