É com o maior pesar e tristeza que começo essa matéria contando (pros fãs de rap que ainda não sabem, o que é meio impossível), que Mac Miller faleceu, vítima de uma suposta overdose, em sua casa na Califórnia, na sexta-feira, 7 de setembro.
Miller faz parte da minha vida, naquele estilo: queria ser amiga desse cara! Uma personalidade doce, tatuagens incríveis, uma evolução musical absurda nos últimos anos, vulnerabilidade e habilidade de expressar suas dificuldades em melodia e letra.
Uma pessoa como eu e você, mesmo tendo uma vida tão diferente. Um músico MUITO amado por todas as pessoas próximas a ele, principalmente na cena do Hip Hop. Sua falta está sendo sentida, mais de 22 artistas prestaram homenagens a ele, mais de 3 mil fãs estiveram presentes em uma vigília no parque Blue Side, em Pittsburgh. Artistas participaram pintando, desenhando, e apresentando-se ao vivo.
Malcolm McCormick tinha apenas 26 anos e era um expoente na cena de rap da Costa Oeste. O artista fez sucesso com o álbum de estreia Blue Slide Park, que em 16 anos foi o primeiro disco independente a chegar ao primeiro lugar da Billboard. E no início, lá em 2000, ele usou o YouTube e a social media pra criar uma fã base imensa que só foi aumentando. Ele sabia fazer música e sabia fazer marketing… Era o sonho dele desde a escola e ele foi genial!
Miller era uma estrela e não temos dúvidas. Agora mais que nunca… Miller era amado. Mas sua genialidade andava lado a lado com suas batalhas pessoais. Ainda assim, ele acreditava em dias melhores…
No matter where life takes me, find me with a smile
Pursuit to be happy, only laughing like a child
Pô, cês sabem, o universo mandou uma mensagem pra TODOS NÓS dia 7. Muito além das nossas lágrimas… Não dá pra ignorar mais, não dá pra fingir que tá tudo bem!
Neste documentário feito há alguns anos, Mac diz: “Eu preferiria ser o rapper branco e grosso do que a bagunça drogada que nem pode sair de casa. A overdose não é legal. Não há nada legendário. Você não entra na história por causa da overdose. Você simplesmente morre.”
Em seu perfil para Vulture: “Também não quero só tristeza. O que quero é não estar deprimido. Quero ser capaz de ter bons dias e maus dias.”
Então, por favor, não vamos esquecer McCormick! Vamos possibilitar que uma discussão exista a partir da nossa perda. Não queremos mais ninguém morrendo por isso. O legado de cada um há de ser maior que a tragédia.
Eu queria muito que todo esse texto fosse apenas sobre o Mac, suas rimas inteligentes e leves e sua produção impecável, sua personalidade amável. Sobre minha lembrança dele no show do Lolla desse ano, há poucos metros, bem no meio da plateia… Vivo, enérgico, feliz, descendo do palco, mandando o famoso “Fuck Donald Trump”.
Mas, infelizmente, o assunto vai além de despedidas e saudade. É sobre nossa responsabilidade com a saúde e estabilidade psicológica do outro. É sobre a história do Hip hop e como as overdoses tem tornado-se comuns. É sobre o abuso de substâncias e álcool.
Existe uma generalização de que as culturas costumam ser representadas pela droga da vez e isso é extremamente preocupante. E também acontece no rap. Vou explicar: Genius fez uma análise sobre as drogas e sua relação em 30 anos do hip-hop. Segundo eles, nesse tempo, rappers tanto prestaram homenagem e glorificaram o uso, quanto tentaram alertar para os danos que as drogas (tanto as prescritas quanto as ilegais) podem causar.
Aparentemente, a década de 80 era muito mais consciente em relação aos perigos do abuso de drogas e a questão central era a liberação do uso de maconha, que se perpetua até hoje.
Mas a década de 90 trouxe uma mudança crucial para a realidade dessa cultura, as letras sobre drogas tornaram-se 45% de todo o assunto do rap. Esse crescimento é algo que sincera e pessoalmente, considero grave e nocivo para artistas e fãs. Existe um elemento performático em jogo, a imagem desses artistas, representada em letras e comportamentos, além do que cantam, na forma como se vestem e se expressam.
“take an X pill, how the sex feel?”
Dr Dre em Bad Intentions,
“MDMA got you feeling like a champion / The city never sleeps, better slip you an Ambien”.
Jay-Z’s Empire State of Mind
“a whole party melting like Dali
Kanye West em Mercy (Explicit) ft. Big Sean, Pusha T, 2 Chainz
Há toda uma indústria que glamouriza o uso de drogas, e estou obviamente falando de músicas que retratam o uso recreativo sem preocupar-se com os danos… Não falo sobre quem canta abertamente sobre suas lutas contra a dependência.
Uow, óculos do Kurt Cobain
Raffa Moreira (Lil Raff) em Bro
Double cup, Sprite, Codein
Mais recentemente, tem sido citada a relação entre remédios para transtornos mentais e psicológicos e o hip hop. Remédios para a ansiedade e depressão, como o alprazolan, conhecido comercialmente como xanax nos Estados Unidos, têm sido largamente usados de forma recreativa e isso é MUITO grave.
Quantas vezes você já ouviu em um rap, ainda que sutis, citações sobre lean, mdma, cocaína, syrup, oxy, codeína?
That shit is real…
Fato é que para uma pessoa saudável, o uso recreativo de qualquer substância parece realmente algo insignificante, mas não é! Quem tem propensão à dependência, depressão e outras doenças, são fortemente incentivados por essa atmosfera performática do hip hop de manter-se sempre entorpecido. E isso pode ser fatal, como foi no caso do Mac em 2018, Dj Screw em 2000, Ol’ Dirty Bastard em 2004, Pimp C em 2007, além de Chris Molok, Clark Bonne, Lil Peep em 2017.
Há um motivo para analgésicos opioides (codeína e etc, morfina), ansiolíticos e benzodiazepínicos serem receitados: PATOLOGIAS. São fármacos usados para curar doenças! Suas interações medicamentosas podem ser catastróficas se misturados a bebidas alcoólicas.
Não só isso, mas a versão falsificada de diversos deles têm levado a casos seríssimos de overdose. É triste, é lamentável e é idiota da nossa parte ignorar!
Eu sei que é fácil achar que estou exagerando, mas é real! Um estudo feito pela “Innovators Combating Substance Abuse program of The Robert Wood Johnson Foundation” corrobora esse assunto, atestando que a grande exposição ao rap leva a um aumento do uso de drogas e álcool em adolescentes, durante os 12 meses subsequentes a exposição.
Existe, inclusive, mais de um estilo de rap, a”screw music” e o “SoundCloud rap” que promovem largamente o uso de remédios. Sobre abuso de substâncias, o próprio nome “Trap” refere-se aos lugares nos quais as vendas de drogas acontecem. Nem o “Gangsta Rap” está fora destes exemplos.
A real é que dentro do hip hop (nas redes sociais e no mundo), as pessoas precisam ter liberdade de expressão, liberdade criativa e espaço para falarem o que desejam. Músicos tem o direito de falar sobre isso, principalmente quando é a sua realidade, pois muitos nasceram cercado de drogas, muitas vezes dentro do tráfico. Porém existe muita diferença entre cantar a realidade e glorificar o uso de drogas de forma irresponsável sem expor os riscos.
Muitos continuarão fazendo, pois essa é a estética performada pelo rap atual, porque é rentável. Mas a verdade é que o comportamento contribui para as pessoas continuarem se auto medicando (com drogas prescritas ou não) em busca de fugir de sua realidade, suas tristezas, depressão e quaisquer sentimentos incômodos.
É isso que tu realmente quer pros seus bros?
Lembrei agora de uma conversa com um amigo, que é rapper aqui em CWB. Eu tava puta com ele, porque considerava a maior hipocrisia um músico usar drogas e dizer que não em suas músicas e entrevistas. Calmamente, ele explicou que não era hipocrisia e sim responsabilidade… Pessoas públicas tocam todos os dias milhares de fãs com seus conteúdos. Então, por favor, usem isso pra algo positivo!
A morte do Mac é um aviso pra todos nós… Palavras não são só palavras num mundo em que muitas pessoas, inclusive artistas, estão batalhando contra o vício e os transtornos mentais. Essas músicas constroem a realidade do Hip Hop e seu efeito já pode ser sentido…
Por isso, abaixo resolvi colocar uns sons inspiradores sobre superar o vício, sobre a luta com a dependência, depressão e o suicídio. O rap não precisa abordar o assunto de forma nociva, pelo contrário:
Russ pode até não ser muito amado na cena americana, mas ele tem razão! Publicar fotos e vídeos nas redes sociais consumindo drogas é uma escolha dos artistas que glamourizam o abuso de substâncias e isso personifica uma imagem dentro do rap com impacto negativo na sociedade.
O uso parece justificado, uma vez que você considera ele uma auto medicação, uma vez que ele te faz sentir melhor, mas não é. Esse não é o caminho pra superar a ansiedade e a depressão. Tratamento e ajuda são!
“ Minha ansiedade e depressão dominaram minha vida desde que me lembro e nunca saio de casa por causa disso. Eu não posso fazer novos amigos por causa disso. Eu não confio em ninguém por causa disso e estou cansado de ser retido em minha vida. Eu mereço ter paz. Eu mereço ser feliz e sorridente. ”
Kid Cudi, em outubro de 2016, buscou tratamento para depressão e ideações suicidas. Ele está bem agora 🙂
Só quero finalizar com essa mensagem: espero que vocês estejam ouvindo! Caso você precise de ajuda, deixo aqui alguns contatos gratuitos. E você não está sozinho, ok?
Centros de Atenção Psicossocial (dependente químico ou qualquer outra doença psiquiátrica)
Centro de Valorização da Vida (apoio emocional e prevenção do suicídio)
Be safe!