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O que Faustino Beats e o seu ‘Vibes, Vol. 1’ tem a ver com o jogo ‘Kingdom Hearts’?

Depois de muito tempo sem publicar nada, volto a fazer uma matéria. Para quem não sabe, eu sou o cara que compara álbuns de musica com filmes, jogos, desenhos e outras obras artísticas de diferentes mídias em geral. O que eu faço não é uma crítica, mas se estou escrevendo sobre o disco, pode saber que eu gostei. Minha ideia com isso tudo é um pouco diferente, é mais sobre o que absorvi escutando, jogando, assistindo e traçando esses paralelos. Eu tenho uma outra ideia maior, cozinhando em minha cabeça faz um tempo, mas não sei como executá-la ainda, então ouvi o disco do Faustino hoje e… O disco me levou de volta a minha franquia favorita.

Kingdom Hearts é uma franquia de jogos desenvolvida pela Square-Enix que começou no Playstation 2 em 2002, e teve várias sequências em outras plataformas, como Game Boy Advance, PSP, Nintendo DS, entre outras. A franquia começa com uma premissa básica de um garoto chamado Sora, que é separado dos deus amigos, com a ajuda do Pato Donald e o Pateta eles viajam por vários ”mundos” de franquias conhecidas da Disney. O objetivo é encontrar os amigos de Sora, e o Rei Mickey enquanto combatem a escuridão. Na verdade a história é bem mais complexa, mas isso vou detalhar depois. A franquia é um crossover de personagens da Disney e Final Fantasy, uma combinação bem ousada.

O disco de Faustino, o “Vibes, Vol. 1” é o seu segundo projeto depois de “Kuro“, lançado em 2017. Um projeto focado e introspectivo, o disco forma pinturas em sua cabeça conforme você vai escutando, desde amor, isolamento, insegurança, confiança e superação. Ele é curto e direto, enquanto as letras funcionam como um desenho, os instrumentais e batidas são as cores. Eu fiquei em choque quando ouvi pela primeira vez, e assim que terminei dei o play novamente. Esse ano só dois discos conseguiram fazer isso comigo, o “ye” e “Kids See Ghosts“.

Kanye West lançou esse ano o álbum “ye” e “Kids See Ghosts”, esse último em parceria de Kid Cudi.

Eu conheci o trabalho do Faustino por meio de um amigo, que me apresentou seus vídeos no Youtube na época dos reacts e tutoriais, ainda desconhecia seu trabalho musical. Mas, eu já tinha percebido algo diferenciado nele em primeiro instante. Ele tinha um certo olhar artístico para as coisas, sobre conceitos a visão em si. Expressava amor pela arte, não era mais um canal de react qualquer ou de review que fazia uma visão superficial. Quando ele lançou o “Kuro” fiquei chocado, era algo arriscado visto que podia ficar só ganhando uma fama com o canal e beleza. Só que ele aceitou o risco, e então aquele lance artístico que eu tinha percebido começou a se revelar para mim. Conforme os singles eram lançados, “nihil“, “Sudoku” e vários outros, eu percebi como Faustino não tinha medo de arriscar. E isso é um lance que em qualquer trabalho artístico eu valorizo, as vezes não pode ser dos melhores tecnicamente, mas só de ter arriscado algo novo já admiro. É o que me atraiu por Kanye West, o meu artista musical favorito.

Voltando para Kingdom Hearts, como eu disse antes, você visita locais baseados em filmes da Disney como Alice no País das Maravilhas, Hércules, O Estranho Mundo de Jack entre outros. No segundo jogo isso é expandido até para filmes live-action, como Tron e Piratas do Caribe. Eu ganhei esse jogo quando tinha cerca de 7-8 anos de idade, meu pai tinha me mandado dos Estados Unidos. Pela memória que tenho da época, no início eu estava confuso. Ele começa com uma CG de abertura tocando a música tema “Simple and Clean” da Utada Hikaru, para acabar em um piso feito de vidro com a figura da Branca de Neve. As cutscenes eram impossíveis de pular, e como eu era criança isso me entediava. Visualmente aquilo era bonito, colorido, o que me fazia aturar as cutscenes longas interrompendo a jogabilidade. Algumas horas depois, eu me senti fascinado pelo conceito, tanto que mesmo eu sabendo pouquíssimas palavras em inglês na época, tentava interpretar o que acontecia. Tinha algo único ali, a forma que unia elementos ocidentais dos filmes da Disney, e orientais de Final Fantasy, o design dos personagens originais. Basicamente Kingdom Hearts é um sample no formato de videogame. Fora que eu sempre gostei de Tarzan e Hércules quando era criança, foi fácil me atrair. Fiquei tão maravilhado com aquilo, talvez tenha sido o responsável para um despertar criativo meu.

