Não é todo dia que a gente acorda com a notificação de que o canal da 0800 Crew tem lançamento. O Rap curitibano profissionalmente feito em casa voltou à cena discretamente neste fim de ano, com dois lançamentos de Chefe TF, enchendo nosso coraçãozinho de expectativa pro que pode vir em 2019.
Em hiato, o grupo formado inicialmente por Asiatiko, Dé Sayiajin, Rodrigo Zin e Chefe TF (e agora conta com Teix e Emicadablio), lançou uma faixa pela última vez no início de 2018, “Sem Dogmas“, e o clipe saiu pela Affluence Films.
Agora TF chega em companhia de seu amigo Bandeira Beats, com Inf Art, disco de 2014, anterior a formação do 0800 Crew, mas já antecipando seus vocais marcantes e outras características que vimos posteriormente no grupo.
Em clima de nostalgia e saudade, a intro é como um experimento de Chefe TF conversando com seu Eu do passado. O rapper conta que, no ano de 2014, em Porto Alegre, gravou um disco inteiro com o seu amigo Dj Bandeira Beats. Foi um tempo conturbado para eles e ambos acabaram não lançando esse trabalho, que graças ao Universo, saiu agora, dia 18 de novembro.
A mensagem de esperança nos conta que nesse tempo, Bandeira passou por momentos difíceis, mas 4 anos depois, ou seja, agora, ele acaba de ser papai. O disco todo vem com essa lição: pra gente continuar firme e pra eles também, porque tudo é aprendizado e evolução.
TF fala com carinho do amigo que se foi nesse ano, Fantoxi, grande referência na cena local Curitibana. Marcio fazia parte da Akimemu Produções, gravadora e coletivo de artistas independentes, responsável por fortalecer e produzir as tracks de muitos artistas da cidade. Ele foi artista, pai, amigo e será lembrado por todos como uma das melhores pessoas que surgiu no hip hop daqui.
A faixa continua com menções a Castaña (dona de um dos melhores EP’s femininos de CWB, produzido por Bface), músicas de amor e a lembrança dos amigos da 0800 Crew, com carinho. No fim, ele agradece por ainda estar aqui e não ter entrado no clube dos 27! Nós também agradecemos!
As faixas falam sobre as a problemática social e fazem uma reflexão interna sobre as dificuldades no rap e na vida pessoal. Fácil de se identificar né? Ontem quando dei o play, antes da segunda faixa comecei a chorar. Uma vulnerável mistura de coisas que precisamos ouvir com a jornada intensa de conhecer estes artistas tão reais em seus trabalhos.
Diante de um trabalho tão intimo, resolvi trocar uma ideia com TF para entender direitinho esse trabalho. Como nossos horários não batiam, conversamos de maneira informal pelo WhatsApp tanto sobre o disco, quanto sobre a vida; vocês podem conferir tudo abaixo:
Com quem eu to conversando Sad TF, Chefe TF, Daddy TF? Ou teria um “Novo TF” pra gente conhecer em 2018 e 2019?
TF – É engraçado como o prefixo na frente do meu nome sempre causa confusão, mas em 2014 eu só tinha o vulgo de Chefe TF, que vem da minha maior influência na maneira como vejo o rap e o mundo, que é um MC português chamado Boss AC. Ele faz você ouvir e rever seus conceitos sempre que apresenta um som mais sério, como tentei fazer nesse álbum. Sempre tenho um TF pro futuro, sempre melhor, tanto nas rimas como na forma de encarar as coisas, ou como diria o próprio AC “cada vez escrevo menos mas acho que faço melhor”.
A gente sente que lá em 2014 existia uma mensagem forte sobre desigualdade social e opressão do sistema. Como você tem visto o futuro (que a gente já vive agora), depois das eleições e com todos as responsabilidades da vida adulta? É na música que você encontra um jeito de não se submeter e se conformar com as circunstâncias?
TF – Eu tenho um grande receio sobre o futuro, os problemas que existiam no passado ainda existem, a diferença é que antes a gente tinha um fio de esperança em mudar a situação. Hoje o povo fecha os olhos e diz que tudo vai melhorar, mas se perguntar como vai melhorar, não sabem responder. Essa eleição serviu pra mostrar o quanto estamos cercados de pessoas que não se importam com os problemas de maneira geral, gente cheia de opiniões, mas sem nenhuma informação como base. Vi muita gente pedindo mudança nem que fosse pra pior e isso é absurdo, nunca se deve apostar em algo que não tem nenhum ponto positivo, isso não é esperança, é idiotice e infelizmente o país mostrou-se em sua maioria, idiota.
