Já faz algum tempo que o fenômeno trap desembarcou no rap nacional e ditou a nova onda do momento, mas os garotos — e garotas — vão sempre querer brincar de “coisas novas“.
Tal qual um Megazord que une cabeça, braços e pernas, surge de dentro do jogo chamado “Rap Music BR” uma nova e verdadeira cena, que se difere (em sonoridade, rimas e estilo) do popularizado estereótipo de T R A P S T A R, já bastante conhecido em território nacional.
Música de Cria™ é Música de Cria™ — em qualquer gênero — e os de verdade do trap sempre serão respeitados y diferenciados, porém, a massificação do estilo fez com que coisas estranhas acontecessem.
Era necessário um fato novo.
E não é que o trap irá perder o seu espaço, mas esta nova geração de MC’s, DJ’s, produtores, beatmakers (e mais tudo aquilo que uma cena abrange) chega com a sua personalidade própria.
Dentro deste game, ambientes propícios geram MC’s propícios. O lugar de onde você veio reflete muito na sua caneta. É aquela história: “só em Chicago nasceria um Chief Keef“, assim como só em Salvador nasceria um Vandal, assim como só no Rio de Janeiro nasceria um MC Poze do Rodo… E assim por diante.
Faz parte das quebradas brasileiras produzirem arte original.
No futebol, eu amo acompanhar o surgimento e desenvolvimento de jogadores novinhos. Aqueles Jadon Sacho e Kylian Mbappé, tá ligado? Caras que ainda não estouraram, ainda passeiam pelo underground, mas são cercados por uma áurea de novidade e expectativa.
No rap (e em várias outras áreas da minha vida) é a mesma coisa.
Enquanto parte do mainstream da cena brasileira se envolve em tretas que dão mais vergonha alheia do que “Zetrê no trap, Zetrê mil vezes no trap”, acompanhar a evolução desta promissora divisão de base (com todas as magias que uma divisão de base pode oferecer) tem sido bem mais interessante.
Pegue as rimas fracas de rappers hypados e substitua por rimas boas de rappers ainda subestimados. É disso que eu estou falando. E como Vandal já avisou: “tanta coisa acontecendo nas favelas e você me perguntando se são falsas as roupas do Pedrella“.
Mas sem micaelisses. Hoje vamos falar de raps verdadeiramente quentes em cima de beats verdadeiramente insanos. Ritmo e poesia — como sempre tem que ser — com mais verdade e menos hYpE — como sempre tem que ser.
Papo de conteúdo explícito. Vamos falar de grime, drill, funk y futebol.
O assunto grime não é exatamente uma novidade no Brasa.
Artistas como Vandal, Febem, BK, JXNVS, etc, já dialogaram com o ritmo original das ruas de Londres e o recente álbum “BRIME“, produto da parceria entre Febem, Fleezus e Cesvr chegou como um marco para o enraizamento da parada no Brasil.
O ritmo, que surge nos guetos londrinos e mescla elementos do hip-hop, ragga e música eletrônica, é caracterizado pelo seu frenético 140 bpm e possui toda uma empolgante cara caótica-agressiva-futurista em seu instrumental. Nas letras, a cultura do “MC de boa caneta” é lei e canta-se a vivência das ruas.
Ah, e futebol, canta-se muito sobre futebol.
Nomes já bem conhecidos como Stormzy, Skepta, Jme e AJ Tracey são algumas das referências na arte do grime e já conquistaram espaço no mainstream musical londrino e mundial.
Tendo o seu nascimento datado por volta do início dos anos 2000, quando um dos pioneiros como Wiley lançavam os primeiros registros da história, o tal do grime ficou realmente grande e hoje movimenta bastante dinheiro na gringa.
Oriundo dos guetos — como a essência pede — o “hip-hop britânico” criou o seu estilo sonoro próprio e se expandiu por todo o globo.
Hoje, o grime não é o gênero mais popular do mundo, mas a narrativa da sua vida até que lembra a história do football a.k.a futebola — também criado na Inglaterra e consolidado como esporte mais popular do planeta terra.
Diferentemente do grime, os primeiros drills da história não tiveram origem na terra da Rainha.
O “som das gangues“, chamado de drill pela primeira vez na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, pelos fenômenos Chief Keef, Young Chop e toda a sua trupe de adolescentes do barulho, desembarcou em Londres e virou o refinado UK drill, o drill do Reino Unido.
A vibe mais dark e macabra e a linguagem violenta das gangues do produto criado em “Chiraq“ ganhou a roupagem londrina e a mudança de sonoridade veio de forma brutal.
Já inspirados pelo desenvolvimento do grime, os crias ingleses OG incorporaram os elementos do UK garage ao instrumental do bagulho e assim deram a cara britânica do drill music.
Hoje, o UK drill já é bem difundido ao redor do mundo, com cenas em vários países da Europa e até Austrália, por exemplo.
Chegando a “voltar” para os Estados Unidos. O cria do Brooklyn, Pop Smoke (R.I.P), foi um dos responsáveis pela mainstrelização do UK drill em terras estadunidenses e a parada só cresce.
“O objetivo é transformar toda a violência, armas, drogas, que nos rodeia em arte, para se exprimir num desabafo através da música”.
Minguito, português e original driller, em entrevista à BANTUMEN
Reza a lenda que o som chegou a ser chamada de “novo grime” por um certo tempo, mas não pegou por um motivo simples: são coisas diferentes.
O mano Vini, de Fortaleza, e responsável pelo desenvolvimento do Fortal Grime, projeto que será lançado em breve pelo Hip Hop Fortal, me apresentou alguns nomes fortes do UK drill atual como Russ, Poundz, Zone 2, Skengdo, AM, TeeZandos e Isong.
Mas como o grime e o drill ganhariam sua cara à moda brasileira?
Por mais que influências naturalmente existam, sabemos que não funciona aplicar um mero decalque da gringa e é preciso dar o seu toque de craque, ainda mais tratando-se de duas vertentes tão cheias de realidade em suas essências.
Surgindo com personalidade e “aproveitando” a saturação do trap, o grime e o UK drill encontram no futebol, no funk e no lifestyle de cria das periferias brasileiras uma boa morada para se desenvolver.
E este desenvolvimento passa por fomentação. Era preciso alguém que alimentasse o monstro.
E é aí que entra o impacto do Brasil Grime Show.
Desde 2019 na pista, o Brasil Grime Show, com base no Rio de Janeiro, tem feito um belo trabalho como fomentador do grime e do UK drill no Brasil.
A principal ideia da proposta, que exala undergrounderismo criativo, se dá em convocar MC’s para botarem a cara e soltarem barras de improviso dentro uma estética, digamos, brazilian grime.
No quadro, que é carro chefe do Canal e atualmente conta com mais de 30 vídeos lançados, dezenas de MC’s chegaram na Casa do Meio — o estúdio onde a mágica acontece — e demonstraram desenvoltura para jogar bonito em cima dos beats insanos de diniBoy e ANTCONSTANTINO.
Sobre o processo de seleção de MC’s, ANTCONSTANTINO explicou sobre as condições para ambos os lados.
“Pra pessoa participar ela tem que mandar a guia para a pré-seleção e vê se vai ser aprovada. Caso passe, tem que se deslocar pro Rio de Janeiro e se bancar. A gente não tem grana pra bancar ninguém. As pessoas que são do outro estado, tipo, São Paulo, que foi o Fleezus, participaram porque eles deram os pulos deles de vim pro Rio de Janeiro gravar”.
ANTCONSTANTINO
Outras belíssimas séries, como a DJ SET e a BEAT DOS SELECIONADOS, onde os instrumentais assumem o foco, também fazem parte do Pacote BGS.
Quer mais? Playlists como a grime BR e a drill BR, encontradas em serviços de streaming como o Spotify e também no Youtube — (aqui) e (aqui) —, são acuradas e atualizadas por diniBoy e ANTCONSTANTINO e reúnem os lançamentos mais quentes do território nacional.
Será impossível citar todos os artistas que estão trabalhando com grime/UK drill no Brasil nesta matéria, então recomento fortemente que você deguste estas duas playlists para uma imersão mais vasta.
É coisa boa e você não irá se arrepender. 🤝
Sobre o início do Brasil Grime Show e o desenvolvimento do projeto, o produtor e proprietário da Casa do Meio, Rennan Guerra, um dos responsáveis a frente da ideia, conta como percebe o aumento de olhares para o grime e o UK drill, no Brasil.
“Assim que saíram os três, quatro primeiros episódios do Brasil Grime Show, você entrava no Twitter e procurava ‘grime’ e só lia coisa relacionada à Grimes – a cantora. Além das conversas dos gringos sobre grime e tal. Hoje em dia tu bota lá ‘grime’, ‘drill’, você vê várias coisas de brasileiros e eu acho maneiro.
São vertentes muito boas que existem da música eletrônica, ou do rap, ou hip-hop… Tipo, é música de festa, é música de tu ficar pulando e batendo cabeça e os temas são muito variados. Aqui se fala de futebol, crime e vivência, com muita verdade e muita propriedade, acho que é por isso que as coisas estão dando tão certo para quem está se aventurando em fazer, mas é aquela parada: é uma coisa muito verdeira, então não adianta você querer mentir uma parada que você não tem. Os caras que fazem são vivência purinha.
Não é momento da gente imaginar que vai estourar ou que a gente vai virar o Racionais MC’s, Baco… A gente não vai ser tão grande por agora, mas eu acho maneiro como está acontecendo essa troca com a grande mídia. Eu vejo vários artistas grandes fazendo algo muito perto do drill, algo muito perto do grime, alguns artistas já falando sobre, os canais de informação falando sobre… Como eu sou de dentro, eu vejo de perto como tá aumentando o consumo das músicas. Tipo… ‘Cachorrada‘ virou um milhão de plays, o ‘BRIME‘ também, as paradas estão acontecendo”.
Rennan Guerra, um dos produtores do Brasil Grime Show e proprietário da Casa do Meio
Mais do que nunca, uma comunidade está se pavimentando.
Não é o que o grime e o drill tenham chegado agora, mas é atualmente que existe o maior número de pessoas fazendo, produzindo e conversando sobre eles no Brasa.
Os últimos meses de 2020 vêm comprovando isso.
A título de recorte, em maio, dois legítimos crias cariocas, Thxuzz e SD9, lançaram as brabas “Sosa Jr” e “Nigéria 96 (feat. Kbrum)“, que simbolizam como as estéticas do drill e do grime estão sendo devidamente estudadas e talentosamente executadas em território brasileiro.
Tratando-se de estilos musicais que exigem verdade na sua essência, é natural que os MC’s usem das suas regionalidades para rimarem sobre as suas vivências e assim criarem as suas identidades.
No RJ, terra dos bailes funks OG, o funk tem sido um grande aliado.
Mas cada quebrada brasileira já está dando o seu toque especial para a coisa e está sendo cada vez mais comum vermos elementos “bairristas” sendo incorporados ao grime e drill BR.
Isso é charmoso e você verá mais durante a matéria.
Eis que esta introdução precisa passar rapidamente pelo quesito “estilo“, algo que sempre fará parte da vida de qualquer movimento, pois você sabe que “moda” representa muito mais do que uma simples combinação de roupas.
Então, digamos que o estilo mais rockstar do trap deu lugar as camisas de time, tracksuits da Nike (insira a sua sportswear favorita aqui) e balaclavas (!).
A pegada underground do “estilo e conforto” das camisas de times e o ar mais “sombrio criminal” dos casacos, jaquetas e balaclavas estão brotando, fazem parte da cultura, mas sem criar estereótipos, ok?
Existe todo um contexto histórico — e também atual — para o uso desses adereços. É papo de estética, mas muito além de pura estética.
Voltando à sonoridade, as peculiaridades de origens rítmicas do grime fazem muitas vezes surgir o debate se o ritmo é um gênero à parte do rap ou não.
Desenvolvido através do UK Garage e do ragga, é verdade que o grime tem argumentos para proclamar a sua independência como gênero descolado do rap, mas também é verdade que ele urge dentro da comunidade do hip-hop e assim flerta diretamente com o rap. E não há problema nisso, como falou a Yvie, uma das produtoras do Brasil Grime Show, na sequência de tuítes abaixo.
É importante respeitar as origens e saber o que está fazendo para não escrever grime como dois “m”, etc. Rola dessas.
Evidente que “Sosa Jr” e “Nigéria 96” não foram os primeiros grimes e drills brasileiros, mas como já disse Fleezus naquele feat. com Febem: “se é pioneiro, não sei, só tô fazendo valer minha vez”.
E é assim, fazendo valer as suas vezes, que MC’s espalhados por todo o território nacional estão resgatando a cultura da caneta afiada e se colocando no game.
Para conhecer mais sobre o universo do grime/drill BR, troquei uma ideia com os MC’s SD9 e Thxuzz, do Rio de Janeiro, Bakkari, de Fortaleza, Vandal, de Salvador, e as brabas N.I.N.A (RJ) e Áurea Semiséria (SSA) a fim de saber as suas perspectivas, planos e visões sobre esta nova e legítima cena gradativamente pavimentada.
Abaixo você também encontra aspas dos beatmakers DIIGO, Luna e KatHead, que também contribuíram gentilmente com este que vos escreve.
Confira os bate-papos™ após este espirituoso tuíte de FEBEMBAPPÉ (como eu amo referências futebolísticas).
SD, o fenômeno
Fanático por futebol desde os tempos em que ainda era apenas um “SDzinho” caminhando pelas ruas de Bonsucesso, a sua morada até hoje, este cria do RJ leva no seu vulgo a referência — ou reverência — a Ronaldo Fenômeno, lendário jogador brasileiro com passagens por Cruzeiro, PSV, Barcelona, Inter de Milão, Real Madrid, Milan, Corinthians e, claro, Seleção Brasileira. Ufa.
Em sua profissão, normalmente Ronaldo Fenômeno usava a camisa “9”, número que no futebol é ligado ao centroavantes, muitas vezes apelidados de “matadores“.
Dentro da comunidade do rap, “matar um beat” pode significar que o MC tem que ir muito bem em cima do instrumental.
Se for assim, SD9 está fazendo valer o número.
Estudante de grime music desde 2015 e convivendo com o funk desde o seu nascimento, SD — integrante do brabo coletivo TBC MOB — estreou no gênero com a track “Bad Boy” e já possui até um EP de grime.
É o “AM/PM“, produzido por Rennan Guerra, que conta com três faixas e demonstra as habilidades de SD9 para misturar grime e funk de uma forma deliciosamente original carioca.
É muito grime e muito funk, “de Bonsucesso até a Penha, de Bonsucesso até a penha 🎶”.
“Eu já escrevia em funk proibidão e rap. Racionais, MV Bill, e os MC’s do proibidão sempre me influenciaram. Sidinho, Smith, Rodson, Didô, Willian Pastor… os MC’s do proibidão mesmo, de facção e pá, coisa que é bem presente aqui no bairro.
Só que eu nunca levei muito a sério esse bagulho de fazer música e nem curtia muito os eventos de rap. Meu bagulho era mais baile mesmo: Nova Holanda, Parque União… Aí até que em 2015, quando eu comecei a andar com os moleques da TBC, eu despertei um interesse maior pela música. Aí um parceiro me apresentou a ‘Shutdown‘, do Skepta, e eu me apaixonei.
Isso em 2015, aí fiquei três anos estudando o grime para poder soltar o meu primeiro em 2018. Conhecer o grime mudou a minha vida”.
SD9
SD conta que o público local tem abraçado a cena grime no Rio de Janeiro.
“Seja por moda ou por querer entender“, a similaridade com elementos do funk certamente contribuem para um número maior de cariocas começarem a entender mais a parada na terra dos bailes.
Mas a confusão entre rap, trap e grime naturalmente ainda existe, como comenta SD9.
“O pessoal ainda não assimilou o grime de verdade. A maioria ainda não tem aquele interesse de buscar as raízes do bagulho, de onde saber de onde vem e pá”.
SD9
Ainda sobre assimilação, SD vê como interessante o debate do grime ser rap ou não e sabe bem de qual lado está na história.
“Essa questão dá um debate maneiro. Eu sou do bonde que não considera que o grime é rap. E quando a gente fala isso não é porque a gente tá querendo dizer que o grime é melhor que o rap, é apenas por entender que as raízes são outras.
O rap vem do soul, jazz, blues… já o grime vem do ragga, drun and bass, UK garage, dubstep. As raízes são diferentes. Mesmo que exista um flerte, musicalmente eu não considero que o grime é rap, pelo fato das raízes, sacou?
Até pela questão das rimas também serem diferentes. Você pega as rimas de um boom bap, de um trap e vê que o grime é diferente. As batidas também mudam, costumam ser em dois passos e as barras são sempre quatro por quarto. Por isso tudo, eu considero o grime um gênero e o rap outro gênero. Claro que isso não impede dos dois juntarem. Tanto que já existe ‘grime trap’, ‘grime drill‘. Essa é a minha opinião. Mas eu acho um debate maneiro, é um bagulho bom de se discutir”.
SD9
Na música “Eu não sou o Igu“, onde se refere ao integrante Igu, da Recayd MOB – grupo de trap que alcançou o mainstream brasileiro – SD9 escreveu barras onde estabelece as diferenças entre grime, trap e boom bap.
Sim, boom bap, já que também faz menção ao brabo Nochica, dono de “OPACO“, um dos melhores álbuns dos últimos tempos em solo nacional e dotado de doses cavalares de boom bap raivoso.
Abaixo, as diferenças citadas entre SD9 e Igu, segundo o próprio SD9.
Ele: trap, trap, trap
SD9 em “Eu não sou o Igu”
Eu: grime, grime, grime, grime
Ele: Gucci, Prada, Bape
Eu: Nike, Nike, Nike, Nike
Ele: skr, skr, skr
Eu: sou da fac, fac, fac
Ele: Migos – Kelly Price
Eu: Skepta – Ghost Ride
Ele: lean, lean, lean, lean
Eu: Brahma, Brahma, Brahma, Brahma
Ele: trap, trap, Allen Iverson
Eu: grime, grime, Valderrama
Comparações à parte, só pros neguin entender:
Igu é da Recayd, SD é da TBC! 🎶
Muitas diferenças. 🤔
Antes de se envolver com música, SD9 (igual a milhões de outras crianças brasileiras) sonhou em ser jogador de futebol. Afinal, quem nunca?
O brabo tentou levar a vida como atleta profissional do desporto soccer, mas, para sorte do grime brasileiro, SD9 virou mesmo foi um fenômeno do mic.
O menino de Bonsucesso cresceu, mas nunca deixou de carregar amor pelo futebol e por seu clube do coração.
“Quando dá eu sempre tento jogar uma bola aqui nas áreas com meus crias… Eu sempre gostei de falar de coisas relacionadas a futebol, de jogadores, gírias, termos… A minha relação com futebol é de berço. Foi o meu primeiro amor. O futebol e o Vasco. Não tem jeito”.
SD9
Sobre o time da Cruz de Malta, amor da vida de SD9, o MC carioca revela que tem a intenção de fazer um som com foco na história do Clube de Regatas Vasco da Gama.
“A minha intenção é fazer uma musica falando do Vasco, não só de um jogador. Óbvio que ao decorrer da faixa eu vou falar de jogadores como Roberto Dinamite, Edmundo, Romário, Donizete, Luizão, Juninho Pernambucano, aquela geração, tá ligado? Quero criar uma história para fazer essa música por amor ao meu time mesmo, contar até as derrotas, tá ligado? Passar a história do Vasco através da música”.
SD9
Além das alusões ao bom y velho fute e os papos de crias exaltando o seu bairro e cidade, outra característica marcante nas letras de SD9 é a constante referência à marca Nike.
Patrocinadora de grandes jogadores de futebol e criadora de peças publicitárias insanas dentro do mundo boleiro, a Nike representa mais que uma simples “marca” dentro de um contexto de país onde a desigualdade social é absurdamente impiedosa.
A parada vai muito além da estética, de fato. O tal do “Swoosh” representa um sonho para vários moleques que querem portar um “facão na bota“, mas não tem condições de pagar os produtos da marca.
Capitalismo. 😪
O Rio de Janeiro, conhecido pelas suas belezas naturais, é também famoso pela proximidade entre as suas favelas e bairros ricos.
Os morros e condomínios estão pertinhos, e me disseram que “nerd só brota em dia de baile“.
Numa cidade onde a desigualdade é tão escancarada, Leall, famoso pelo hit “Cachorrada“, integrante do Covil da Bruxa, canta em “SONHOS D’NIKE“, track em que participa ao lado de VND e OG Britto:
Quem tem, tem, quem não tem vai pra pista fazer furto
Leall em “SONHOS D’NIKE”
12 mola no pé, quem nunca sonhou? (OG)
Pique Fenômeno e o olho brilhava no comercial da Total 90
Facão, Afro Samurai (Nike)
Ver o Nike e não poder levar
Sonho já virou revolta
Swoosh Boy, eu já virei problema 🎶
SD9 também foi mais um cria com “sonhos de Nike“.
“Quando eu era criança só quem tinha as peças da Nike era (e é até hoje) quem tinha uma condição, mas aqui no meu bairro quem tem condição é quem era da ‘boca’. Meu primeiro Nike minha mãe me deu no maior esforço. 120 reais e foi uma luta.
A Nike representava um sonho pra mim e ainda representa pra vários moleques. Eu via a Nike como um objetivo. Ela vai muito além de estética. As propagandas mexiam com a nossa mente. Lembro até hoje: ‘Nike Cage‘, ‘Nike Inferno‘, ‘Joga Bonito‘… As propagandas mexiam com a mente de uma forma absurda.
E hoje, graças ao grime, eu tenho o apoio da marca. Não cheguei nela com o futebol, mas cheguei com a música. Vejo muito os moleques aqui da área brilhando o olho quando sabem que eu ganhei uma parada da Nike porque o bagulho representa um sonho. A Nike pra mim é isso: representava um sonho e hoje é uma realização”.
SD9
SD9, que começou a receber o suporte da Nike no começo de 2020, fala sobre a relação marcas x criminalidade.
“Existe esse bagulho do pessoal colocar facção relacionado a tal marca e pá, mas eu vejo muito aqui na minha área que isso não existe, isso é papo de menor emocionado.
Existia muito antigamente. Quando eu era mais novo, eu lembro que tinha um bagulho da Cyclone, que é marca de Comando. Eu trabalhei com um parceiro, quando eu era estoquista, que ele me contou que quando era mais novo comprou as roupas da TCK e ele teve que tirar o logo, porque era marca dos ‘alemão’ e Cyclone é marca de Comando. Mas isso de marca relacionada a crime, hoje em dia, é bagulho de menor emocionado.Duvido chegar aqui na área e falar pra um amigo da ‘boca’ pra ele não usar uma camisa do Flamengo porque tem as três listras. Chama lá o cara de ‘alemão’ porque ele tá com a roupa do Flamengo, que é o time dele, só porque tem as três listras. Isso aí é moleque novo, na emoção, falando um monte de merda e querendo inventar. Quem fala isso na real nem vive o bagulho.
Tem nada a ver isso de ‘quem usa Nike é o Comando e quem usa Adidas é os Terceiro‘, vários manos aqui usam Adidas. Crime é crime e marca é marca, tá ligado? Crime é crime, marca é marca e gosto é igual cu, cada um usa o que quiser”.
SD9
Como estamos falando de Músicas de Cria™, é normal que os bairros de criação desses artistas sejam abordados em suas letras.
Bons MC’s sabem usar do regionalismo para se sobressair e criar uma identidade. Com SD9 não é diferente.
“Eu fico mais feliz quando falam que eu faço grime carioca do que quando falam que eu faço grime BR. Porque é um bagulho que eu busco, fazer referências ao Rio de Janeiro nas minhas músicas. Seja na minha letra, num ad-lib, num beat, sempre estou tentando colocar algo que vá remeter ao Rio de Janeiro.
Sempre busquei ser autêntico e é o que eu penso como artista. É gratificante ver que eu consegui o que eu almejei quando eu estudei o grime por três anos”.
SD9
Planejar os passos é fundamental para a carreira de qualquer artista e SD9, apesar de portar o número de um atacante, fez as vezes meio-campista para arquitetar todos os seus movimentos e sempre ter em mente o que que queria: ser reconhecido como um MC de grime e não um rapper.
Papo de personalidade.
“Antes da ‘Bad Boy‘ eu nunca tinha visto a mistura do grime com o funk. Não sei se a ‘Bad Boy‘, que eu fiz com o SH1FT, foi o primeiro grime funk, mas foi um bagulho que eu tava apreensivo para lançar porque o que estava na moda era o trap e eu falei ‘vou soltar um grime’.
Vários fizeram grime antes de nós, só que ninguém botou uma cena pra frente. A cena foi começar a vingar agora em 2019. Então, na época, eu tava muito apreensivo, me perguntando se a galera ia gostar e eu só fiz porque estudei e acreditei que aquilo ia dar certo. Hoje eu acho que está dando”.
SD9
Sobre as diferenças entre as escritas do grime, drill e trap, SD explana as suas percepções e também fala em como o “fator caneta” reflete no grau de popularidade dos sons.
“Tanto o grime quanto o drill são mais difíceis de fazer do que o trap porque é um bagulho mais lírico. O trap é mais ‘a la vontê’, tanto que muito trapper nem escreve, faz de freestyle. Acho que o grime e o drill exige mais uma lírica, os caras se esforçam mais para escrever.
E o grime eu acho mais difícil que o drill. Isso reflete no que está acontecendo: o drill é mais popular que o grime e eu acho que se deve ao fato do grime ser o gênero mais difícil de rimar, aí o pessoal falou ‘opa, o grime é mais difícil, acho melhor ir pro drill, que é mais tranquilo de fazer’ e o drill tá se popularizando agora. O drill é mais comercial que o grime. Essa é a minha opinião”.
SD9
Apesar de conversarem com certa afinidade e estarem ganhando evidência, no Brasil, lado a lado, o grime o drill não podem ser tratados como coisas iguais.
SD, mais familiarizado e apaixonado pelo grime, explica as diferenças e peculiaridades dos dois mundos.
“O drill e o grime são diferentes. Eu considero o drill como rap e o grime eu considero grime. Os dois gêneros tem suas peculiaridades, mas conversam. Você vê lá na gringa, os ‘drillers’ e os MC’s de grime tem vários feats juntos. Os caras se unem e fazem um drill com grime. Tem o LD com o Dizzee Rascal, o Skepta com o Pop Smoke. O bagulho conversa, mas eu, como artista, me sinto muito mais confortável versando em cima de grime.
O grime me cativou mais do que o drill. Eu acho o drill brabo, eu ouço muito drill também, mas a questão é que o drill é um som mais pesado, as músicas são muito violentas, e o grime eu já acho um bagulho mais dançante, pessoal tem mais vontade de pular e pá. Teve um fã que me perguntou se eu não achava que minhas letras combinavam mais com o drill, e eu falei que até combinava por eu estar estar falando de tráfico de drogas, coisas que remetem a facção, crime, putaria… até combinava, mas existe um bagulho no grime, que ao mesmo tempo que você está falando de crime, o pessoal tá pulando e dançando, e eu acho pika…
Me passa uma energia muito boa, tá ligado? E eu pensei nisso desde lá de trás quando eu comecei a estudar o grime. Foi algo que eu vi no documentário do Skepta e via no ao vivo deles também. Enquanto eles estavam passando a realidade deles, ao mesmo tempo vagabundo tava dançando pra caralho. Isso me lembra muito o funk, que tu vai num baile e olha pro baile e tá tocando ‘é o bonde do cuco, do Marcinho Maluco…’, ‘já sei atirar, me dá o meu G3, o meu AR e o meu AK‘ e tá geral pulando e dançando’. Pra mim o grime é isso, o grime é o funk do Reino Unido. Eu falo em grime e só penso em não parar de fazer. Comecei a fazer por amor mesmo”.
SD9
A TBC MOB é parte fundamental na trajetória de SD9.
O coletivo é composto por artistas, produtores, videomakers, designers, etc, que são crias de áreas próximas do Rio de Janeiro (Bonsucesso, Penha, Ramos e Olaria para ser mais exato).
A sigla significa “Tesouros, Bençãos e Cédulas” e os trabalhos da TBC não param. Não só de forma solo, mas também como coletivo.
“Um influencia o outro, eu cheguei com o grime, o Drope veio com o drill, aí vem o Lifee com mais numa pegada mais house, o TVK também repaginou o trampo dele, o DIIGO e o Grone vindo com os drills… e nós tamo aí tentando fazer o bagulho render a melhor forma”.
SD9
Beatmakers e produtores são muitas vezes esquecidos pós-lançamento de um som, mas é a partir das mãos deles que o instrumental ganha forma. São os famosos alquimistas.
DIIGO, que produz para todos os MC’s da TBC e mais alguns da Covil da Bruxa, também aposta que o drill vai ser mais popular no Brasil do que o grime e conta como se deu os seus primeiros passos nas suas produções de grime e drill.
“O primeiro beat de grime que fiz foi a ‘Dri-Fit, não climacool‘, referenciada na ‘Thiago Silva‘, do AJ Tracey (e Dave), só que não é o que está na música atual (o beat final da track é assinado por Korsain). Esse foi o primeiro som que eu fiz de grime. De drill foi a “Adrenalina“. Fumando uns aqui com o Drope, ele falou ‘você tinha que fazer drill’, aí eu tentei e saiu ela.
O drill na primeira tentativa já saiu. Nele, eu me aprofundei mais um pouco, que acabou resultando neste mix que faço lá no meu ‘Sound’ tocando drill de todas partes do mundo, tá ligado?Mostrando para as pessoas as coisas escondidas.
DIIGO
O drill vai ficar mais famoso que o grime por ser rap, por já tá na boca do povo, a galera já está acostumada. O grime vai continuar sendo música de ‘maluco’, mas com o passar do tempo vai ter o seu reconhecimento”.
Aos 28 anos de idade, SD vai transformando vivência em música e está pronto para lançar o seu maior trabalho até agora.
O seu primeiro álbum, o “40°.40“, que será lançado pelo selo americano On-Retainer, já tem data de lançamento divulgada (16 de julho) e trará em 13 faixas as histórias que SD9 viu e vive na sua área, com temas como as festas dos bailes funks, o tráfico de drogas, a violência policial, a guerra de facções, etc.
SD9 promete um “Rio de Janeiro sem maquiagem“, já que “atrás do Cristo Redentor as coisas são diferentes“.
Sosa Jr, Thxuzz é brabo no drill
Do vascaíno SD9 chegamos ao flamenguista Thxuzz e é difícil pensar que o MC carioca de Cabo Frio, da favela da Boca do Mato, não nasceu para ser um dos próximos craques do rap BR após terminar de ouvir a viciante track “Sosa Jr“.
Claro que quem já conhece os trampos do MC, na pista oficialmente desde 2016, sabe que o moleque é versátil e consegue jogar em várias posições. Porém, parece que em “Modo Sosa Jr“, Thxuzz encontrou o campo ideal para mostrar as suas melhores habilidades. Foi o Maracanã em dia de Fla-Flu, e ele meteu golaço.
DIIGO também foi o criador do insano beat escutado em “Sosa Jr” e conta como achava o instrumental estranho até a braba chegar nas mãos de Thxuzz.
“O Thxuzz tinha comentando comigo que queria uns beats para fazer uns projetos. Deixei um na mão dele e tinha outro que eu nunca tinha pensando em usar, que achava meio estranho. Aí ele pediu: ‘me manda esse’. Mandei e dias depois ele disse que o beat tinha virado o beat de ‘Sosa Jr’. Joguei na mão dele e o Thxuzz fez um milagre”.
DIIGO TBC
A track, capaz de cativar instantaneamente, seja pela batida viciante ou pela imposição e personalidade de Thxuzz em cima do beat, é recheada de “papo reto“, ou como escreveriam os jovens: pprt.
É preciso ter competência e talento para transformar a sua vivência em arte, mas também é aquela ideia do Emicida: “no fim das contas fazer rima é a parte mais fácil”.
Então, digamos que Thxuzz fez a parte mais fácil de forma verdadeiramente habilidosa. Jogou “brincando igual Okocha“, de fato.
Munido de barras reais como “eu tenho alguns laços na boca” e “crime rola normalmente no Rio“, o rapper carioca não economizou caneta para botar para fora a pesada realidade das favelas da sua cidade, que são ambientes propícios para o mais puro suco de Músicas de Cria™.
“Um bagulho que liga muito o drill ao Rio de Janeiro é a violência, a realidade… Não como apologia, mas como realidade mesmo, tá ligado? Lembra muito o funk proibidão porque o drill é música feita para falar de morte.
A arte é livre, você pode fazer o que quiser, mas o drill é um estilo originado disso, música de morte”.
Thxuzz
Armado de bragadoccious, onde afirma com propriedade para o ouvinte que “essa merda você não ouviu no Brasil” e que “se sente igual ao Skepta“, Thxuzz mostra saber em que campo está pisando.
Dotado de boas referências, o rapper, de nome Matheus e também conhecido como M10, mostra que treinou, ou melhor, estudou para colher frutos.
Ele calçou a 97 e sabia muito bem em qual gramado estava jogando.
Falando em chuteiras da Nike, é impossível não lembrar da marca estadunidense ao assistir o videoclipe de “Sosa Jr“.
Trajadão de Swoosh da cabeças aos pés, Thxuzz revela que o sentido do uso da marca tem um motivo especial.
“Eu sinto que a gente tá influenciando muito a cena com esse bagulho de Nike e pá e nisso vem muito emocionado atrás. Tem sempre nego querendo pular na sua bala. Nós falamos desses bagulhos quando nosso som nem batia 5k direito, então nós não vai mudar porque tem nego fazendo o bagulho por moda. A moda passa, o que é de verdade fica.
Nós ‘tem’ fundamento e nós ‘vai’ falar até o final porque sempre fomos isso. É tudo por lembrança do D’NIKE“.
Thxuzz
O D’NIKE citado é o WC D’NIKE, amigo de Thxuzz e que também fazia música antes de falecer em 2018. Foi com WC, inclusive, que Thxuzz fez a sua estreia na música, lá em 2016.
O MC carioca conta sobre a influência de WC em vários aspectos dos seus som, inclusive em “gírias” como “demonike” e “criminal influencer“.
“Essas gírias vieram através do WC. ‘Demonike’ era ele, porque ele era o chefe e depois virou a tropa, quem era cria com ele virou também. ‘Criminal influencer’, ‘vingança dos nerds’… tudo isso tem uma ideologia por trás, saca?
Ele (WC) tem influência direta em todo mundo da Covil: Leall, Vandão, Tarcis, Puma, todos os ‘menor’ têm influência dele. Esse bagulho de trap ele já fazia há muito tempo, antes de estourar. Drill, o primeiro que eu vi fazer aqui foi ele. Na real, mais o drill de Chicago, porque ele era muito fã do Chief Keef.
Ele era o ‘criminal influencer’, ele era o ‘demonike’, o ‘Sosa’, saca? Ele surgiu com esses bagulhos. Então, a maioria das coisas que nós usamos e nós falamos é influência dele. Foi um mano muito importante na carreira de geral, além de ser o criador da Covil”
Thxuzz
As crews – ou coletivos – são marcas da cultura hip-hop em qualquer lugar do mundo e a Covil da Bruxa vem ganhando cada vez mais destaque ao conforme o seu desenvolvimento.
Além dos nomes já citados por Thxuzz como Leall, VND, Tárcis, Puma, a tropa ainda reúne outros membros como Linin, Wil Win, OG Billy, Leco, Luna, Dj Rass, OG Britto e TOKIODK, e vem se destacando pelo talento e pela regra base de uma boa crew: a coletividade.
Os sons de toda essa galera podem ser escutados nesta playlist criada pelos próprios pivetes. Não deixe de pegar a visão.
E a produtividade da firma não para.
No último dia 7 de julho, Thxuzz e VND droparam “Plantão“, com beat de Gabriel Caetano, o wavybil, e produção de Luna.
Antes disso, parte da Covil apareceu no single “Bandidas Amam MC Marcelly“, de VND com participação de Leall e SD9.
A produção dos lançamentos passaram por Luna, membro da Covil, e um dos alquimistas que vão se especializando em produzir “grime, dril proibido” no Brasa.
As mãos de Luna também foram as responsáveis pelo instrumental da brabíssima “Bandido Chique“, de VND.
“Eu já ouvia (grime e UK drill), mas não tinha chegado a produzir porque achava um bagulho meio difícil. Eu pensava ‘ah, acho que não vou conseguir e tal’, aí o VND me mostrou uma guia em cima de um beat e eu ouvi. No mesmo dia eu já mandei o beat pra ele e ele se amarrou, aí marcamos dele brotar no estúdio. A gente gravou e a galera se amarrou pra caralho. Ali foi o meu primeiro beat de drill que alguém rimou”.
Luna
Luna conta que o seu primeiro contato com o grime e o UK drill foi através do canal GRM Daily, do YouTube, por volta de um ano e meio atrás.
Ele acredita que público, beatmakers, MC’s, etc estão percebendo a saturação do estilo trap.
“Acho que o púbico brasileiro está bastante saturado do estilo que vem tocando, o trap, e sente necessidade de algo novo, algum estilo novo, uma nova tendência para se ter porque às vezes você que é mais do mesmo, que a maioria das músicas é muito cópia da gringa.
Então, acho que o público, MC’s e produtores estão procurando coisas novas”.
Luna
Atualmente trabalhando no primeiro álbum de Leall, ainda sem data de lançamento, e em singles com VND e Thxuzz, Luna é enfático em afirmar que os nomes de Leall, VND, TOKIODK e Thxuzz serão “bastante falados quando a cena do drill e do grime firmar“.
Sobre a polêmica de grime ser rap ou não, Luna pensa que o grime é rap.
Ele também aproveitou para explicar algumas diferenças técnicas de um beat de grime e um beat de UK drill e contar como ele acredita que pode ser benéfica a soma de artistas que estão em outras vertentes ao drill e ao grime.
“Eu acho que grime é rap. Essa é a minha visão, por mais que as pessoas possam falar que não. Mas é claro que ele não tem a identidade de rap dos Estados Unidos, ele tem a sua originalidade. Ele é um gênero que foi criado através do garage, dubstep, bass and line e outros gêneros, mas é rap.
Sobre diferenciar um beat de grime e um beat de UK drill, não tem muito mistério. O beat de grime é um beat mais agitado, mais animado, mais descompassado, sintetizador pra caralho, maior bagunça. Já o drill é um som mais denso, cabuloso, misterioso… Eu vejo com uma diferença bem nítida. A maioria dos drills, não todos, mas boa parte tem aqueles slides no grave, que você consegue perceber a diferença num beat de drill e num beat de grime.
E é assim, qualquer gênero que chega bem, o pessoal tende a embarcar. Não tem essa, a galera vai de cara mesmo e para a cena isso é lindo, porque a cena vai ter a crescer, tá ligado? Ver pessoas que estão no trap vindo pro drill e pro grime, pra gente que tá fazendo, é bom pra caralho.
Acho que isso ajuda a cena a crescer mais ainda, Eu não me incomodo da galera embarcar ou vim com flow de trap. Mas, é claro, o melhor vai se sobressair”.
Luna
Talento para dar o papo reto, sem muita “dificuldade de interpretação, faz parte do arsenal lírico destes crias.
Papos verdadeiros. “Quem tem mais letra sempre vai ser mais considerado“, comenta Thxuzz.
E deste território de escritores que exala realidade e vivência de brasileiros reais, ideias claras são mais abundantes e precisas do que referências profundas a pensadores filosóficos.
Como diz Vandal…
Meu verso é reto, é Avenida, é só o bagaço
Vandal em “Vida Real”
Metáfora em favela, cero, me chama de asfalto
Sobre a diferença do trap, drill e grime, Thxuzz fala o que pensa.
“O drill é bem mais difícil de fazer. Você ouve a rima dos caras que fazem dinheiro com trap aqui no Brasil e você vê que é um bagulho muito bobo. E agora esses trappers vão tudo querer na bala do drill, mas vão continuar fazendo a mesma coisa de sempre: flow trap, letra trap, a diferença é que vai está num beat de drill. Então, na minha concepção de cara que ouço e estudo muito, não vai mudar em nada e poucos vão se destacar.
Eu acredito que muita gente reconhece o que é um bagulho de verdade. Quem é de verdade vai se destacar, e quem é de mentira vai ser só por moda mesmo”.
Thxuzz
A música acima mostra a capacidade e vontade de escrever de Thxuzz. Independente do instrumental, o compromisso com a caneta é visível.
Pode ser por isso que na sua aparição em um dos episódios do Brasil Grime Show, Thxuzz tenha soltado barras como “eu rimo funk, não grime“.
Swoosh não há
Thxuzz
Thxuzz é liso igual Neymar
Talento raro de achar
Mais difícil de pegar
Quem que vai patrocinar
Estiloso Pogba
Lifestyle Drogba 🎶
Golaço.
A música que leva essas linhas ainda não saiu.
As barras podem ser encontradas na participação de Thxuzz, Tarcis e ANTCONSTATINO em um dos episódios da segunda temporada do BGS.
Essa é daquelas que os caras soltam a prévia e sobe o cheiro de hit.
“Flamenguista, de fato“, Thxuzz ainda contou que rimas citando jogadores do seu clube do coração estão no gatilho.
Em um momento que o rubro-negro carioca vive a sua melhor fase em muitos anos — recentemente campeão brasileiro e da Libertadores da América — as opções para jogadores homenageados são várias.
Como canta MC Poze:
Tá difícil de parar os coringa do Flamengo
MC Poze do Rodo
Bruno Henrique, Arrascaeta e nosso menino Gérson
Se tem jogo do Mengão, a torcida dá um show
Pode levantar a plaquinha, hoje tem gol do Gabigol 🎶
Como o Fla do português Jorge Jesus, o futuro parece promissor para o “Sosa Jr“.
Em Fortaleza a vida de Pablo seria um filme indicado ao Grammy
“Vivendo uma rotina que não me apetece
BAKKARI
Fugindo duzomi com as skills do Messi 🐐
Artículo as peça no meio igual Gerson
Na ponta do beco é o Firmino de peça
Uh uh””
Não sei você, mas eu gosto bastante quando Lionel Messi 🐐 é referenciado positivamente em alguma coisa.
Em “PUSKÁS” (nome que faz referência ao lendário jogador de futebol húngaro Ferenc Puskás), Franklin Machado aka BAKKARI, botou o nome de Fortaleza – também conhecida como Fortal – no game atual.
Dentro de um cenário estrutural onde artistas sulistas costumam ter mais oportunidades no chamado “Rap Music BR”, requer mais esforços para um cria de “fora do Eixo” chamar a atenção.
“Sulícidio” fez a sua história, etc, mas a esmagadora maioria dos players nordestinos no game continuam esnobados. BAKKARI, como vários outros artistas crias “escondidos“, não pode ser mais um deles.
Trazendo a vivência de um fortalezense das ruas de Sapiranga, “entre uma avenida para os bairros ricos e um mangue”, o menino BAKKARI usou toneladas de referências futebolísticas para fazer drill music de Fortal e assim reivindicar o seu “Puskás“.
No mundo do futebol, o Prêmio Puskás é dado pela FIFA para o jogador que fez o gol mais bonito do ano. Se fizermos este paralelo com o cenário de 2020 do rap, sem dúvidas, a track de BAKKARI entra na disputa.
A música, inclusive, “viralizou” em países da Europa. Nações como Finlândia, Holanda e Portugal se tornaram os maiores ouvintes de BAKKARI nas plataformas digitais através da viciante track.
“Foi a partir da ‘Thiago Silva’ do AJ Tracey e do Dave que eu tive o meu primeiro contato com o grime. Na época, a gente tava com um crescimento do trap, em 2016, e até o momento eu não sabia que aquilo era grime. Achava que era trap feito de uma forma diferente.
A partir daí comecei acompanhar o AJ e pesquisar mais sobre o grime. Nessa época eu fazia drill, mas era o de Chicago, e o UK drill nem era comentado, realmente não tinha uma alta como tá agora.
O que me fez querer escrever em cima desse estilo de beat foi a faixa ‘Thiago Silva’ mesmo, que eles falam muito sobre futebol e também fazem umas linhas sobre boxe, esporte no geral, e isso é uma parada que eu sempre tive muito contato.Foram esses motivos que me fizeram querer escrever e também o ritmo quebrado, que era uma boa forma de você acelerar rimas e mandar muitas barras, uma atrás da outra de forma quebrada e explorando muitos flows”.
BAKKARI
Sobre a cena local de Fortaleza, BAKKARI fala que ainda não existe uma cena de drill e grime consolidada.
“Se eu não me engano até o momento só eu lancei grime e drill aqui. Quando eu descobri a ‘Thiago Silva’, eu fiz ‘Super Campeões‘ com o Pimpo$o, de CWB (Curitiba). A galera ainda tá assimilando o lance do drill e do grime.
BAKKARI
Eu juntei com os pivetes do Hip-Hop Fortal, que é uma mídia aqui de Fortaleza, e com o Vini, que também é do RND, e a gente montou um projeto chamado Fortal Grime, onde a gente vai lançar faixas com MC’s em cima do drill e do grime e aí vamos gravar clipes para as faixas e tal.
