Esse é um texto bem pessoal mesmo e eu estou de mau humor. Decidi escrever essa matéria voltada para os artistas homens no geral Eu quero falar com vocês, aos meus leitores que não são artistas, prometo que vale a reflexão também.
Recebi uma notificação de que o abacaxi liberou um novo som: “Diss que te ama“, uma música de Mãolee, Akira Presidente, Xamã, Kayuá e Bk’. Só de ler o nome já me deu uma preguiça enorme de dar view, mas como jornalista e fã do BK, resolvi dar meu play e encarar estes quatro minutos e meio (de irritação).
Começou com um beat de trap que é chato, não estou dizendo que é ruim, estou dizendo que me dá preguiça. Já entra o Akira com a linha mais inédita dos seus trabalhos:
“Father, father, father, father!”
E continua com: “Tô tentando não olhar / Enquanto outras pernas abrem”. Mulheres, minhas manas do coração, vocês não servem apenas para ser objeto sexual, então comecem a reclamar dessas músicas que nos tratam apenas como uma boceta, tá? Homens, sei lá, apenas melhorem. Então vamos adiante com um trecho do Kayuá:
“Hmmm, ela diz que me ama.
10 mil na conta meu mano essa semana.
Lembra do tempo em que tudo era lama.
Onde tava esse amor quando o chão era cama”
Novamente eu conclamo, rappers deste meu Brasil, vocês devem ir tratar na terapia os seus problemas de só se sentirem amados e desejados quando tiverem grana. Gostaria de lembrá-los, que tem muita mina trabalhando de sol a sol, nem toda mulher quer seu dinheiro. Mulheres são seres humanos complexos que, como vocês, tem outros interesses e necessidades para suprir, sejam elas sentimentais, sexuais, amorosas, conexões, amizades, enfim.
Rapidamente, eu quero fazer uma pontuação sobre a música “Quem tava lá?“. Luccas Carlos aparece enchendo o saco com:
“Oh-oh, quer colar comigo,
Porque sabe bem quem eu sou,
Te peguei no erro,
Oh-oh, era só mais uma puta disfarçada”
Eu quero dizer que adoro o som Luccas. Um pequeno parêntese que irei fazer aqui, pois faz três semanas que fui no show dele e é muito bom, entretanto, esse verso é uma merda e chamar mulher de puta é machista para caralho. Estamos falando de uma música do Costa Gold, então eu nem preciso falar sobre o Nog e o seu verso sobre estupro.
Mais para frente Xamã diz:
“Meu sonho é tacar na Anitta”
Esse é o mesmo artista que lançou o EP “Pecado Capital“, que conta com a música “Pecado” e que tem a participação do Nog fazendo apologia ao estupro. Bom, eu não entendi direito o verso, porém, se o cunho for sexual, tá provado que rapper tem prazer em objetificar essa artista. No histórico sobre Anitta contamos com MC Marechal a objetificando no Instagram e Diomedes Chinaski em “Poesia Acústica 2“, confira aqui o verso de Chinaski:
“Sentimento grande, não da pra evitar. Parece a bunda de Anitta e Pabllo Vittar”
Assim, a gente não está nem aí para quem vocês querem comer. Ficar citando a moça assim é uma extrema falta de respeito e criatividade. Tantas coisas que podemos dizer sobre a Anitta, como o seu sucesso em sua carreira, ainda mais que agora alcançou níveis internacionais, enquanto isso vocês estão falando da bunda dela, que vergonha!
Vou encher um pouco menos o saco sobre esse verso do BK:
“O verso que as mina tira o biquíni”
Por que nesta parte o rapper pode estar se referindo aos versos realmente instigantes que ele faz, inclusive, preciso fazer um adendo em relação ao disco, que está maravilhoso. Algumas músicas do disco são ótimas e merecem entrar na nossa lista de fuckmusic, porém vamos parar de retratar mulher apenas como objeto de prazer masculino, por favor!
