Talvez uma das missões mais difíceis de um ouvinte do rap seja dizer que conheceu a cena através de algum artista fora do eixo Rio-São Paulo, principalmente a cena mais antiga, como eu.
Crescer ouvindo Racionais Mc’s, Facção Central, Realidade Cruel, Sabotage e Trilha Sonora do Gueto que são de São Paulo, além de MV Bill, Quinto Andar, Planet Hemp, Nega Gizza, entre outros, que eram do Rio de Janeiro, me apresentou o rap, mas também permitiu que eu fizesse parte e colaborasse com essa parada de focar o rap apenas nessa região do país.
Sair da bolha em que vive a cena é uma parada bem complicada. Alguns mc’s fora do eixo vem aparecendo graças a outros que foram abrindo caminho como Djonga, Jovem Dex, Zemaru, Sidoka, FBC, Froid, etc.
Enfim, quebrar essa bolha tem sido uma parada bem complicada e, em pleno 2020, é triste termos que bater nessa tecla ainda. Principalmente quando temos nomes da cena de outros estados fora do eixo que tem muito para oferecer para o rap, como é o caso do atual campeão nacional do Duelo de Mc’s, o MCharles.
Perceber como tem muito mais além do o hype nos apresenta é uma verdadeira dádiva. Umas duas semanas atrás, por exemplo, foi lançada as duas partes do projeto “Poetas no Topo“, talvez os lançamentos que o público mais esperou durante o fim de 2019.
Podemos dizer que por mais que o projeto esteja ‘aceitável’, os 40 minutos e a quantidade de mc’s desviam totalmente o foco do que foi a beleza do primeiro projeto. Eu salvaria menos da metade de tudo que foi colocado nesse som, mas ok.
Entretanto, eu gostaria de dar destaque para um MC que ao longo de 2019 me surpreendeu e muito e que me agrada, o Black. Um dos versos desse cara é a base para toda introdução que eu fiz aqui, e ele diz:
“Eu conheço vários poetas que não tão no topo,
Assim como uns que tão no topo e não tem nada de poeta…”
Entre os destaques das duas partes, com certeza o Black merece estar entre eles, e entre as diversas sequências de ‘punchs lines‘, eu gostaria de usar essa como fio condutor para que vocês possam entender onde eu quero chegar.
Em 2017, com o lançamento do primeiro ‘Poetas no Topo’, o coletivo ‘333‘ lançou uma sátira intitulada de “Poetas no Esgoto“, uma referência muito forte para a cena, que chamou a atenção de muita gente na ocasião justamente por pensarem que seria algo mais voltado para uma paródia, ideia totalmente quebrada quando se da play no som.
Versos como: “meu trampo existe, mas ninguém compra, igual os produto da hinode” mostra a realidade que é a cena. E o pessoal do Amazonas soube aproveitar cada linha do trampo com a realidade sendo falada, e novamente voltando para a música: “poetas do submundo“.
Três anos se passaram, e eles voltaram ainda mais fortes. A segunda parte da sátira chega com o nome de “Poetas no Esgoto 333“, dando continuidade ao trabalho e mostrando a qualidade dos mc’s que participam do coletivo: Benevides, Dacota, Haru, Huggo, Koren, Nescall e W MC, além dos DJ’s: Zé e Flex, e os Beatmakers: Altran, LndroBeats e RVL$.
A produção do coletivo conta também com os fotógrafos: Thalles e Vivi, com o Editor Audiovisual: Yendis e com o Gerente de Palco: MG.
Com os versos de Nescall, W MC, Koren, Haru, Huggo, DaCota, RVL$ & Altran, ‘Poetas no Esgoto 333’ é o grito do rap para percebemos que ele ta vivo de verdade, sem precisar ficar afirmando que é real, pois na boca dos seus ele mostra ser real sozinho.
“Nós somos Poetas no Esgoto,
O brilho no fundo do poço,
Tamo matando homem branco,
Que tá roubando nosso ouro!”
Trazendo o brilho da cena do Amazonas, e mostrando para o Brasil todo que existe rap de qualidade para onde o hype não olha, vale muito a pena acompanhar esse trabalho que é sofisticado demais, e um tapa na cara de quem diz amar o rap.
Confira: