6ok e Magro, integrantes do grupo capixaba Solveris, lançaram há algum tempo o EP intitulado “Amores Frescos”. São 4 faixas: “UH“, “DOSE DE NÓS “, “CALL ME” e “TANTO FAZ“. A temática do trabalho é vasta, pois aborda o amor em relação a outras coisas da vida cotidiana. Trampo, família, amigos, dinheiro, música, sucesso. Objetivos se misturam nesse universo que é cada ser humano. Tudo isso nos causa felicidade, angústia, saudade, sentimentos que trazem desde a euforia até o desânimo. Nessas horas a arte se torna uma válvula de escape, o coração berra afim de se expressar. Esse EP (que ouvi mais de 40 vezes quando saiu) fala sobre tudo isso. O título representa os sentimentos que ainda estão presentes, que estão… frescos. Frescos na memória, na vida, na arte. A ideia desse texto, é fazer quem lê-lo viajar e sentir essas canções assim como eu estou fazendo. Em frente então.
Vida
A vida é feita de altos e baixos, é impossível ser feliz o tempo todo. Creio que o mundo seria bem chato se todo mundo sempre estivesse em estado de alegria. São das adversidades e vitórias, mas não somente, que se produz arte. Apesar de a primeiro momento “Amores Frescos” parecer falar somente daquele romance inacabado, ou daquela relação em crise, o cerne do trabalho é muito mais abrangente. As responsabilidades permeiam o cotidiano, não da pra fugir, até porque a vida cobra. Senti que esse EP trata muito sobre as correrias do dia a dia. É daí também que vem a identificação com as linhas escritas por 6ok e Magro. Fazer faculdade ou ir atrás do seu sonho? Ter um trampo que dê mais dinheiro a curto prazo, mas viver infeliz? Questões como essa sempre pipocam na mente das pessoas, principalmente dos jovens. E quando se escolhe fazer o que gosta, mesmo quando o caminho traçado pode ser mais árduo?
Principalmente quando se vem de baixo, as coisas são mais difíceis. Magro, por exemplo, traz a vivência de ser um jovem negro no nosso país. O desejo de ter um gramado verde e sua família por perto. Por mais que seja de forma sutil, os dois cantores expressam suas experiências da forma que lhes foi colocada.
Responsabilidades
“Playground de gente adulta é trampo”. Essa frase do Djonga sintetiza a vida do povo brasileiro e também do artista independente. E já dizia Criolo, que são eles quem levam a responsa no peito. Mas por trás de toda pessoa que faz arte, há o processo que leva o resultado final. A cabeça não para, pois o tempo não para. Tem família pra sustentar e dar atenção, tem conta pra pagar, tem música pra fazer. É facilmente perceptível todas essas representações nas canções. Para além de fazer arte, as responsabilidades. Todas as linhas escritas são verdadeiras, pois foram feitas a partir da realidade do dois artistas, que inclusive moram juntos e estavam realmente com o condomínio atrasado na época.
“Na faixa Call Me eu me emocionei pra caralho pra gravar. Tem muita verdade ali sacou mano? É a primeira música que falo do meu filho, falo da minha família também. É muito real esse trampo”, conta Magro.
A fé em sua arte é o que impulsiona os dois a continuarem trabalhando. O resultado é para tocar as pessoas em algum grau. Os dois artistas entendem que o público se identificar com seus versos é sinônimo de que as coisas estão sendo feitas corretamente. O caminho é pensado a longo prazo, afim de entregar cada vez mais trabalhos de qualidade, que não seja algo de sucesso relâmpago, mas sim para construir o nome na história.
Amor
Em meio a tudo isso há as relações sendo cultivadas, as amizades, os amores. E o amor é abordado de forma muito sincera por Magro e Dok, não escondendo a parte das brigas, controvérsias, cobranças que os relacionamentos produzem. O nome Amores Frescos representa relações mais efêmeras, que nos complementam mas que acontecem de forma fulgazes. Pra mim foi isso que eu pude experimentar dentro desse trabalho artístico. Tudo soa feito com bastante sinceridade, com o coração no bico da chuteira. E nessa caminhada se aprende a abrir mão daquilo que se gosta, pois os objetivos profissionais não podem ficar pra trás. Você quer dar o melhor pra sua família, pro seus filhos. A estrada vira sua casa, o hotel seu quarto e a saudade, essa, bate com força. O estresse vem de brinde e ninguém é obrigado a aguentar nossas crises.
O peso desse amontoado de experiências em algum momento pesa, a solidão vira fera e devora por dentro. O EP traz esse momento, na minha opinião, com a música Dose de Nós onde 6ok canta que cansou de si mesmo. Óbvio que há outras interpretações, mas eu senti um misto de solidão, carência e vontade da outra pessoa. O pedido sincero é feito nessa canção. “Me sirva uma dose de nós!”. 6ok falou muito sobre esse trabalho ser algo de se sentir, para além de ouvir e se entreter. Eu mesmo gostaria de expressar várias coisas que eu senti ouvindo essas músicas, mas eu não consigo, pois foi só sentimento. Tem coisas que não se fala, se vive.
Influências
Magro e 6ok contaram ao RND que a grande inspiração do EP foi o álbum Blond do Frank Ocean. Magro fala que achou o trabalho trabalho do cantor estadunidense genial, algo único, um álbum completo em termo de letra e sonoridade. Mas essa não foi a única referência pra ele: “eu estava ouvindo muito o Thiaguinho, eu chapo muito nas composições dele, na forma que ele compõe. É tudo muito popular, é tudo muito simples, coisas do cotidiano”. O neo soul também não faltou nesse trabalho, que tem a intenção de ser o mais acessível possível.
O conteúdo abordado tem como plano de fundo beats muito bem construídos, levando aos nossos ouvidos instrumentais singulares e bem diferentes do que vem sendo feito no rap. A vibe é bem essa, além de sentir as letras, as batidas fazerm o seu corpo reagir de alguma forma, seja mais dançante, mais soul ou que tenha uma energia de mais paz. As faixas “UH”, “CALL ME” e “TANTO FAZ” tem produções do Dok. A faixa “DOSE DE NÓS” tem produção de Felipe Artioli. Mixagem/ masterização ficaram por conta de Filipe Artioli.
Abaixo, segue uma mini entrevista feita com os dois autores desse trampo foda.
RND – Além de vocês abordarem o amor, relacionamento, falam em como isso mexe com a nossa vida. Como você vê esse processo de tentar conciliar a vida cotidiana com o trampo, com o corre de musico que é 24 horas por dia, 7 dias na semana?
6ok – Tipo mano, nunca é fácil, é batido, mas a verdade é q a gente tenta pôr nas musicas a nossa melhor versão como artista/como pessoa e tem que saber separar o indivíduo do artista. Mas vivendo a música 24h por dia 7 dias na semana a gente acaba se conhecendo melhor como pessoa, como ser humano, como lidar com as adversidades do dia a dia, a fuga da rotina, tudo o que a gente faz, tudo fica na nossa cabeça. Não durmo direito já tem 1 mes, ao mesmo tempo nos torna único a ponto de reconhecer nossas fraquezas e trabalhar nelas em prol da carreira. No momento em que eu to vivendo e vivi pra escrever as letras e criar os beats desse EP, era eu desacreditar por um momento que eu não era capaz e pronto, já tava com o pé na porta da depressão. Então eu ignorei isso, fui mais forte e busquei minha melhor versão. A real é que no final das contas, quem escuta a gente só conhece uma mísera fração do que eu, Vitor, fiz pra tá ali saca. Ser músico independente hoje em 2019, não rapper/trapper, músico independente de tudo, na geração Z em q a gente vive, é uma jornada de auto conhecimento além de tudo. Não basta ser bom pros outros, tem que ser bom pra você e ponto.
RND – Qual foi a sonoridade a ser alcançada nem EP?
6ok – A gente tava chapando muito no álbum Blond do Frank Ocean a muito tempo. A sonoridade dos instrumentais com o que ele falava nas letras, muito singular. Até q a gente decidiu fazer uma fita nesse âmbito a qui no BR, não conhecemos trabalho com sonoridade igual a q a gente alcançou e o desafio já começa aí: fazer um EP fora da linha do consumo dos rap que a galera consome a qui. Mas o mesmo desafio que deu o gás pra gente fazer isso se concretizar ta ligado. Nem considero esse EP um trabalho dentro do rap apesar de ser o estilo q eu trabalho. A gente só queria falar dos nossos relacionamentos nuns beat nada convencionais, em vez de falar de amor nos beat de R&B. Ser sincero na pronúncia da palavra dentro do flow. Sentir o bagulho. Magro quase chorou gravando Call Me. Eu arrepiei cantando “e ela pediu pra ouvir meu soul”, tu já se arrepiou com a própria voz irmão? Eu nem sei como te explicar isso. Mas foi um dos trabalhos mais importantes na minha vida até hoje.
RND – Como manter a saúde mental sendo artista independente no Brasil?
Magro – Irmão, você fez uma excelente pergunta. Acrescento mais, como manter a saúde mental sendo artista independente em Vilha Velha, Espírito Santo. Ta ligado, o bagulho é mais embaixo. To aprendendo mano, porque realmente é muito dificil. A gente mata um leão por dia pra poder botar nosso som na rua, pra poder se preparar pra fazer um show da hora, ta ligado. E ter que lidar com contratante cuzao, com cena pequena, artista invejoso, público que muitas das vezes nem entende o que você ta falando, é complicado. Além disso tudo, ter que fazer seu corre pra ganhar grana, pra pagar suas contas, pra botar comida na boca do meu filho, pra pagar a escola dele, então é um dilema eterno. Mas a gente ama tanto isso aqui mano, que a gente arruma força. Graças a Deus, tem muita gente que acredita no meu trampo ainda. Isso me dá possibilidade de ta la no estúdio gravando, mas se nao fosse essas pessoas, nao teria jeito, ta ligado? Ai que entra aquela frase do Emicida mano, “fazer rima é a parte mais fácil”. Fui entender isso quando comecei a fazer meu corre.