Na música e na arte em geral, eu me sinto no dever de abrir os olhos do maior número de pessoas possível. Seja pra política, religião, ou conceitos que devem ser reformulados. Meu rap também é egotrip, amor e festa, mas sempre sem esquecer dessa parcela de responsabilidade que temos em passar uma mensagem e tentar mudar algo quando estamos com o microfone na mão.
O disco tem músicas que falam sobre o desafio paradoxal em relação ao conhecimento e sanidade, causa e cura e contradições que a gente vive de uma maneira geral. Fala também de suicídio, liberdade, Deus e sobre o céu estar dentro da gente. Essas ainda são questões importantes e presentes na sua vida?
TF – Vivemos numa constante gangorra entre saber demais e sermos tristes ou ignorar determinados questionamentos e sermos felizes acreditando cegamente no que nos convém. É muito mais fácil e agradável eu te dizer que tudo vai ficar bem, que um homem invisível está cuidando de você, que quando você morrer vai morar em lugar melhor e eternamente feliz.
É mais confortável do que eu questionar essas coisas, tentar entendê-las ou conhecê-las pode ser um caminho sem volta. Gera várias perguntas internas muitas vezes sem respostas e essa falta de respostas cria uma angústia principalmente para as pessoas ansiosas da nossa geração. Ninguém quer perguntas, perguntas são um problema, as pessoas preferem achar que o que acreditam é o certo e inquestionável. Você não tem liberdade pra dizer o contrário do que acreditam, experimenta dizer que deus não existe pra alguém que acredita fielmente, a pessoa surta, vai dizer que é o diabo que está fazendo ter esses pensamentos. Não precisamos nem ir tão longe, na época da eleição as pessoas defendiam os candidatos e fechavam os olhos pra qualquer coisa errada que você apontasse sobre eles. Ninguém quer a verdade, geral só quer estar certo.
Sobre as questões que levanto no disco são muito importantes e presentes desde muito cedo pra mim: é um ciclo, suicídio é um tema recorrente nas minhas faixas mesmo que de maneira implícita. Hoje, vemos mais artistas falando sobre isso e sobre depressão, a faixa “A maior coisa que alguém pode ter” é sobre isso. A tristeza é essa coisa, ninguém fica tão feliz ao ponto de se matar, olha o poder que a tristeza têm. Esse é um assunto que renderia uma conversa só sobre isso e é um ponto que deve ser mais discutido na atualidade, enquanto temos maior liberdade pra isso.
A liberdade que eu tento apresentar é você poder falar e perguntar sobre o que quiser, ter o conhecimento é ser livre das verdades absolutas que impõem sobre nós ao longo da vida.
Uma dessas tantas verdades impostas é deus, o deus que eu questionei na música “Onde está o seu deus” é o dinheiro, que muitas vezes tem importância e o foco principal das pessoas que dizem estar levando a palavra de deus, o conforto espiritual é só um produto vendido por pessoas que exploram a fé de quem não tem liberdade pra questionar e prefere comprar um pedaço do céu com seu silêncio sobre o assunto.
Por sua vez o céu, bem, eu não acredito em algo pós vida, eu imagino que o céu a gente faz através das nossas atitudes.
Céu pra mim é fazer a minha filha dar risada, sentir o abraço e o carinho dela sempre que a vejo, ver a mãe dela feliz, as pessoas que amo felizes me fazem encontrar o céu sem precisar morrer, o que completa nosso ciclo me afastando das tristezas que foi o primeiro tópico da resposta.
Os samples de samba já eram fortes em 2014, como em Filosofia (referência a música de Noel Rosa) e foi uma característica que a gente viu voltar quando a 0800 Crew lançou ‘Nome Sujo’. Você considera que o samba faz parte da sua formação musical e é algo que a gente deve esperar que continue a aparecer nos seus trabalhos ou ficou mais no passado e agora você deseja explorar novas possibilidades?
TF – Não só o samba, mas a música brasileira em geral é muito rica e eu gosto muito de usar tanto nos beats, como nesse trabalho, que temos o sample do Noel Rosa e também uma faixa com sample do Jorge Ben Jor. Também gosto de fazer referência a músicas brasileiras nas letras, que você pode conferir também em outros trabalhos como“Ela é sem comparação“ que faço referência a muitas músicas brasileiras, ou a participação que fiz com o Josbi em uma música dele chamada “Mais uma mina“, na qual minha parte é inteira citando referências as letras do Tim Maia. Pode ter certeza que esse tipo de influência musical sempre estará presente nos meus trabalhos.
