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O Afrofuturismo de “Cyberyoruba 10062”, novo EP de Tarcis

Despontando como um dos nomes de mais destaque da cena carioca do rap, o beatmaker e MC, Tarcis, lançou nesta segunda (20), seu EP “Cyberyoruba 10062“. Residente da comunidade da Vila Cruzeiro, localizada na zona norte do RJ, ganhou destaque pelas suas habilidades na rima após suas participações no projeto BRASIL GRIME SHOW, onde aliou sua versatilidade a letras repletas de muito emponderamento e reivindicação.

No ano passado o artista foi responsável pelo lançamento de um dos trabalhos mais interessantes de 2019, o álbum “Canções Que Fiz Para Você“, exibindo uma musicalidade apurada e expondo seus sentimentos de maneira introspectiva e muito baseada na sua vivência na periferia carioca. Em “Cyberyoruba 10062“, Tarcis chegou com uma pegada mais diferente, com influências do grime e do drill, o artista constrói uma ambientação que serve como fio condutor de seu trabalho.

Cyberyoruba 10062” é um EP futurista, porém se passa no nosso presente onde nosso personagem tem diversos problemas em ser preto fora do Orun.” (Tarcis)

A construção de um personagem que acompanha as ânsias, desejos e tudo que compõe a personalidade do artista, é um dos pontos altos deste projeto. Desta maneira, o MC conseguiu exprimir diversos conceitos de maneira natural e espontânea.

Por exemplo, Tarcis deixa explícita sua religiosidade, algo fundamental e extremamente presente em suas músicas, tratando-a como a parte principal do EP. “Orun“‘ é uma palavra da língua iorubá que define o mundo espiritual (céu), que faz oposição ao “Aiye“, o mundo físico, onde o personagem de “Cyberyoruba” vive suas desventuras. O artista mantém suas raízes vivas e aparentes, quando constrói esse tipo de relação artística. Narrando confrontos com o racismo, polícia e envolvimento com mulheres, o MC aproxima sua realidade de sua ancestralidade, expondo o contexto social e político que ele como homem negro se insere, ao mesmo tempo que traz protagonismo para seus antepassados que construíram seu caminho terreno e espiritual até o presente.

O EP vai além de uma história ou de relatos da vida de um artista, ele é um exemplo de emancipação e relaciona-se com conceitos científicos importantes, como o de Afrofuturismo.

O historiador e antropólogo senegalês, Cheikh Anta Diop, que ficou conhecido por estudar as origens da raça humana e a cultura africana pré-colonial, debateu muito sobre a identidade cultural do continente africano e como sua multiplicidade foi apagada pelo processo de colonização europeia. Seus estudos criaram as bases para o que hoje conhecemos como “Afrocentrismo” e o consolidou como um dos maiores intelectuais de sua época e da história.

O autor trabalhou com uma noção que ficou conhecida como, “Renascença Africana“, que acabou sendo popularizada por líderes como Nelson Mandela e Thabo Mbeki. Segundo Diop, as nações da África devem superar os atuais desafios com que se defronta o continente, por meio de uma unificação de suas manifestações culturais e da diferenciação entre elas, promovendo autonomia e protagonismo frente ao papel definido pelos europeus dentro da História Mundial.

Tarcis destaca toda sua origem cultural e ancestral por meio das 6 faixas do EP, utilizando a estética cultural do “Afrofuturismo“. Além de um movimento puramente estético, o conceito busca unir filosofias, combinando elementos de ficção científica, arte africana e afrocentrismo para criticar não só os dilemas atuais da população negra, mas também para revisar o passado e trazer uma identidade própria na produção artística negra.

No texto, “Afrofuturismo: Ancestralidade e protagonismo de rosto africano“, o escritor Fábio Kábral diz como o movimento é fundamental para reavivar a cultura africana:

O Afrofuturismo surge como uma alternativa de contar histórias que transcendem tanto a vitimização do ser africano quanto a negação de ser africano, ambas condições impostas pelo sistema ocidental de história única; por meio da Afrocentricidade e do Afrofuturismo, somos capazes de entender que essa história única é um embuste, que o mundo em si é composto de múltiplas histórias, múltiplos imaginários, múltiplas verdades; ao entender que descendemos de povos antigos, criadores de civilizações antigas, altamente complexas, científicas e espiritualizadas, somos capazes de conceder protagonismo a nós mesmos, pessoas de rosto africano, tanto no campo físico quanto no campo metafísico.

Quando Tarcis aliou sua vivência na zona norte do RJ, com sua espiritualidade e sua identidade ancestral, conseguiu de maneira natural demarcar seu lugar dentro de seu mundo. As referências a tecnologia presentes na capa, feita por Ronne Peterson Jr, além de narrar uma história nos dias atuais com elementos milenares da cultura iorubá, constroem seu protagonismo que atravessa tempo e espaço. O MC é um alguém múltiplo, que é unido com seus semelhantes dentro de suas diferenças.

Mais do que trazer representatividade, o MC mostra que para ele nada além do papel principal dentro dessa história importa para ele. “Cyberyoruba 10062“, fala do passado, presente e futuro, sendo um representante atemporal da cultura e da música negra.

Confira este trampo que contou com a produção de Gabriel Luna e saiu pelo selo Covil da Bruxa: