Há tempos já era esperado um novo trabalho de um dos maiores nomes do Hip Hop internacional, Jay Z. O marido de Beyoncé, dono do império Tidal entre outros empreendimentos lançou em meados de Junho de 2017 seu 13º trabalho, intitulado “4:44“.
Mostrando um lado mais humano, “4:44” passeia por momentos particulares da vida de Jay, onde faz com o que o rapper saia de sua zona de conforto, apostando em um trabalho mais á moda antiga, tendo como único produtor do álbum NO I.D, conhecido por seu trabalho em clássicos do rap internacional além de ser ex mentor do rapper Kanye West. Podemos ver em “4:44” que a música de Jay Z está menos focada em drops e graves expressivos, levando o ouvinte a se atentar aos storytellings e colagens sonoras apresentadas no trabalho para manter o foco de quem ouve as mensagens que o rapper traz consigo, como a traição acusada e exposta por Beyoncé em seu álbum “Lemonede“, o ego de Jay, seus problemas com West, segredos de família, nascimento dos filhos, posição política, além de se mostrar mais “gente como a gente” e autêntico em sua fase atual do que em qualquer outro momento de sua carreira.
Desmembrando 4:44 (a versão Deluxe composta por 13 faixas) o RND em parceria com o jornalista (ex ZonaSuburbana) Arthur Venturi, embarcou pelos segredos mais profundos de Jay Z e trouxe uma breve, porém fantástica análise das faixas de “4:44”.
Contendo 13 faixas e inteirando 46 minutos de som com participações do rapper Frank Ocean, Damian Marley (filho de Bob Marley), do produtor James Blake além das participações de sua mãe (Gloria Carter) e de sua filha com Beyoncé (Blue), “4:44“ chega para falar de sentimentos, do nascimentos de seus filhos, da traição vivida por Jay, suas vivências, possíveis escândalos além do posicionamento político do artista. O álbum chega 4 anos após o lançamento de seu último projeto “Magna Carta Holy Grail” (2013).
A primeira faixa, “Kill Jay Z”, segue uma batida boom bap e com sample da faixa “Don’t Let It Show”, do The Alan Parsons Project. Na faixa Jay Z retrata as críticas que recebe em sua carreira e em sua vida pessoal: desde o fato de ter atirado em seu irmão quando tinha 12 anos até o fato de ter largado a escola. As críticas, reinterpretadas por Jay Z incluem o cuidado que ele tem com sua filha Blue, o fato de ter vendido drogas na juventude e sobre não ter princípios. Com isso o rapper revela mais sobre sua vida pessoal e mostra quanta pressão do público e das mídias tem que aguentar diariamente em seu trabalho.
A segunda faixa, “The Story of OJ” segue numa batida boom bap com elementos de jazz rap e conta com três samples pesados: “Four Women” (de Nina Simone), “Kool is Black” (de Funk Inc) e “I’m Not Black, I’m OJ” (do American Crime History). O. J. Simpson é um ex-jogador de futebol e ator americano que em 1995 foi acusado de assassinar sua ex-mulher Nicole Brown e seu amigo Ronald Goldman. Nas rimas, Jay Z fala que não importa qual o tipo de negro se está falando (de pele mais clara, de pele mais escura, ricos ou pobres, das grandes cidades ou do interior do país) todos são negros e vivem uma mesma realidade: se iludir com o dinheiro e bens materiais, não ter um planejamento financeiro e de carreira e, ao final da vida, afundarem economicamente sendo vítimas de um sistema capitalista que ainda os escraviza. A partir disso, o rapper aponta que uma saída para as pessoas negras sobreviverem ao sistema é de aproveitarem as oportunidades que aparecem sem se deixarem levar apenas pelo dinheiro em si mesmo.
“Smile”, a terceira faixa do álbum, é também uma das mais polêmicas de todo o trabalho. Sampleando a faixa “Love’s In Need of Love Today”, clássico do cantor Stevie Wonder, “Smile” conta com a participação de Gloria Carter, mãe de Jay Z. A polêmica vem do fato de na faixa Jay Z revelar ao público que sua mãe é lésbica. Na letra o MC fala sobre quanto sua mãe sofreu no processo de se assumir: o quanto ela chorou tentando esconder isso das pessoas, dos filhos e de si mesma, inclusive tendo que tomar remédios para depressão durante algum tempo. Jay Z a todo momento mostrou respeito, apoio e defesa a sua mãe dizendo que a ama independentemente de sua orientação sexual.
A quarta faixa o álbum é “Caught Their Eyes”, conta com a participação de Frank Ocean. Sampleando outra faixa de Nina Simone (“Baltimore”) e “Army-McCarthy Hearings” de Joseph N. Welch, a batida mistura o rap com vários elementos do reggae anos 50 onde os MC’s usavam várias referências sobre olhos e sobre olhares retratando tudo aquilo que viram nas quebradas onde viveram e o quanto as pessoas que viveram ali também tentam esconder suas história e vivências, mas entregam tudo isso através do olhar.
“4:44” é, ironicamente, a quinta faixa do álbum (e não a quarta). Sampleando a faixa “Late Nights & Heartbreak” da parceria entre Hannah Williams e The Affirmations em uma batida profunda estilo jazz rap, Jay Z fala sobre sua experiência com o feminismo e, indiretamente, fala sobre seus problemas conjugais com Beyoncé. Na letra o rapper diz que em sua criação aprendeu a tratar as mulheres como objetos sexuais e brincou com o sentimentos de várias garotas porque ele próprio diz não ter sentimentos na época. Porém, revela que foi com o nascimento de sua filha e com o apoio de sua esposa, que conseguiu ver o mundo de uma maneira totalmente nova. Na faixa, Jay também conta sobre como tentou resolver seus problemas conjugais através da traição e o quanto isso apenas trouxe mais problemas para o seu casamento e para sua própria consciência.
A sexta faixa do álbum é “Family Feud” conta com o sample de “Hey Ya” (Eternal Life) das Clark Sisters e vocalizações de Beyoncé. Sendo também uma das faixas mais polêmicas do álbum, Jay Z fala abertamente sobre as brigas familiares “Family Feud” que aconteceram entre ele e Beyoncé e foram a público no último ano, especialmente nas faixas do álbum “Lemonade” da cantora. Na faixa, Jay Z conta sobre como o trabalho pesado o afastou de sua esposa e, dessa distância, criou uma série de brigas. O rapper disse que deveria ter se dedicado mais a sua família e não ter deixado todas as responsabilidades da casa e dos filhos com Beyoncé.
“Bam” é a sétima faixa do álbum e conta com a participação de Damian Marley. Também com uma batida boom bap que traz vários elementos do reggae anos 60, a faixa traz samples de três músicas: “Bam Bam” da Sister Nancy, “Tenement Yard” de Jacob Miller e “Prerogative” de Nicodemus, Super Cat e Junior Demus. Grande parte da letra fala sobre “Tenement Yards”, uma expressão em inglês que significa um grupo de pessoas pobres que vivem juntas em um espaço. Jay Z usa essa gíria para falar sobre pessoas fofoqueiras que vivem em bairros pobres e como isso afetou sua infância e adolescência com muitas pessoas que iam a igrejas gospel/evangélicas, que teoricamente pregam que cada um cuide de sua própria vida, mas que na prática não deixam de fazer fofoca. A música é também uma indireta para todas as pessoas, inclusive da mídia, que desde sempre venderam fofocas sobre a vida de Jay Z.
Compondo a oitava faixa do álbum, “Moonlight” traz o sample de “Fu-Gee-La”, hit do grupo The Fugees. Seguindo uma batida animada, Jay Z fala sobre a controvérsia do Oscar de 2016 onde “La La Land” recebeu o prêmio de melhor filme, e não “Moonlight”, um filme considerado por muito críticos como o melhor e que traz a temática negra. O rapper aproveita esse metáfora para criticar outros MC’s que esvaziaram o rap e a cultura hip hop: ao invés de celebrar letras de qualidade e que trazem temas sociais, Jay Z aponta que o público hoje só engrandece rappers que rimam sobre dinheiro: enquanto ele viveria a difícil realidade dos personagens de “Moonlight”, os outros MC’s, em sua opinião, parece que vivem em um mundo perfeito com o de “La La Land”: ricos, burgueses e brancos.