O Bandeira é o melhor nome quando se trata de fazer beats com samples de música brasileira, se o Marcelo D2 se juntasse com o Bandeira sem dúvida seria material pra mais uns 10 discos!
De quem foram as ideias GENIAIS das citações do Clóvis e do Enéas; fez parte da composição do disco conversar com o Bandeira sobre essas inserções? E vocês pretendem trabalhar juntos de novo?
TF – Eu gosto muito de escolher as colagens do disco, tanto o discurso do professor Clóvis quanto o do Enéas casaram certinho com o que eu gostaria de transmitir ao ouvinte. O trabalho do Bandeira foi fazer com que esses discursos fossem inseridos no disco sem se tornar algo maçante pra quem ouve. Sem os beats de background provavelmente seriam faixas que as pessoas pulariam.
Sobre trabalharmos juntos, fazemos isso desde que nos conhecemos em 2007/2008 quando o Fantoxi nos apresentou. Viramos grandes amigos, em 2012 gravamos um disco inteiro juntos, em 2014 numa das várias vezes que fui até a casa dele, gravamos o Inf Art em 4 dias. Em 2015 ele participou também com riscos no disco Liga Noiz da 0800 e produção de singles pro grupo, e no disco Nome Sujo também foi responsável por alguns Beats.
https://www.youtube.com/watch?v=GKrdlcFkyec&list=PLPe3Qwvr7nPW8e9Gdsd6g6huzF5XXu_gL
Deem o play nesse disco maravilhoso, no qual minha preferida é “Despedidas”.
Estamos trabalhando em mais coisas e enquanto eu fizer rap o DJ Bandeira vai estar do meu lado, ele foi o primeiro a acreditar no que eu faço.
Você comentou na intro que o Bandeira agora é papai e sabemos que você também, depois da sua música com a Castaña sobre a Íris. Como você vê a paternidade dentro da sua carreira artística? Íris deixou os dias menos cinzas e te tornou mais aberto e vulnerável musicalmente (algo que vimos nos últimos trabalhos e na intro emocionante desse disco)?
TF – Minha filha foi o maior presente que já ganhei, sem dúvida ela é o melhor motivo pra eu ressuscitar aquela vontade de mudar o mundo que os MC’s tem (ou pelo menos deveriam ter) no começo da carreira. Uma vez a mãe dela me disse algo do tipo “você já parou pra pensar que mesmo depois que a gente morrer ela vai poder ouvir a gente nas músicas que deixamos gravadas” e é mágico imaginar isso. Essa coisa de ‘o que você vai deixar pros outros lembrarem de você’ sempre esteve aí, mas quando você tem um filho isso fica mais explícito na sua mente e você se preocupa o dobro em fazer algo bom.
Mais duas coisinhas: qual você sente que é a sua melhor canção de amor?
TF – Eu acredito que não tenho uma melhor canção de amor, para mim todas as que fiz do álbum Painkiller pra frente são as melhores, eu realmente coloquei o coração nisso. As que mais tenho um carinho especial são a faixa título do álbum que é a “Painkiller”, porque foi um freestyle em um áudio de WhatsApp que acabou virando aquela letra. E uma outra que é uma das menos ouvidas, chamada “A corda, meu amor” do mesmo álbum. Talvez esses, juntamente com o som que fiz pra minha filha, sejam minhas canções mais pessoais de amor.
A última faixa “Voltaremos” pode nos dar alguma esperança de uma volta real e mais constante dos seus trabalhos solo e da 0800 em 2019?
TF – Com certeza voltaremos! Sobre a 0800 eu sou um grande entusiasta que volte, ainda mais na formação nova com Asiatiko, Dé Sayajin, Rodrigo Zin, Teix e Emicadablio, não consigo ver um grupo com mais nomes bons reunidos. Mas como todos estão ocupados em suas vidas ou projetos solos, não temos uma garantia de quando a 0800 completa irá lançar algo.
Mas da minha parte, estou pensando em algo solo mais uma vez em parceria com DJ Bandeira e podem esperar boombap com raps nessa linha do disco Inf Art, meus clássicos em egotrip e “150 sons de amor sobre a mesma mulher” como diria o Froid.
Voltaremos!
Também estou fazendo um álbum em parceria com o Asiatiko, já começamos a escolher beats e temas, e esse provavelmente será gravado e lançado antes. Tudo isso é pra 2019, espero não atrasar.
Eu e a família RND também esperamos que não tenha atrasos!
Enquanto isso, vocês continuem ligados nas matérias para outras ótimas notícias sobre o cenário curitibano. 😉