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Heróis, mitos e vida no álbum de Cayo Carig, ouça

Crescer é algo que pode ter vários significados. O principal deles é a maturidade, que leva- nos a compreender e entender melhor o mundo a nossa volta.
E sobre esse exercício de crescimento que se trata o álbum “O Folclore Do Monstro Gigante” do MC carioca Cayo Carig, lançado no último dia 27 de julho e que está disponível no YouTube (em breve no Spotify).

Cayo, como o próprio se define, é alguém que gosta de criar coisas. Seu início na música foi no ano de 2005 no fórum Luso Movimento Fantasma e em 2006 na Batalha do Conhecimento e no Reciclando Pensamentos. Enquanto participava das batalha de rima, se aprofundou na produção de beats e lançou diversas beat-tapes entre 2010 e 2016. Durante todo esse tempo ele veio trabalhando em seu álbum de estréia e seus clipes, de forma totalmente independente.

“O Folclore do Monstro Gigante” é um trabalho repleto de referências e metáforas, porém é mais do que um simples registro musical. É um relato sobre tempo e vida, afinal, ele já vem sendo produzido há anos, em torno de 2009/2010. Mesmo com todo esse longo processo de produção, ao contrário do que se pode pensar, o trampo não se tornou datado.
Carig soube usar o transcorrer dos dias para transmitir seu crescimento como pessoa e artista, o que não se limita só as letras, mas também em toda musicalidade do álbum.

As principais inspirações para a construção do conceito do álbum, com certeza são o livro “O Herói de Mil Faces” de Joseph Campbell e a lenda taoísta de Sun Wukong.
O escritor inglês em seu livro, trata das etapas de construção do arquétipo do herói e como os mitos e histórias são construídas. De acordo com ele, todas as histórias têm uma base para serem feitas, ou seja, mil faces de um mesmo herói.

O conceito de Campbell e a história de Sun Wukong (dá um Google), em conjunto com a capa do álbum, alude a uma idéia. Dentre as inúmeras possibilidades, o herói sempre assume uma personificação, uma máscara e tudo isso depende de sua caminhada.

Para entender melhor suas ideias, vamos ter o auxílio de um filósofo grego, Aristóteles. Segundo ele, nosso deslumbramento e experiências com o mundo, nos leva a filosofar, questionar e consequentemente, conhecer. Todas esses contatos com o mundo, podem ser variáveis, de acordo com as mudanças que sofremos ao passar da vida, porém, nossa essência permanece a mesma.

Na primeira faixa do Álbum, chamada “Ouriços”, Cayo lança os seguintes versos:

“Mesmo assim uma parte do meu cérebro me mantém vivo
E sinto que sou mais do que um espectro ouvindo rock progressivo
Já me chamaram de esquisito, também já acharam que sou maluco
Só que há mais flamingos de plástico do que de verdade no mundo” (Ouriços)

Aqui vemos como o MC se sente em relação a quem o cerca, e a partir desse ponto veremos como sua visão se transforma ao longo do álbum. Por enquanto vemos alguém que não se encaixa e se sente destacado em comparação ao resto, alguém que valoriza sua existência e tenta ser o mais verdadeiro possível, consigo mesmo e com os outros.
Sua entrega e flow nessa música, passam uma sensação de revolta, como se houvesse uma insatisfação com essa situação. Um desesperado querendo ser ouvido.

Já na segunda faixa, “O Folclore” com clipe disponível no YouTube, vemos o MC como alguém que já tem consciência de tudo que existe ao seu redor. Já estabelecido como ele se sente, agora vemos como se dá sua visão da sociedade como um todo.

“A asa da minha percepção
Claridade todo mundo tem
Tempestade quem é que não tem?
Sem luz não tem sombra, sem sol não tem lua
E é dentre tudo isso que nossa fé se situa” (O Folclore)

Após um tempo voltando os olhos para si e para quem é, ele vê que há existência além da dele.
Seria algo como encontrar a si mesmo no outro, rola um identificação entre ele e o mundo. E a musicalidade acompanha, para algo mais calmo e que atrai pela beleza.

https://youtu.be/CYDCYkeDgM8

Toda essa relação entre o seu interior e exterior, contribuem para a ocorrência do conhecimento. E temos o ápice na faixa “Catrina”, que é o ponto alto do trabalho.

“Agora que eu decolei, não sei como to me sentindo
Vendo a terra explodindo da minha janela
Mas eu piloto minha nave
Sei bem meu destino
E essa vista some quando a vida acelera” (Catrina)

Para alcançar o que precisa, o MC sabe que necessita viver, e com isso é necessário entrar em contato com o que está fora de si. É a grande epifania, em que ele transcende e entende o que é necessário para viver. Como ele diz nessa faixa “a revolução começa dentro de mim”, toda mudança parte de dentro de si. Autoconhecimento é fundamental, porém a revolução não termina dentro de nós.

“E na cidade sem nome todos se entendem
Entre os prédios sustentados de formas diferentes” (A Cidade Nas Nuvens (Lua Vermelha))

Na cidade, um ponto de convivência entre todos, que tudo se resolve. A revolução se inicia de forma individual, mas seu fim é algo coletivo, afinal toda mudança atinge várias pessoas.
É algo muito bonito e humano, perceber que somos forças, mas que sozinhas não podem fazer muito. Só percebemos isso, quando tratamos o outro como espelho e nos enxergamos nele.

Voltando a falar de filosofia, Aristóteles considerava a Arte fundamental no processo de identificação com o outro. Para ele, a poética era capaz de transmitir grande noções da vida, por meio de uma experiência emocional.
O que é algo que casa muito bem com ” O Folclore Do Monstro Gigante”, aqui temos um registro de um período de vida e tudo que foi aprendido com ele.

Carig é alguém que passou por transformações, mas no fundo mantém sua essência, como ele mesmo afirma na última faixa, “O Desengano”.

“Desengano é querer viver a vida
E sem querer deixar ela viver você
Quem se preocupa muito sobre quem é
Se esquece de ser” (O Desengano)

Ele se permitiu ser e errar, levou tempo, mas aprendeu muito e ensina muito com esse álbum.