Quando os rappers Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski e os produtores Mazili e Sly soltaram a faixa “Sulicídio” em agosto do ano passado, a cena do RAP nacional sofreu um soco no estômago, na melhor acepção do termo. Hoje, entrando em 2017, os reflexos da track permitem dizer que a cena foi divida em antes de Sulicídio e depois de Sulicídio.
A música, que nesse momento ultrapassa os 4 milhões e meio de visualizações no Youtube, citou vários rappers do eixo Rio-São Paulo e a princípio soou como apenas um ataque dos dois rappers do Nordeste — Baco é baiano e Diomedes pernambucano — aos outros artistas do Sudeste do país (nomes como Filipe Ret, Felp 22, Caio Nog, Dalsin e Don Cesão foram mencionados). Mas a intenção da faixa não era agredir os artistas, o propósito era outro: atingir o público.
“Para você atingir os crentes é preciso acertar os deuses deles“, disse Baco a uma entrevista ao canal do Youtube Ol’ Darth Bástarde. E foi exatamente o que aconteceu. De forma muito inteligente e com imensa qualidade técnica, o rapper baiano e o pernambucano colocaram em xeque a massa consumidora do RAP nacional, que até o momento fechava os olhos para tudo que não fosse desses tais “deuses”.
“Sulicídio” virou um hit, um dos mais tocados do ano de 2016, e que, ao mesmo tempo que era agradável de se ouvir, tinha duas mensagens principais: voltar a atenção da grande massa consumidora do RAP nacional a artistas que não estão em evidência por questões geográficas e comerciais e trazer de volta a autoestima e o orgulho ao que é produzido na sua região, em outras palavras, dar valor a sua cultura.
Porém, nem todos conseguiram interpretar dessa forma, pelo menos no primeiro momento. E como responder em “barras”, ou seja, em letra, é sempre melhor do que responder em textões de facebook, Diomedes aproveitou o cypher produzido pelo RapBox chamado de “Expurgo” para deixar tudo mais claro. No cypher, o rapper pernambucano soltou: “Fui infeliz atacando MC’s? Não. Questionei a indústria”, deixando notório a sua proposta com a música.
Baco não ficou para trás e também lançou pós Sulicídio um single intitulado “Tropicália”. Nele o baiano usa um belo jogo de palavras para dar o seu parecer sobre o caso. O rapper diz: “eu sujei o Olimpo, eu sujei eu limpo”, onde Olimpo se refere a como o público trata tais MC’s, vistos como deuses, não por serem melhores, mas por estarem mais visados e com a maior parcela do público. Continuando a linha, Baco termina dizendo que irá limpar toda a “bagunça” que Sulicídio causou.
Pois, como toda boa “diss”, Sulicídio gerou respostas. “SultaVivo” do grupo Costa Gold e “Disscarrego” do rapper Nocivo Shomon foram algumas das mais famosas. Ambas pautadas em responder aos ataques, sem parecer ter percebido o real significado da faixa que gerou todo o caos na cena.
Sulicídio cumpriu seu papel não apenas por movimentar o jogo do rap, como em fazer com que os MCs citados tentem aumentar o seu nível lírico e artístico, já que por terem um grande público, que aceita qualquer coisa “mastigada” e lançada por eles, os fazem ficar preguiçosos e decrescer em conteúdo. É óbvio que Costa Gold é um fenômeno por ter conseguido o público que conseguiu, eles merecem ser parabenizados por isso, mas também é visível que em matéria de letra Nog e Predella abaixaram um degrau.
Por abrir os olhos da cena para MCs que tem muito a dizer, Sulicídio é muito mais que uma simples diss. Sulicídio mudou a vida de Baco, Diomedes e vários outros rappers do Nordeste. Sulicidio fez o publico repensar os seus conceitos. Sulicídio fez o rap nacional crescer.
2017 entra com uma proposta de ser “o ano lírico”. O que não quer dizer que só quem faz esse tipo de som fará sucesso. O RAP tem milhões de vertentes e sempre terá espaço para todos. O ponto é que antes da revolução causada por Sulicídio essa proposta de rap parecia esquecida, o público estava acostumado com sons clichês e parecidos. Coisa que está mudando depois do tapa na cara proporcionado pela parceria entre Baco e Diomedes.
Que a cena continue se movimentando. Que os rappers citados realmente tentem melhorar, para que assim o público também evolua, se tornando mais exigente, e que as “pedradas” continuem saindo como saíram em 2016, o ano que mudou a cena do rap no Brasil.