A aproximação entre o funk e o rap nunca foi tão marcada quanto atualmente, mesmo que essa relação sempre tenha existido, já que estamos falando de dois gêneros que surgiram e se manifestaram dentro — praticamente — dos mesmos lugares, ambos possuem estéticas que fluem a partir de sua origem e que se aproximam em certo ponto. Mas o que realmente chega como o ponto mais marcante dessa relação são as uniões entre os artistas dos dois gêneros, transitando entre o rap e o funk.
Artistas do funk estão sempre presentes nos singles, ou melhor, hits do rap nacional. Já que, com uma pegada mais mainstream, o funk consegue chegar em lugares que o rap ainda busca alcançar. Entretanto, o que venho falar não é sobre o sucesso do funk em comparação ao rap, mas sim em pontos que o rap deixou de tocar e o funk vem abraçando cada vez mais.
Hoje, com o lançamento da faixa “ILUSÃO ‘Cracolândia‘”, dos artistas Alok, Hariel, Mc Davi, Mc Ryan SP, Salvador da Rima e Djay W venho trazer um questionamento pro público: o funk se tornou mais consciente do que o rap?
Todos nós sabemos o quanto a glamourização do uso de drogas é presente dentro do rap, obviamente, alguns funks também fazem esse tipo de exaltação, mostrando apenas um lado da moeda, mas alguns ditos “funks conscientes”, que são os funks paulistas que abordam a realidade das comunidades e a vivência de seus moradores, vem cada vez mais se aproximando do rap e o rap em si vem se esvaziando quanto ao seu papel social.
Esse texto não é generalista e a intenção apenas é a de refletir sobre o que tá acontecendo dentro da cena. E vamos de exemplo:
No cursinho de formação do rap nacional, obviamente, para passar de módulo, você vai precisar ouvir o álbum “Rap é Compromisso”, do Sabotage. Fez isso? Bom, assim chegamos na faixa que quero citar aqui “Cocaína”, segue um trecho:
Então prefiro sim um fininho ao que me diz
Do que a pedra no cachimbo e o pó no nariz
Sabota chega nesse som lançando o papo reto sobre as drogas, mostrando a realidade, de que sim: existem drogas, as pessoas usam e não vão deixar de usar. Mas o que o rapper traz de diferente nesse som é a abordagem sobre o tema, citando drogas que podem ser fatais caso o vício se concretize e relativizando — de certo modo — o uso recreativo de outras, mas sem deixar de passar a mensagem mais importante do som, que é sobre o vício e as fatalidades que ele gera.
Agora falando sério, eu amo trap, não sou do time que fica falando que “rap é só boombap” e todo esse blá blá blá. MAS, como tudo precisa ter uma oposição, o trap e o rap de modo geral tem chegado de maneira bastante forte na galera mais jovem. Com isso, vocês não acham minimamente preocupante passar uma mensagem para esse público como se o uso de droga fosse um parque de diversões com o ticket pra andar em todos os brinquedos?
Muitos artistas não tem essa preocupação, só querem falar de lean lean lean, sem qualquer consciência e preocupação de qual o público que vem consumindo esse material. Eu vou deixar de ouvir um artista por isso? Óbvio que não, as músicas são boas. Mas até que ponto isso não é um retrocesso pro rap nacional?
Como no exemplo citado do Sabotage, que buscava conscientizar ao máximo, sem ser hipócrita ou contraditório, há possibilidade de falar de droga e não colocá-la como se fosse apenas glamour, porque no final a gente sabe que não é.
Não é à toa que a família de Sabotage convidou Mc Hariel, um artista do funk, para participar de uma música inédita com o falecido rapper. Hariel está sempre transitando entre os dois gêneros e em seu último lançamento — o feat já citado acima e que me deu a inspiração de escrever esse texto — o artista abordou a droga de forma não glamourizada e se destacou muito com seus versos, assim como todos os responsáveis pela obra, que ficou com qualidade impecável. Lançamento esse que, antes de estrear, já estava nos trending topics, mostrando sua potência.
Então vamos lá, estaria o funk tomando o papel social do rap e sendo mais consciente? Quais trabalhos do rap atualmente vocês conhecem que chegam com essa conscientização?
Reflitam um pouquinho e confiram o lançamento de “ILUSÃO ‘CRACOLÂNDIA'”: