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Com a palavra, Janine Mathias sobre: ‘As dores e delícias de ser uma artista negra no Brasil’ em plena semana da consciência negra

Recentemente a cantora Janine Mathias (DF), lançou seu primeiro disco intitulado ”Dendê”, onde relata um pouco de sua ancestralidade e vivências, que passeiam por diversos estilos musicais, desde o rap até o samba. No Brasil, o ”Dia Nacional da Consciência Negra” é celebrado no dia 20 de Novembro,  uma data dedicada à reflexão sobre a inserção do povo negro na sociedade brasileira, e também escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo no período colonial, um verdadeiro símbolo de resistência contra a escravidão.

Vamos falar sobre uma grande e triste realidade. O Brasil ainda é um país onde quem mais sofre com esse machismo doentio, infelizmente é a mulher negra. Quem mais sofre com violência policial, agressão, preconceito, é o povo negro, assim como a hipersexualizaçao, ou seja, quando uma pessoa é vista como um objeto sexual e sua valorização se dá apenas por este apelo ou comportamento.

Bom, como respeito é bom e todo mundo gosta, é necessário não apenas respeitar, mas sim perceber que esse discurso de ”Somos todos iguais” não rola amigo, desde que o mundo é mundo, me desculpa. Ainda sim, é necessário ser muito didático para que as pessoas entendam seus imensos privilégios e se em meio a toda problemática você ainda sente confortável e acha que tá tudo no lugar, você está precisando se informar a respeito de ”Consciência humana”. No mais, Zumbi vive, Dandara vive e Marielle Franco, PRESENTE! Com a palavra, Janine Mathias.

Novembro negro, mês da consciência negra, mas eu, eu sempre estive aqui. De janeiro a janeiro, em todas as estações, representada por todo Brasil. Nesse período, nós sabemos, os olhares se concentram em nós: matérias, exposições, programações musicais. Agendas e mais agendas e, claro, muito trabalho.  Mas, para além de um único mês, ou quem sabe, uma única data. Nós sempre estivemos aqui. O apagamento carregam dores, mas o nosso orgulho é temperado por diversas delícias.

Eu acredito que exista uma conexão forte entre as dores e as delícias, pois me sinto honrada em ser quem eu sou, ao mesmo tempo em que percebo que existe uma literal posição de resistência sobre o fato de eu existir, como se isso não fosse algo aceito. Logo, eu me sinto muito no lugar de resistência, onde eu gostaria de ter uma condição estrutural de simplesmente existir.

Quando falo em racismo é um pouco difícil mensurar a importância de ser uma mulher negra e cantora no meu tempo.  Porque se nós mulheres negras somos as que recebem menos da metade dos salários de uma mulher não negra, então nós estamos falando de uma estrutura social e de representatividade. Resumindo: É um verdadeiro peso que eu não tenho que carregar.

Existe também um duo: ao mesmo tempo em que me chamam de guerreira, me chamam de rainha. Uma rainha pode ser guerreira, será que ela deve representar os dois? Bem, eu me questiono todos os dias e isso é importante.

Estou na posição de agente de transformação, eu tenho muitas experiências. Recebo retorno de pessoas que foram no meu show, que me ouviram e que me ouvem. Então, nada mais importa. Esse é o meu maior combustível. Porém, enquanto mulher negra, também me sinto responsável por dar continuidade a minha história. Escolher produzir e distribuir meu disco, meu trabalho, é fazer história. Afinal, o que eu poderia ter sido se a música não tivesse entrado na minha vida?

Minha ligação com a música veio por meio da minha família, meu pai e minha mãe. Meu pai carioca, minha mãe, oriunda do interior da Bahia. Meus avós, materno e paterno, foram para Brasília durante a fase da construção da cidade, local onde meus pais se conheceram. Essas referências foram de grande influência para minha formação enquanto pessoa, eu ouvia muita coisa.

Pai sambista, cantor, precursor de rodas de samba em Brasília. Mãe apaixonada por música internacional. E o rap? Ah, a ligação com o rap veio dos locais onde morávamos, na periferia de Brasília, chaparral, QNL, divisa com a Ceilândia.

Na adolescência virei evangélica e nesse sentido eu comecei a ter um maior contato como cantora na igreja. Fui ministra de louvor e gravei participações de rap gospel. Me mudei para Curitiba e assim fui descoberta musicalmente. Eu já escrevia composições, e acredito que a distância de casa foi meu verdadeiro start. Eu comecei a compor e identificar: isso é música, é trabalho. Sempre sem nenhuma intenção específica a música foi algo que fluiu naturalmente, eu fui aos poucos conseguindo fazer dela minha profissão.

Rap, samba, soul. Não existia uma direção, existia uma vontade. Eu acredito que as músicas chegam a mim, até mesmo com uma melodia. Isso é muito magnífico.  A música transformou a minha vida, em todos os âmbitos. Eu não tinha nenhuma dimensão de que isso chegaria a ser a minha profissão, e hoje, estou há dois anos vivendo desse ofício.  Agora, fazem exatos dois meses que lancei meu primeiro disco, Dendê, obra colaborativa com direção e produção Eduardo Brechó e Renato Parmi. Isso é um sonho, meu trabalho, transmitir minha vivência intensa com a ancestralidade e os ritmos advindos do samba, hip hop e da música negra em geral.