O tempo é impossível de conter e lidar. Em tempos de pós modernidade, onde tudo parece correr numa velocidade muito mais acelerada do que o saudável, algumas informações chegam com um certo atraso. Para conseguir sobreviver a essa constante e imparável sensação de deslocamento temporal, imagino que certas coisas (entenda-as como músicas), apresentam-se até nós no momento certo e necessário.
Neste contexto estou falando da mixtape do MC mineiro, Matéria Prima, em colaboração com o carioca, DJ Lotek, “Rascunhos de Um Momento Conturbado“. Lançada em 13 de julho, porém, só alcançando meus fones nas últimas semanas, o trabalho com 9 faixas corre em 22 rápidos, elegantes e certeiros minutos. Contando com uma produção inspirada no boom-bap, o disco é com certeza um lançamento maiúsculo (em todos os sentidos da palavra) do rap nacional em 2019, que infelizmente não chegou bolha do hype de todos os “nem tão assíduos ouvintes”.
Apesar de soar extremamente minimalista, “Rascunhos (…)” expõe-se de maneira monumental, graças a forma com que é executado, mas também graças ao peso da voz de quem o transmite. Thiago (Matéria Prima) é um real monumento da cultura hip-hop, integrante dos históricos grupos Quinto Andar e Subsolo, o rapper é referência não apenas nos requisitos técnicos da caneta, mas por saber entender a capacidade artística da arte e seu caráter sinestésico. E falando exclusivamente do aspecto técnico, o trampo fica à frente de grande parte dos outras grandes lançamentos de 2019. Mesmo assim essa competitividade é vazia quando trata-se dessa mix, ela está em outra prateleira da cena.
Toda experiência artística grandiosa permite interpretações, colaborações e necessita de uma forte dose de direcionamento. Estes elementos estão presentes em quantidades homeopáticas, entretanto, que se colocam de maneira gradativa nos seus ouvidos, até transbordarem em uma explosão de música atmosférica e muito estética. Por ser um dos nomes consagrados da música brasileira, Matéria Prima soa como um grande sábio, conseguindo atrelar sua vivência, ideia, rima e musicalidade. É impossível encarar esse trampo como uma mixtape, quando o seu ponto mais forte é o conceito fortemente ligado a sua ambientação.
Os rascunhos e os momentos conturbados não servem apenas para intitular essa grande obra, mas para resumir de forma sucinta o universo infinito dispostos nos beats e esquemas de rima. A escrita como forma de expressão é posta aqui como um retrato da realidade, mas não como o corriqueiro relato do dia a dia, e sim, numa compreensão profunda do mundo que cerca o MC. Quem escuta, é jogado de maneira tão imersiva, que por exemplo, a angústia de “Só Queria” é não só compartilhada, e sim, sentida nos timbres, samples e o que compõe o beat, e entendida através dos versos.
A arte é produto de quem vive e de como vive, devido isso as influências são inevitáveis. Isto é visto desde as referências artísticas, até a forma com que um trabalho é pensado, produzido e concebido. “Rascunhos de Um Momento Conturbado” é um trampo de alguém que sabe o que tá falando, que traduz bem as angústias, desejos e vivência de um homem negro, artista, que tem seus dias e produz em prol de uma cultura. Os 22 minutos rápidos do trabalho respeitam a correria, a ansiedade e dor de todo o dia, mas também congelam o tempo de maneira contemplativa, em busca de nossas aspirações e percepção de profunda do cotidiano.
Matéria Prima nos agraciou com o melhor que a gente pode esperar de um MC.