A gente vê que não existe uma cena ainda, mas a gente meio que tá trazendo essa galera pro nosso lado… A galera que faz trap, a galera que a gente vê potencial, a gente tá instigando eles a fazerem o lance do drill porque a gente acha que o drill tem mais cara do Nordeste do que o próprio trap. O lance do Nordeste ter uma imagem mais violenta bate com esse lance do drill e do grime”.
BAKKARI também comentou sobre a dificuldade de popularização que o grime e o drill podem ter para dar um passo em direção ao mainstream, citando o exemplo do funk, e a possível transformação da imagem dos artistas em criminosos por parte da mídia.
“Eu acho que a parada pode encontrar uma barreira para se tornar mainstream, como o funk é ainda hoje. O funk sofre muita discriminação, projetos que tentam criminalizá-lo, pessoas que não gosta quando toca nas festas. E rola muito essa apropriação dos ‘boys’ querer cantar o que não vivem, como a gente viu no trap, que os caras querem cantar de crime e depois não sustentam o que falam. Essas ideias da criminalidade podem ser um problema grande.
A gente pode pegar essa estética, mas tem que ter um cuidado maior e pensar no que a gente deve falar, da forma que a gente vai contracenar, como a gente vai tornar isso algo vendável, se liga? Para que a mídia não venha deturpar a nossa imagem, pintar a gente de criminoso, porque é muito fácil pintar nós de pele preta de criminoso, basta dar um tiro em nós e depois dizer que estávamos armados, pros caras é fácil de acreditar”.
BAKKARI
Sobre a importância dos olhares não ficarem limitados a Rio de Janeiro e São Paulo, o MC fortalezense citou o trabalho do Brasil Grime Show como um apoio enorme para novos artistas, mas também cita a pouca participação, até agora, de atrações fora do circuito Rio-SP no projeto.
“Admiro ‘de vero’ o ‘corre’ dos caras, mas eu imagino que não custaria colocar algumas pessoas do Nordeste nesta parada. A gente tem muito potencial. Até as matérias que a gente vê falando sobre drill, grime, é sempre SD9, Leall… A gente não vê falar de outras pessoas.
Eu não falo só por mim, mas tem vários pivetes fazendo no Nordeste. Não existe só RJ e São Paulo. Mesmo sendo um ritmo que tá em ascensão, está se tornando o mesmo monopólio de sempre, onde RJ e SP dominam a cena, fecham a panela deles e a gente não consegue entrar”.
BAKKARI
Conversamos com o BGS referente ao questionamento feito por BAKKARI e eles deram o papo que o projeto está aberto para artistas de todos os estados do Brasil e que o ponto chave é que falta condição financeira pra levar os artistas de fora até o Rio de Janeiro; porém todo artista que quiser participar basta entrar em contato. Se a pessoa conseguir suprir com sua hospedagem, alimentação, deslocamento até o Rio e for selecionado, a parada pode se desenvolver.
O grande parceiro de BAKKARI na jornada do grime e do drill é o produtor Erick Bezerra, dono dos beats de “PUSKÀS” e “CORRA” e atualmente tocando o selo KatHead ao lado de Vinícius Rocha, o Vinar.
No começo, a KatHead tinha foco apenas no visual, trabalhando com clipes, lyric videos, covers para álbuns, logos, etc. O pulo do selo para a área da produção musical veio da necessidade de Erick expandir o que já sabia.
“Eu sempre gostei muito de música, daí parti para produção e principalmente estudei bastante o UK drill, que é o som que tô implementando junto com o Franklin (BAKKARI).
Eu comecei a produzir drill assim que eu entendi o básico, há 10 meses para ser bem exato, e eu já conversava com o Franklin bastante sobre isso. A gente entende como o público novo é pra esse estilo ainda e eu tento não culpar os ouvintes. O que costumo fazer é tentar criar o meu público, e eles curtirem a vibe que tá sendo passada”.
Erick Bezerra aka KatHead
Erick também comentou um pouco sobre a questão lírica envolvendo os idiomas portugueses e ingleses na hora da execução do drill e do grime.
Para ele, “o drill não tem que está tão preocupado com a busca
da questão lírica e as vezes você só precisa de uma barra muito boa, com várias outras de apoio”, mas o produtor de Fortal faz questão de lembrar que o UK
drill também está bem ligado com a parte lírica.
“Existe muita lírica em alguns artistas lá de Londres, que os caras fazem naturalmente, e o esquema de rima também está ligado com o flow que tu se permitiu usar.
Os artistas do Brasil Grime Show, por exemplo, seguem uma estética de flow que permitem a eles terem um esquema de rima propício.
Eu vi o Febem comentar em uma entrevista que quando uns gringos escutaram ele, falaram o seguinte: ‘eu não tô entendendo nada mano, mas isso é real‘, então se tem flow e interpretação, a letra chega junto”.
Erick Bezerra
Sobre a questão da visibilidade nordestina na cena, Erick dá o seu papo e no fim invoca o nome do mais “verdadeiroh“.
“Eu me preocupo bastante com as oportunidades para artistas de estilos já aceitos pelo público, que de certa forma já têm uma dificuldade, então imagine para o drill, que talvez dê pra contar nos dedos o tanto de artistas em Fortaleza que trabalham nesse estilo.
Então, as oportunidades com certeza são menores quando você está fora do centro. Ou você cria elas ao seu redor, ou espera ser notado.
Aliás, um salve pra Salvador, que tem o artista mais VERDADEIRUH de drill, Vandal, ele é o melhor do mundo!”.
Erick Bezerra
E por falar em Vandal…
Vandal de Verdade é muita verdade e pouca emoção
Algumas vezes o termo “originalidade” cai em lugar comum e a palavra acaba sendo usada de forma banal dentro do universo artístico.
Mas, tratando-se de Vandal, a melhor coisa que vem à mente para descrevê-lo é “original”, ou melhor “ORIGINALH“.
A personalidade autêntica deste real soteropolitano vem dentro de um pacote “Vandal Style“, que não envolve apenas o seu jeito de escrever e cantar, mas também a sua forma de agir, se vestir…. Enfim, viver.
De cara, basta olhar para a sua escrita personalizada, marca registrada em qualquer diálogo de Vandal nas redes sociais, como um dos traços deste que é um dos artistas mais originais do Brasil – e eu não estou me limitando à cena rap.
Como um cara que conquistou o devido respaldo para ser um legítimo representante do gueto, as músicas de Vandal hoje são abraçadas como verdadeiros hinos no seu país Salvador.
Pois o mais verdadeiro, o cara que “puxa o bonde das favelas de SSA“, além de servir como um grande porta-voz da favela, é um artista completo.
Seja por sua verdade de berço, que respinga diretamente em todas as suas letras, seja por sua versatilidade musical, com habilidades para rimar em cima de qualquer beat, ou seja pelo seu pioneirismo, já que foi o primeiro a fazer drill e grime no Brasil, Vandal é a definição de raro.
A história do cara que usa bolsa e não mochila no ramo da arte é longa. Enquanto o chamado “jogo do rap” via a popularidade do gênero aumentar e com isso vários novos jogadores surgirem a cada ano, Vandal escrevia o seu legado com trabalhos com a Família Ugangue e a icônica mixtape “TIPOLAZVEGAZH“.
Atualmente, seu último hit responde por “VINGADORAH“, que, se você ainda não escutou, precisa escutar.
Durante a sua trajetória, Vandal lançou a música “40L“, em 2014, que representa o primeiro registro de drill (ainda com a roupagem de Chicago) no Brasil.
No grime, o contato de Vandal é ainda mais antigo.
A primeira gravação do soteropolitano no ritmo se deu através da mixtape “FAYAKA STEPPAZ“, do DJ Lord Breu e Ministereo Público, no longínquo ano de 2007.
“Meu primeiro contato com o grime veio há mais de 10 anos. Desde Lady Sovereign, Dizzee Rascal, Wiley, etc, eu já acompanhava e foi o que ‘startou’ o meu perfil musical, pela sintonia de Londres com a música jamaicana, já que eu sou oriundo de sound system, com o Ministereo Público, que é aqui de Salvador.
Então, foi um processo bastante natural até chegar ao grime. Aí teve o dia que eu ganhei um disco do artista DIMAK – aqui de Salvador – o ‘Boy in da Corner‘, do Dizzee Rascal. Isso mudou a minha vida e me despertou para a sonoridade mais ainda.
O site Oganpazan fez um repost do ’40L’ como sendo o primeiro drill gravado no Brasil. Essa música foi gravada em cima do beat ‘Everyday‘, do Chief Keef.
O grime eu já vinha fazendo nas festas daqui e o primeiro registro oficial é a mixtape do Lord Breu, a ‘FAYAKA STEPPAZ‘”.
Vandal
Ainda sobre o seu contato com os primórdios do drill, Vandal conta como se deu o processo. O Verdadeiroh também fala sobre as suas letras, entupidas de realidade do começo ao fim.
“Eu me identifiquei com o drill, principalmente, porque a clave do drill soa muito com o pagode – o groove arrastado que a gente tem aqui em Salvador. Eu costumo dizer que o pagodão baiano já é um trap, um drill original, pelo estilo de vida, a relação com a favela. As letras do drill, o lance das gangues, a gente já vive isso.