Vou usar outros versos que o BK disparou nessa música para explicar um ponto diferente:
“Aí vão reclamar, BK’ tu não para de se afirmar /
Não mano, isso é exemplo pros mano que ainda não aprenderam a ganhar / Papo de empoderamento fere o seu racismo, isso é óbvio /
Ta me entendendo?”
Essa é uma justa colocação, negros precisam de representatividade e exemplos de sucesso na nossa sociedade. O movimento hip hop baseou-se nisso inclusive, com sua associação a famosas marcas de moda, joias, letras que exaltavam sua descendência. Algo que já falei em um outro artigo escrito aqui no RND. Entretanto, já que os rappers sabem que são exemplos, sejam bons exemplos, poxa! Passem a retratar melhor as mulheres quando as referenciarem em suas músicas.
O que dizer sobre o clipe? Este audiovisual, embora muito bem feito em relação a estética e captação de imagens, coloca mulheres como assessórios no cangote dos artistas, em cima da cama com eles, paradas ao lado deles, como postes, e em situações sexuais. Preciso mesmo dizer quão problemático é isso?
Essa história toda me lembrou uma ótima discussão sobre o papel da mulher dentro do hip hop e como somos retratadas dentro do movimento.
A década de 90 e os anos 2000 estiveram povoados de clipes de hip hop com mulheres chamadas de a video vixen, hip hop honey ou video girl. Em um breve resumo, os clipes com produções caríssimas traziam modelos, em sua maioria negras e latinas, em situações provocantes e objetificadas. Foi construído um arquétipo de mulher que hora era frágil e submissa, hora era manipuladora e fetichizada.
Um estereótipo no qual mulheres estão disponíveis para rappers, colocando-os numa situação de poder. Isso lembra o clipe da música “Diss que te ama”?
Vejam bem, desde que consensual e totalmente consciente, as mulheres com certeza tem o direito de escolher com o que e como desejam trabalhar. Inclusive, no caso das vigexns, elas recebiam bem por seus trabalhos e a uma parcela que defende estes vídeos, pois retrata que a mulher negra nunca antes havia recebido este espaço de sex symbol. Porém, em Confessions of a Video Vixen, de Karrine Steffans, ela retrata sobre a profissão, fazendo um grande alerta em relação aos perigos da romantização do hip hop, citando abusos de álcool, drogas e assédios sexuais.
Hoje, ainda vivemos os efeitos deste momento no rap mundial e do machismo geral em nossa sociedade. Artistas mulheres sentem substancialmente esta pressão, sendo desvalorizadas em relação ao cachê, quando comparados com cachês masculinos e tendo realmente menos oportunidades que os homens dentro indústria. Nem preciso voltar a citar a pressão em relação a imagem, a forma como são utilizadas nos clipes. Vocês já repararam como ultimamente todo clipe parece vídeo de soft porn?
Deixo aqui um documentário para vocês conhecerem mais das Vixens:
Temos péssimos exemplos de letras machistas no rap nacional, que em sua maioria, vilaniza mulheres e as coloca como interesseiras. Em “Mulheres Vulgares“ e “Em Qual Mentira Vou Acreditar” do Racionais MC’s, Emicida em “Trepadeira“, Shawlin em “A Raiva“, o próprio Quinto Andar em “Vai Vendo“, Falar do Quinto Andar dói em meu coração, pois eu realmente gosto deles, mas no contexto geral, cansa ouvir que mulher é interesseira, já deu, está na hora de virar o disco.
Deixo aqui meu mais sincero apelo
Parem de retratar mulheres como objeto sexual ou estereotipadas como interesseiras. Estamos cansadas, vocês precisam urgentemente desconstruir o machismo, todos nós precisamos. Problematizar letras inadequadas faz parte dessa desconstrução.
Depois de tudo isso, eu só queria dizer, que eu desejo a todas as mulheres, maravilhosas, de todo mundo, que vocês tenham a auto estima de um rapper, homem, hétero.