“De tanto usar referência virei referência
Até que meus ídolos me fazem reverência” (Djonga)
Quando o MC de Minas Gerais disse isso na cypher “Poetas no Topo” em 2016, ele estava a prestes a estourar no cenário nacional. Com aparições memoráveis em diversas faixas ao longo daquele ano, o rapper ficou conhecido pela sua capacidade de síntese, ao transmitir informações por meio das referências que aparecem aos montes em seus sons. Dessa forma ele construiu os conceitos de seus três álbuns e vem consolidando seu nome na música brasileira. Apesar de que dentro do rap, referenciar diversos elementos culturais seja comum, Djonga destacou-se por saber ser extremamente didático e direto nas faixas e por colocar sua identidade nas ideias que “vieram de fora“.
Podemos utilizar diversos exemplos como o acima, para ilustrar a forma com que o hip-hop pode romper barreiras em sua forma e conteúdo. Porém, para fazer isso, vamos seguir o caminho inverso, falar sobre quem constrói seu universo artístico pela sintetização de si mesmo, pela auto-referência, em mais uma apresentação disruptiva de fazer arte. Atualmente, quem sabe melhor fazer isso dentro da cena do rap nacional, e diria que talvez até na música como um todo, é o Rodrigo Zin. Com seus trabalhos lançados no ano passado, (“Francisco Oceano”, “Fazendo Grana Pro Meu Filme” e “Fazenda Diamante“) o artista de Curitiba colocou seu nome no underground de forma definitiva e sólida, e com grandes e plausíveis pretensões de alçar voos maiores. Tudo isso culminou para a criação de uma expectativa para o lançamento do que seria seu trampo definitivo, o álbum “Grana Azul“, lançado no último dia 31.
Contando com uma série de diversas e variadas participações, que vão desde a banda Tuyo até Delatorvi, Zin, ao lado dos produtores .enzo e Slashrr, criou uma orquestra que embala e faz a trilha da história contada no álbum, que de certa maneira, é sua própria história. A evolução do personagem “Francisco Oceano” (leia mais aqui), criado no EP homônimo, chega em seu ápice em “Grana Azul“, ao mesmo tempo que assume uma identidade muito fantasiosa, porém, muito íntima. Tudo isso é feito de forma bem pensada e exposta no momento exato do trabalho, como se tivesse sido pensado com o roteiro de um filme. Rodrigo soube muito bem balancear os momentos de inserir novos elementos a essa narrativa e de resgatar conceitos apresentados em trampos anteriores. Parece que ele está constantemente querendo demonstrar para nós que ele tem total conhecimento e controle de suas obras, como um grande maestro.
Logo na primeira faixa, intitulada de “Grana Azul” e com a participação de Gabz e da Tuyo, percebemos a reformulação de algo muito importante no álbum anterior de Zin, o ” Fazendo Grana Pro Meu Filme“, que é a relação com o dinheiro.
"Sabendo que nem grana comprará
O céu azul de volta
O mar azul de volta
E toda essa revolta vai vingar" (Grana Azul)
Enquanto no trabalho anterior, o dinheiro era encarado como uma ferramenta, um meio do artista garantir sua segurança e ter liberdade de criar, aqui ele ganha um novo sentido. Soando de forma mais subjetiva, a grana mostra-se como uma representação da degradação humana e que mesmo capaz de conter muito poder em si, ainda não é capaz de sanar algumas inquietações mais intimistas. “Dinheiro” seria uma fuga barata, em um meio de desesperança e dor. Essa relação é expressa na letra da música, mas também nas interpolações com trechos da faixa “O Mais Vendido“, que pauta o direcionamento de “Fazendo Grana (…)“.
As influências da música gospel sempre estiveram presentes nos sons de Zin e aqui elas também estão. Além dos arranjos da faixa que citei acima, elementos sonoros gospel marcam presença em músicas como “Gospel” e “Grana Gama & Lana“. A ambientação e a atmosfera do trabalho inteiro soa como um grande coral em um culto de domingo, que passeia por altas notas musicais em vozes fortes, assim como a arte do MC. Esta construção gradativa vai sendo feita até a metade do álbum, e tem seu ápice na faixa “Coroas e Violinos“. Deste momento em diante vemos o momento máximo de expressão sentimental e artística de Rodrigo.
“Tipo, mano nem mudei”
Rodrigo é um artista que sabe muito bem como atingir diversos públicos, o que é mérito de sua linguagem diversificada e acessível. Isto que o fez alcançar o reconhecimento de grandes nomes do rap nacional e o ajudou a construir este rico universo musical exposto em seus álbuns. Porém, seu ponto mais forte é a facilidade de soar livre, pra ser quem é e fazer a música (arte) que acredita. Ele quase que molda a realidade a seu gosto, mas sempre expondo seu “eu“.
"Eu tenho princípios, e vai fazer um ano
Tu me viu lançar discos, e não soltei a mão dos manos
Eu nunca mudei, ou é que estamos mudando?
Foda-se também, (he) Nem tamo ligando..." (Proteção)
“Grana Azul” é um exemplo em todos os fatores que são necessários para considera-lo um grande disco. Contudo, arte é muito mais que uma medição de qualidade e números de streams , é também aconchego e identificação. Zin consegue construir uma relação sólida com quem o ouve, justamente por permitir ser ele mesmo, por criar o que quer e por conhecer seu público. Dá pra perceber o artista sincero que ele é, leal as suas aspirações e com seu compromisso de mostrar que é possível fazer grandes obras e que atingem uma infinidade de pessoas. Ao falar de si, Rodrigo fala de nós e mostrou-se Imortal, mas ao contrário do que ele diz, sua capacidade de contar histórias não é uma maldição, mas sim, uma dádiva que devemos agradecer de sermos contemporâneos.