Eu tive uma ‘relação íntima’ com uma mulher de Chicago quando o drill explodiu por lá e ela falava sobre a relação do drill com a violência da cidade. Ela dizia que em Chicago, quando o drill explodiu, em um ano morreram 300 pessoas, e aí eu apresentei os números de Salvador e região metropolitana onde morriam 300 pessoas em um mês. Eles chamam ‘Chiraq‘ (em referência ao Iraque), aqui é Salvador e pronto, não precisa chamar de outro lugar violento do mundo.
E o processo de vivência também ajuda na identificação. Minhas letras desde a ‘BALAH IH FOGOH‘, que já foi um hino, o ‘40L‘ também… Todas as minhas letras têm este processo de vivência porque eu não consigo rimar algo que não seja verdadeiro.
Tudo que eu rimo, eu vivi, eu vi, eu fiz, eu presenciei, eu ouvi, então, é algo muito natural. Eu não consigo criar histórias metafóricas, até porque minha música é muito urgente, minha música é vida. A cidade de Salvador é uma cidade muito pulsante, muito viva, então não tem como eu cair em um furo de metáforas para falar sobre o que eu já vivo, que é um grito. Minha vida é explícita, logo minha música também vai ser explícita”.
Vandal
O artista faz um paralelo do seu jeito verdadeiro com “um processo musical nacional de rap tão fictício, mentiroso e mesquinho“.
“Eu sou homem, não sou adolescente. Sou oriundo do tráfico de drogas, de uma verdade que mudou a minha vida em vários aspectos e isso me fez ter um outro entendimento de vida.
Eu amo a minha cidade e vou levar as suas nuances para onde quer que eu vá. Isso é o que eu mais prezo e eu não consigo escrever nada que não seja real. Isso até me traz uma dificuldade de diálogo por ser tão verdadeiro dentro de um processo musical nacional de rap que é tão fictício, mentiroso e mesquinho“.
Vandal
Sobre a massificação e deturpação do trap no Brasil, o soteropolitano acrescenta palavras como “futilidade” e “mentiras” para definir o trap popularizado a nível nacional e também toca no aspecto do público neste processo.
“Eu já sentia que o trap ia se popularizar até pela facilidade em se produzir trap. A massificação vem dessa facilidade. É muito fácil você rimar as mesmas coisas, com os estilos de vozes e sussurros e falar coisas como ‘tenho bala na minha bag‘ e ‘skr, skr‘, sacou? Estou falando do trap nacional porque eu vejo o trap lá de fora até de uma forma mais incrementada. Você não pode descredibilizar um Lil Baby, que é um rimador, por exemplo.
Acho que o brasileiro se espelha no mais fácil, no que se parece com meme, no que é meio fútil e fácil de produzir, e o trap virou basicamente isso. Os MC’s meio que flertam, um copiando o outro, cantando o que não viveram. Enquanto tiver um palco para ser assim, vai ser isso… Eu não sou contra, eu acho que também faz parte do processo.
O público nacional se identifica mais por coisas fúteis, memes e mentiras. É muito mais fácil você ver um playboy rimando que matou alguém do que você ouvir realmente alguém que matou alguém. Ninguém quer participar de nada que seja verdadeiro, você não quer colar num tráfico real, onde as pessoas morrem e vão estar guerreando com polícia, com um bonde de ‘alemão’, etc. Você prefere está no processo de caras que tem ‘droga na bag’ dentro de um condomínio. Até porque, hoje em dia, o tráfico de drogas tá muito na mão dos playboys.
Vandal
É mais seguro você tá nesse mundo fictício do trap dos playboys do que você tá num ‘game’ verdadeiro, como é o trap real que acontece em Salvador, coisa que a gente já vive há anos. MC’s morreram aqui fazendo trap, MC’s de trap estão presos. Eu já venho de um processo de confecção de trap há muitos anos atrás quando nem existia essa onda trap e que é uma onda mais de ‘oba oba‘ e tá dando certo. As pessoas estão conseguindo lucrar com isso. Enquanto tiver gente ganhando dinheiro com esse processo, várias pessoas vão estar querendo fazer, principalmente por ser fácil”.
Recentemente, o carioca Thxuzz, um dos nomes fortes da nova geração e que já apareceu nesta matéria, citou Vandal como uma de suas referências.
O soteropolitano conta como enxerga o reconhecimento de artistas do Eixo e fala sobre temas inevitáveis como xenofobia.
“Eu fico super feliz, obviamente, porque eu luto contra esse processo de xenofobia, que é o que inviabiliza e descredibiliza artistas como eu, que possuem anos de trabalhos e tem uma visão apurada, que conseguem novas possibilidades em vários âmbitos, não só na música, mas para todo esse contexto de lifestyle que a gente tem.
Eu conheço alguns dos artistas do Rio, já fui lá algumas vezes, e aprecio a cidade por se parecer com Salvador em vários aspectos. A gente tem o lance urbano com o mar e isso me cativa muito. Fico feliz pela citação. Se todos os artistas, não só do Rio, mas também de São Paulo, que formam esse famigerado eixo, olhassem para outras possibilidades e nos enaltecessem seria outra coisa. Não falo como ponto de soberba da minha parte, mas como ponto de criação e de alguém que participa e fomenta muita coisa que vem sendo feita no Brasil.
Um dia antes do Thxuzz mandar esse salve no Twitter, o Phodismo, que é o cara que faz meus vídeos aqui em Salvador, me mostrou uma música dele e aí no dia seguinte chegou esse salve. Foi uma citação positiva”.
Vandal
Falando em olhares para fora do Eixo, vale a pena citar artistas que não estão no circuito Rio-SP.
O mineiro 03 Noxio tem um EP de grime, batizado de “G.R.I.M.E, Vol. 1“, que conta com instrumentais de Beatmaker LC e Sanchez.
Também de MG vem o Well que, entre outros trampos, possui um som em grime com o gigante Djonga, batizada de “Muito Bem Feito” e com produção de Everton Beatmaker.
Já a gaúcha Jô é a dona da música “Pódio“, um brabíssimo UK drill com produção de LiipBeats. Também do Sul vem Vinni, com uma bela homenagem a Dom Adriano Gabiru, na track que traz as produções de BeatBraga e D00tra.
Além deles, também fiquei sabendo de um drillzaço paraíbano (aka bregadrill) cantado pelo Nero e cozinhado por Thiago Joh, e também um grime de Floripa, esse de Jamal KMG e produzido por MAICON UMTETO.
Como podemos perceber, é algo já disseminado por todo o Brasa.
Sobre o contato com o Rio de Janeiro, Vandal fala sobre uma viagem que fez à terra do Cristo Redentor, na qual ficou perto de gravar um episódio para o Brasil Grime Show.
“Eu já recebi o convite para gravar um episódio do Brasil Grime Show. Quando eu estava no Rio, recebi o convite e ia gravar, porém não consegui porque a agenda estava muito apertada.
Também estava para gravar um clipe com o FUNKERO para a música “Criminologia“, do último disco dele e acabou que eu não consegui. As vezes que eu voltei no Rio, com o BaianaSystem, eu também não tive um tempo hábil para fazer o BGS.
Conheço as pessoas que trabalham ali, conheço o Antônio (ANTCONSTATINO), um cara que sempre compartilhou o meu trabalho e me deu um salve. Pretendo ir no Rio em alguma possibilidade e passar um tempo mais vasto e conseguir viver mais esse processo.
O Rio é foda. As vezes que eu fui lá eu tive que dar ênfase às coisas que eu sempre quis conhecer: os bailes funks, as favelas. Eu sempre quis conhecer o processo de vida, a pista do Rio, não de uma forma ‘goumertizada‘, como é apresentada, quis conhecer com meus próprios olhos a verdade que o Rio de Janeiro tem e eu conheci parte disso, mas tem muita coisa para conhecer ainda”.
Vandal
Fechando a conversa, Vandal comenta a importância de ter a visibilidade de ser chamado de pioneiro e volta a tocar no assunto xenofobia.
“É até difícil eu me colocar como parte de uma ‘cena’. Eu não deveria ter que me colocar, as coisas deveriam acontecer naturalmente, caso não existisse essa xenofobia por parte de Rio e São Paulo.
Tudo parte do processo de xenofobia vindo de São Paulo e do Rio, pelo fato dos caras só olharem pros próprios umbigos. Os caras não têm uma visão apurada de pesquisa, a não ser a pesquisa internacional que eles têm. São Paulo se acha Nova York, de uma certa forma, o Rio bebe de várias vertentes de pesquisas de fora, mas ninguém olha pro Nordeste.O trap a gente já faz há muitos anos na Bahia. Nomes como eu, como Makonnen Taffari. O drill e o grime eu já faço há tempo. As datas estão aí e comprovam, mas a xenofobia faz com que isso não venha à tona. Não é um lance de exigir um pioneirismo, até porque a gente faz estilos de músicas que não foram criados por nós. A música criada mesmo na Bahia é o pagode, o groove arrastado, mas se falar de pioneirismo é necessário pelo simples fato de combate à xenofobia. Só reclama de pioneirismo quem nunca foi precursor de nada.