Kingdom Hearts é Disney, logo é fofinho e tem um senso de humor, no segundo jogo um musical (é horrível, mas ok). Mas não foge de temas sombrios, e complexos, especialmente conforme a franquia progride. Ela é basicamente um conflito entre luz e escuridão, e ambas tem suas qualidades e lados nocivos. Acompanha a jornada de personagens tentando domar seu lado sombrio para fazer algo bom, não deixando sua parte iluminada tornar fácil de se manipular. E de repente você está jogado em uma história que envolve amnésia, personagens sendo possuídos, entrando em coma… Tudo coisa da Disney, óbvio. Tudo isso, combinado com os exageros de Final Fantasy, transformam em algo único. Não era para combinar, mas combinou. A trilha sonora composta por Yoko Shimomura é belíssima, os toques de piano logo no menu confortam seu coração pela longa jornada que está por vir. É o Kanye usando um sample do Filme “Great Expectations” em Robocop.

O projeto de Faustino começa com uma faixa estabelecendo o tom do disco, dando um chute na porta. É motivadora, mas introspectiva ao mesmo tempo. Faz você querer parar de procrastinar por um tempo, pegar a caneta e começar a rimar, ou a desenterrar o FL e produzir. As duas faixas seguintes são mais calmas, e românticas. A primeira é sobre o que ele sente pela garota, a segunda sobre as inseguranças dela. É um misto de sentimentos, insegurança e confiança, aquele medo com um tapinha nas costas de que vai ficar tudo bem, entre tantos outros. A quarta se não tivesse os vocais, talvez pudesse ser colocada em uma playlist de lo-fi no youtube, de tão atmosférica. Apesar de envolver uma pessoa amada em duas delas, essas quatro primeiras faixas passam uma certa sensação de isolamento, como se fosse só você e o artista. Seus sentimentos, sua confiança, insegurança e amor todas essas emoções são passadas e absorvidas por quem escuta. É como se essas faixas fossem uma versão musical do Inception, ou Divertidamente.

E aí chega as últimas quatro faixas, com os feats… Quando a tracklist saiu, eu comentei no twitter do Faustino se isso não tinha algo relacionado ao conceito, e ele deixou ambíguo. Posso não estar certo, afinal, isso só o autor da obra está, eu apenas absorvo e relato o que senti, mas senti que sim. As quatro últimas faixas apesar de terem temas parecidos com as outras, funcionam como aquele clímax de um filme cheio de ação, com os personagens resolvidos e confiantes. Tanto é que, ele deixa os feats tomarem conta das faixas de certa forma, e expressarem suas emoções. É aquele contraste entre a luz e a escuridão, o isolamento, a liberdade para o mundo maior. Suas inseguranças como artista, pessoa, na vida amorosa, não o dominaram e no fim resultou nessa obra belíssima. Entre batidas de trap fortes, a referências a Avatar, Faustino não vai deixar que ninguém o impeça de expressar o que ele quer. Em apenas oito faixas, o disco tem pouco menos de 30 minutos de duração, é uma viagem imersiva que parece ser maior, pelo simples fato de querer absorver tudo passado ali.


E no fim, temos dois projetos que lidam com essa luz e escuridão de maneira diferente, e… Sabe quando falei que o álbum começa numa sensação de isolamento, que aos poucos vai se expandindo e saindo disso? Kingdom Hearts é igual, começando pelo fatos dos personagens começarem isolados numa ilha pequena, para do nada serem jogados em mundos diversos envolvendo a Disney. Tem uma ideia passada também sobre amor, e companheirismo para vencer a escuridão, melhor exibida entre o trio de Sora, Donald e Pateta, em que cada um vai aprendendo a confiar e amar o outro. Em qualquer outra obra artística, poderia parecer forçado e clichê, mas aqui funciona. Não é sobre os diálogos, o roteiro, mas sim a alma… Quando você presta atenção na história e o desenvolvimento, é como se seu coração esquentasse, e sentisse confortável com a sensação. Acolhe e brinca com seus sentimentos mais puros. Não tem medo de ser ousado, de desacelerar a história um pouco para apreciar uma cutscene longa depois de um chefe difícil. Não tem medo de fazer um prólogo que pode durar 7 horas de duração só para passar um sentimento de confusão, ilusão e isolamento. O álbum de Faustino também, não tem medo de começar botando os dois pés na mesa, e ser vulnerável ao mesmo tempo. De falar sobre o amor e juntar sentimentos que causam um contraste de uma maneira que funcione. De deixar a gente entrar na cabeça dele, e parecer como no filme Divertidamente em que os personagens das emoções mexem no painel da garotinha Riley. Para depois no meio do caminho expandir seus horizontes, explorar o mundo de outras pessoas, deixando elas se expressarem com versos.

Largar os reacts foi o movimento mais arriscado de Faustino, e também o certo. Aquilo que provou seu comprometimento com a arte, e a capacidade de explorar novos mundos. Na segunda parte da música ”Ego” ele fala que não quer ser comparado, e isso tá totalmente certo… Se Kingdom Hearts pega as influências da Disney e transforma em algo único, Faustino faz igual com suas influências musicais. É o seu momento estilo Kanye largando a universidade para produzir beats, Frank Ocean saindo de Nova Orleans e indo até Los Angeles. Como um artista, eu acho que não existe coisa mais bonita que isso, e para finalizar… Nesse Domingo (4) em que escutei o disco, além de me levar de volta para o jogo em que expandiu minha mente criativa, também revigorou minhas ideias e espírito.

Obrigado, Faustino.

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