“Marcy Me” traz desde o começo uma batida inspirada no R&B anos 80 com samples de “Todo o Mundo e Ninguém”, do Quarteto 1111, e a clássica “Unbelievable” de Notorius B.I.G. Além de ser uma homenagem à faixa “Mercy Me”, de Marvin Gaye (de quem Jay Z é fã), a faixa fala sobre a vida de crimes que o rapper tinha quando morava na Marcy House, um conjunto habitacional (parecido com os CDHU’s no Brasil) no Brooklyn. Na faixa o rapper fala sobre as dificuldades de ter sobrevivido, o peso da pistola que usava em sua cintura, os assassinatos que já presenciou e como conseguiu superar isso tudo pouco a pouco.
A décima faixa do álbum é “Legacy” e traz os samples de “Someday I’ll Be Free” (de Donny Hathaway) e da também clássica “Glaciers of Ice”, dos rappers Raekwon, Masta Killa, Ghostface Killah, 60 Second Assassin e Blue Raspberry. Na letra Jay fala sobre o legado da família Carter, sobre como trabalhou duro para criar seu nome e como também espera conseguir passar tudo isso para seus filhos, primos e afilhados, dando a eles uma qualidade de vida melhor da que ele próprio teve.
“Adnis” traz um beat original e conta a história de Adnis, o pai de Jay Z que o abandonou quando criança e muito tempo depois buscou conviver com seu filho e faleceu em 2003. Na letra o rapper revela que esse afastamento foi resultado da dependência química que seu pai tinha com uma droga (não revelada) e desabafa sobre as dificuldades de crescer sem tê-lo presente em sua infância e adolescência.
A décima segunda faixa do álbum é a mais fofa de todas. “Blue’s Freestyle/ We Family” traz versos escritos e rimados por Blue, filha de Jay Z e Beyoncé. Blue fala sobre ser inocente e amar sua família. Na sequência, Jay Z assume a rima falando sobre sua família, cujas origens remetem ao Benin (país africano que é vizinho da Nigéria) e fala sobre a importância de respeitar a família e respeitar suas origens. A faixa traz o sample de “La Verdolaga”, de Totó La Momposina, uma cantora colombiana que reflete em suas músicas os ritmos tradicionais dos índios sul-americanos e da música afro-latina da América Central.
Jay Z encerra o álbum com “ManyFaced God”, faixa que traz a participação de James Blake e conta com os samples de “Pillow Talk” (de Sylvia Robinson), “Going In Circles” (de Dwight T. Ross) e “Yoncé”, de sua esposa Beyoncé, integrando o álbum “Beyoncé” lançado em 2013. Também uma das letras mais polêmicas, Jay Z fala sobre sua relação com a esposa dizendo que com o tempo conseguiram se entender e encontraram maneiras de fazer seu amor prevalecer contra quaisquer ataques ou dificuldades. O “ManyFaced God” é uma divindade da série Game of Thrones, que Jay Z e Beyoncé disseram acompanhar sempre.
De uma maneira geral, 4:44 é um álbum bem diferente de todos já lançados por Jay Z. O rapper investe e batidas mais profundas e inspiradas no R&B e se afasta de seu passado gangsta. Todas as letras ou revelam partes de sua história pessoal ou falam sobre sua família (mãe, pai, esposa e filhos) sendo assim um trabalho bem intimista. De certa forma, parece ser o resultado de uma reavaliação pessoal que o rapper fez de sua vida onde se afasta de seu passado (onde era machista e tinha relações abusivas com mulheres, incluindo Beyoncé, onde era criminoso e/ou só pensava em dinheiro e tinha problemas com seu pai) e busca construir um novo futuro assumindo seu papel como pai, participando mais da vida familiar e se dedicando mais a sua esposa e filhos, aproveitando para se redimir de toda polêmica envolvendo Beyoncé, que ocupou grande parte das notícias em 2016.
4:44 sem dúvidas marca uma nova fase de Jay Z, um trabalho minucioso, cheio de informações e que ainda vai dar muito o que falar.