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Aprendendo com a morte, como se deve viver

Escrito por Gustavo Oliveira no Medium.

Segundo o filósofo alemão, Martin Heidegger, o homem é definido através da sua capacidade de ser ou não ser ele mesmo. Ele diz que só somos, quando fazemos parte de alguma relação com algo ou alguém, o que ele chamava de Ser-no-Mundo. Ou seja, nossa existência é baseada nas situações em que vivemos, porém não estamos presos a elas e sim sempre abertos para nos tornar algo novo.

Essa transcendência é uma dádiva para encontramos nossa verdadeira essência, e o EP Francisco Oceano, do rapper Rodrigo Zin, é uma viagem de ida para a morte e ressurreição de um novo ser.

Começando pelo título, que nos remete não apenas à uma referência ao Frank Ocean, mas também à própria água e toda sua metáfora como transformadora. Conseguindo atingir os 3 estados da matéria, ela é a analogia básica para transformação através de processos que de certa forma “destroem” sua essência.

“Vagabundo isso aqui não é um réu
Pensamento ainda vem tão from hell, fim
“Rodrigo Valim?” Sim! “Oh, well…” (Francisco Oceano)

Logo na primeira música, Zin assume que precisa se desfazer de quem é, para atingir quem realmente precisa ser. Independente de como aparentam essas ideias, elas são parte de um processo de crescimento e que sem passar por isso o EP talvez nem existiria.

Assim como o gelo precisa derreter totalmente para virar líquido, Zin precisava matar sua essência, para só assim se tornar um novo Ser-no-Mundo. Heidegger acreditava que a morte era a única forma de atingir a totalidade da vida, pois ela permite a completude do ser, sendo algo que apenas esse ser pode fazer. Óbvio que na música a morte é metafórica, mas não foge tanto da visão do filósofo, afinal Rodrigo só atinge a completude artística e pessoal, quando se torna totalmente individual, ou seja, morre. E no final da faixa somos apresentados a quem ele é agora.

“Eu sou tipo um tsunami em slow motion
Frank Ocean…” (Francisco Oceano)

Não é uma transformação gratuita, existe uma razão por trás dessa mudança súbita na pessoa de Zin e a resposta por trás disso é a redenção.

“Eu falei tanto em amar que amei mesmo me afogar
Hipócrita? Quem não? Hoje eu busco a mudança” (Juvia)

O passado e tudo que viveu, de certa forma o levaram a escolher ser uma nova pessoa, ou pelo menos agir diferente em algumas coisas. Como após um exercício de auto análise, escolheu um caminho novo, um começo inédito.

E mostra que apesar de estar completamente mudado, afinal seu outro eu morreu, o tempo não deixou barato e cobrou o seu passado. O já citado filósofo alemão, tem um conceito que pode ser aplicado aqui, para ele o homem só existe porque está ligado diretamente ao tempo. Segundo Heidegger o presente é uma mistura de revisão do passado e de preparação do futuro, pois nós humanos conseguimos fazer uma ligação entre o que já foi e o que será.

O que somos é definido não apenas pelas transformações, mas também do que restou dessas mudanças e nossas expectativas para como vão transformar nossa vida. E esses nossos desejos são movidos por razões egoístas, mas redenção e tentar ser melhor, com certeza não é uma dessas.

“A gente muda e cê nem imagina
O mundo é um muro e cada um de nós é tinta
É triste ver que o nosso mundo interno grita
Pedindo pra que o mundo externo deixe de ser cinza” (Bênção)

Mesmo com todas as razões, Zin assume que um dos principais motivos das nossas mudanças, é nossa simples inquietude. O externo pede por nossa ação, assim como o interno depende desse mundo para que possa agir e se transformar. É um exemplo perfeito de que se deve haver harmonia tanto em nossas ideias e nas formas que elas serão apresentadas.

Faz parte da essência de todos essa vontade de mudar não apenas nós, mas o mundo a nossa volta e a arte é a forma encontrada por Zin e por muitas outras pessoas, para colorir esse cinza que nos cerca. Essa arte só funciona quando verdadeira, quando utiliza nosso sangue, quando pintamos com o que somos e acreditamos nisso.

“A fé, a pá, a vida
A lá, a vela acesa
Pro mal não vir pra dentro” (Bênção)

Durante o EP, Zin apresenta que o amor de certa maneira, foi a forma dele pagar seus pecados. Falando sobre esse sentimento, para quem não queria ouvi -lo, ele sofria, logo se redime dos seus erros.

“Não serei condenado, pois eu me condeno
Por falar de um amor tão grande pra ouvidos pequenos” (Catedrais)

Mas lá na última faixa, a gente percebe que certas coisas não mudam. Mesmo nos transformando, sendo novas pessoas, o que está bem no nosso cerne não muda. A parte mais abstrata da gente continua conosco, essa mesma parte que também influência em nossos atos concretos.

“Que cigarro e amor são parecidos?
E tu fala que vai parar de fumar
E eu parar de amar?, eu duvido” (Santanna)

Rodrigo Zin ensina para nós, que bem, podemos ficar satisfeitos com quem somos. Porque ao menor sinal de descontentamento pessoal, podemos escolher mudar. Não precisa ser algo radical, pois o que faz parte de nós e constrói quem somos, nunca vai nos deixar.

As mudanças são voluntárias e ficar da mesma forma também é, afinal tem coisas que não são feitas para sair do lugar, como o Oceano por exemplo.