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“Quando o Mundo Acabou Era Meio Dia” mostra a infinidade da vida e da arte de Rômulo Boca

Arte é basicamente valorização. Saber que todo aspecto da vida pode ser notado, retratado e percebido como parte fundamental da existência.

No meio disso tudo, com certeza existe muito sofrimento, situações corriqueiras e muita coisa que naturalmente não iríamos nos preocupar em expor, o que é normal.

Cada um sabe sabe o que deve ser contado de sua própria vida, porém, num processo artístico, natural e espontâneo, essas convenções e preocupações muitas vezes são deixadas de lado.

Arte trata também de alívio, seja para quem produz, quanto para quem consome e se identifica. “Quando o Mundo Acabou Era Meio Dia“, mixtape do Rômulo Boca, talvez seja o melhor exemplo disso lançado neste ano no rap nacional. Entretanto, este texto não tem o objetivo de qualifica-lo e coloca-lo em uma prateleira de melhores trabalhos e etc, ou análise técnica das músicas, mas sim, busca fazer um relato, de alguém que identificou-se e achou um pouco de alívio em meio as faixas.

Meu contato com as músicas do Rômulo ocorreu no ano de 2015 com o álbum “Da Alma ao Caos, Lama na Casa“, do grupo A.L.M.A onde o MC é integrante. De certa forma este foi meu primeiro contato de verdade com o rap, foi a primeira vez que me debrucei sobre um álbum buscando entender os conceitos e letras do trabalho, que na época, para um moleque de 13 anos de idade, pareciam indecifráveis.

Contudo, o jeito espontâneo com que tudo é falado no trampo, e como aparentava ser tão natural, me deixou cativado, como um truque de mágica que você não compreende e isso te deixa obcecado para descobrir seus segredos. Esse é com certeza um dos clássicos do rap nacional, como é muito bem definido na matéria do André Dourado (clique aqui) e parafraseando é “daqueles que cresce a cada audição, onde dá pra achar detalhes da música e novas interpretações pras letras, mesmo mais de 4 anos após o lançamento“. “Da Alma ao Caos (…)” construiu muito do que compreendo de música e a forma com que isso me influenciou é algo imensurável.

Agora em 2019, o grupo e principalmente Rômulo, mudaram. Isso é até algo previsível, são 4 anos, novas vivências ou simplesmente mudanças de opiniões. Porém, os aspectos mais importantes de suas obras, ainda os acompanham. São elas: a noção de sua própria vulnerabilidade como humano, e a capacidade de conseguir transparecer tudo da forma mais crua e natural possível.

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, em sues escritos definia que a realidade apresentava-se sob duas óticas, a “vontade” e a “representação“. O que ele chamou de “vontade“, seria a essência pura de tudo que existe no mundo, e a “representação“, seria como esses elementos apresentam-se ao mundo, a forma com que os enxergamos e os compreendemos. Esses dois conceitos, são de certa forma, contrastantes e segundo eles, as representações nunca demonstram de forma plena as vontades. A forma com que todos os conceitos de “Quando o Mundo Acabou Era Meio Dia” são postos pelo artista, nos fazem duvidar um pouco dessa definição filosófica.

O modo com que os sentimentos, sensações e acontecimentos retratados nas músicas chegam até nós, é completamente pura e humana. Tudo soa como um grande freestyle, onde as ideias são cuspidas e nos derrubam de uma forma forte demais para que a gente não se emocione.

Aqui não existe espaço entre essência e objeto, tudo coexiste e age ao mesmo tempo, pois todos os elementos estão guiados pela “verdade“. Não entenda esta verdade como aquele estereótipo de um “MC de verdade“, mas sim como alguém que entende a vida como um todo, no sentido da valorização de qualquer vivência, pois cada dia tem valor igual e relevância na construção de qualquer pessoa.

O tudo está presente neste projeto, e o fato de ser uma mixtape dá espaço para que seja livre para mostrar-se da forma que achar melhor, seja liricamente ou musicalmente.

Amores, dores, frustrações e o cotidiano, teve espaço para tudo ser contado, nisso que é quase um diário e relato de diversas transformações e crescimentos da vida do Rômulo.

Voltando para Schopenhauer, o filósofo acreditava que o sofrimento era inerente ao ser humano, não existe vida que não sofra. Ele compreendia “sofrimento” como o espaço de tempo até com que o ser humano seja capaz de realizar alguma de suas vontades e anseios, que nossa existência é uma constante busca por essas realizações.

No entanto, o único momento em que seria alcançada uma satisfação verdadeira, seria contemplando a arte. Tendo noção disso, podemos dizer que Rômulo atingiu uma satisfação quase plena. Dando a luz a essa mix tão intensa, ele consegue satisfazer uma ansiedade, de colocar sua cara na cena e mostrar totalmente sua singularidade, e consequentemente ele causa identificação e contemplação, tanto de si quanto de sua arte.

A vida é infinita, mesmo com o fim do mundo.