Os artistas do Norte, de Belém, etc, até do próprio Sul do país, também não estão completamente inseridos nesta famigerada cena. Eu acho que o Brasil é um país grande e não se enxerga.
Seria muito interessante se os artistas entendessem a importância de um trabalho de não só ‘um Vandal’, mas dos artistas do Norte do país, do Sul, das outras regiões em si.
Falando por mim, seria muito interessante se os artistas de São Paulo e do Rio vissem o esforço que eu tenho de criação, a história que tenho e a verdade que eu possuo e me colocassem no local que eu mereço que é o local de um real one, um OG do processo.
Não é soberba, nem dizer que é melhor que ninguém, eu só quero ser enaltecido como um artista fomentador de possibilidades musicais e estéticas. O nome Vandal tem que vir atrelado a pioneirismo, musicalidade, moda, comportamento, etc.
Além do mais, toda xenofobia ainda presente derruba por terra essa tese de que o ‘Sulicídio‘ trouxe a visibilidade ou colocou o Nordeste na cena. Este episódio agora do drill e do grime derruba essa falácia de que ‘Sulicídio’ resolveu a vida da gente aqui no Nordeste”.
Vandal
A(s) Bruta(s), A(s) Braba(s), A(s) Forte(s)
Este é um jogo que “brutas, brabas e fortes” também podem – e devem – jogar.
Adentrando na cena artística como DJ, em 2017, N.I.N.A conheceu o grime através de um show de SD9, no Rio de Janeiro, em um evento que ela também se apresentava.
Conforme ia aumentando o contato e a amizade com SD, N.I.N.A foi conhecendo melhor o mundo do grime através do amigo, que lhe apresentava as vertentes do gênero e a incentivava a começar a rimar.
Até que o primeiro movimento veio. Ao lançar o seu primeiro som, batizado de “A Bruta, A Braba, A Forte“, com direção de produção de Matheus Terra e mixagem/masterização assinada por Rsmasters, N.I.N.A estreou no mic.
Sobre o crescimento da nova cena e a sua posição nela, N.I.N.A conta que pretende “explorar muito” o UK drill e o grime.
Ela revela que já tem mais dois sons gravados, sendo um deles com SD9.
De fato, está rolando uma crescente muito grande desta cena. É surpreendente e também gratificante ver que a galera tá saindo da zona de conforto.
Pretendo explorar muito o UK drill e o grime, inclusive, já têm dois sons gravados em grime para sair mês que vem com uma galera que imagino que vão gostar. Um deles é um feat. com o SD9.
N.I.N.A
Ao ouvir o primeiro som de N.I.N.A, é perceptível o uso de uma linguagem real e explícita. Ela explica como se dá a sua forma de expressão.
A importância de mandar esse papo reto é suprir as necessidades que eu via em mim antigamente. Eu sempre fui muito relacionada a música e eu sempre senti falta de pessoas – tanto mulher quanto homem – falando uma linguagem que eu pudesse me identificar. É muito difícil você ver mulher preta fazendo música e ver essa galera sendo real, botando a própria essência naquilo.
Quando eu comecei a dar esse papo reto foi porque eu vi que as músicas que eu ouço não estavam chegando onde eu moro e eu tinha que sair da minha zona de conforto, do meu lugar de origem, para conhecer algo que tem tudo a ver com o que eu vivo. Então, a importância desse papo reto é chegar em quem não tem como ir atrás e fazer essa galera escutar a verdade e se sentir representado, ao invés de fantasiar algo”.
N.I.N.A
Carioca e funkeira, N.I.N.A fala quais são as suas inspirações na música e comenta as perspectivas do surgimento de mais minas dentro deste universo.
“Sempre fui apaixonada por funk desde novinha. Quando eu era mais nova dava ‘pinote’ para baile, vivia indo em baile. De fato, o funk é uma inspiração minha. Eu costumo dizer que as minhas maiores inspirações são MC Kátia, a Fiel, e MC Carol de Niterói.
Desde que eu acompanho o surgimento do grime, eu não vi nenhuma mina levantar e bandeira e levar pra frente. Eu vi sim minas participarem do Brasil Grime Show, mas eu nunca vi uma mina chegar e falar ‘eu faço grime, eu faço drill’. Nunca vi elas saírem da zona de conforto e botar o som na pista para ver como ia ser pesquisar e estudar a parada.Talvez, possa rolar uma pegada parecida com o funk, de ter bastante mulher MC no bagulho, mas eu acho que é muito do querer, é muito questão de identificação. Quando eu comecei a fazer o drill foi algo que eu escutei e falei ‘é isso que quero fazer’. Aí são meses de preparo, meses de estudo, e muita vontade de botar pra frente porque sendo franca: tudo relacionada a música é muito mais puxado pra mulher, inclusive na dedicação.
N.I.N.A
Durante a conversa, N.I.N.A citou a soteropolitana Áurea Semiseria, que, apesar de nova, já é relíquia da cena underground soteropolitana.
Apesar de ainda não ter lançado oficialmente um som de grime na pista, A Carreta da Onze, codinome que Áurea usa em referência à Cajazeiras 11, bairro onde foi nascida e criada, já vem dialogando com o ritmo há muito tempo.
Ela já foi ao Rio de Janeiro participar de um programa do BGS e recentemente colaborou para o lançamento do seu primeiro brinquedinho de UK drill, que é a música “kabuki” feat. Faustino Beats, de Salvador, assim como Áurea.
Diferente do que a maioria esmagadora dos UK drills apresentam, a track de Faustino e Áurea tem uma vibe toda romântica.
Áurea conta como se deu o processo.
“Eu nunca tinha ouvido um drill romântico antes, e aí Faustino veio com a proposta do som. Quando ele me mandou o beat com a guia dele, eu fiquei louca. Tipo, 100% do jeito que eu gosto, bem desafiador. E, real, eu nunca tinha ouvido drill romântico, até conhecer o Isong. Foi muito foda participar”.
Áurea Semiseria
A história do primeiro contato de Áurea com o grime tem a ver com o RND, já que foi pesquisando para gravar o seu FreeVerse, antigo projeto da casa, que a menina de Salcity conheceu a braba Lady Leshurr.
“Eu me apaixonei pela Lady Leshurr enquanto pesquisava para gravar o FreeVerse e a partir dela eu conheci outros artistas.
Esse foi o meu primeiro contato. Acabou que eu não fiz o remix da música dela, cheguei a escrever, mas não fiz. Acabei fazendo de outro artista, mas já pensou eu lançar um? Maior onda, né?”
Áurea Semiseria
Áurea fala como a cena carioca dialogou com o funk par criar a sua identidade no grime e diz como é uma questão de regionalidade.
“O pessoa lá do Rio tem muita referência do funk. Tanto que uniu ele com o grime e eu achei ‘de fuder’.
Pode ser que a gente aqui faça alguma parada com o pagode. É bem possível que aconteça isso, porque vai da regionalidade mesmo, sabe? Eu tenho uma referência muito grande do pagode e os produtores daqui também são fodas, estão chegando com o grime e acho que vai ser bem bacana”.
Áurea Semiseria
A produtora do Brasil Grime Show, Yvie, fez o convite para Áurea colar no Rio e gravar um episódio da atração. Áurea conta como foi a experiência e fala de futuros projetos – tanto com o BGS e quanto à sua amiga N.I.NA.
“Eu recebi o convite de Yvie e aí eu corri atrás. Fui para lá o quanto antes pra gente poder botar este episódio pra frente e foi uma experiência muito louca, porque eu nunca tinha gravado um ‘ao vivão’ daquele jeito.
Foi foda, tanto a minha participação no Grime Execution quanto lá na Casa do Meio. A gente tem vários outros projetos para poder lançar. Ainda não conseguimos por conta da pandemia e tudo mais, mas vai acontecer muita coisa boa até o fim do ano.
Como também vai rolar um material com a N.I.N.A, com certeza vai rolar. Seria meu sonho também um episódio de nós duas no Brasil Grime Show. Gosto muito de N.I.N.A, foi um presente que o grime me deu, de verdade.
Áurea Semiseria
Por fim, Áurea comentou sobre as suas perspectivas sobre este novo cenário e o fato de estar surgindo como uma das “levantadoras de bandeira” da parada.
“Eu tô achando massa essa onda do grime e do drill ganhando voz aqui no Brasil porque é uma galera que trampa independente, principalmente, e vai começar a ganhar dinheiro com isso. A gente já tem vários exemplos de pessoas que fazem grime, o SD, Febem, Tárcis… e eu acho isso muito importante.
E se for pra levantar bandeira, a gente levanta, se for pra defender, a gente defende, porque é música preta, sacou? Continua sendo marginalizada pelas coisas que a gente fala e é isso”.
Áurea Semiseria
E este foi o nosso rolé. 😎
Fizemos uma playlist no Spotify de Grime, onde vamos atualizar com bastante frequência, então siga e fique de olho.
Recomendo mais uma vez que vocês deem o saque nas playlists de grime e drill atualizadas pelos caras do Brasil Grime Show para conhecer mais artistas que estão brabalizando por aí.
Obrigado por isso, BGS.
Minha arroba no Twitter é @hugohulgohg e estamos aí para trocar aqueles passes.
Fé pro grime, fé pro drill e, principalmente, fé pro underground.
Até a próxima.