‘Dedicando para seu irmão mais novo e todos os homens pretos que o rodeiam’, é assim que Gb Montsho abre a faixa Carta aos homens pretos, seu mais novo single.
Em Luke Cage, seu lançamento anterior, Gb Montsho discorre sobre como gostaria de ser à prova de balas, forte e invencível, como o super-herói, para que pudesse se blindar do racismo do Estado.
Em ‘Carta aos homens pretos‘, uma espécie de contraponto e sequência, o MC fala sobre como os homens negros são criados para não sentirem dores e serem inquebrantáveis. Seu relato demonstra o outro lado do que é ser um homem negro na sociedade que se consolidou através da escravidão, políticas de branqueamento e a dominação ideológica, econômica, social e cultural do negro pelo branco.
Lamentando o plano arquitetado pela classe dominante em criar homens negros na violência cotidiana e estrategicamente banalizada
“vocês tratam como números, são vidas”
demonstra sua raiva com as estatísticas: a cada 23 minutos uma pessoa preta é assassinada no Brasil e o plano de genocídio segue seu curso objetiva e subjetivamente…
“Aí mano, qual foi a última vez que você se permitiu errar?
Última vez que você se permitiu chorar?
Viu? Você nem lembra última vez que se permitiu
Sem medo de qualquer comédia vir e te apedrejar…”
… mostrando como os homens negros, mais que os outros, são educados para não falarem sobre suas dores, problemas, chorar e serem sensíveis ao mundo.
Na berlinda entre a depressão, a solidão, a morte, o encarceramento, o desemprego e o alcoolismo decorrentes do genocídio promovido com a política do “matar ou deixar morrer”, o rapper deixa clara a necessidade de romper com esse ciclo vicioso alimentado por uma elite racista em busca de lucro.
Relato pessoal e transferível
Afirmar que esse é um relato de dor e angústias dispensa mais explicações. Abusando de um flow marcado como discurso, que nos dá a impressão de estar conversando com ele, ou talvez, só o ouvindo despejar cara a cara, tantas ideias entaladas, fica evidente que esses versos além de servirem como escape individual, busca abrir um canal de diálogo entre os homens negros, aos quais é imposto esse “ciclo maldito” que “não pode ser o ciclo natural”.
E por isso digo transferível. A clareza dessa letra, em que Gb explicita que “isso não é rap, eu sinto muito, é desabafo” coloca para nós como essa vivência coletiva foi projetada pra ser assim. Por ser subjetivamente coletiva, é objetiva a realidade de dor e silêncio do homem preto.
Ouça “Carta aos homens pretos” e dedique a um homem preto que você admira!