O que está acontecendo mundão?
Por Vinicius Gomes
A manhã mal tinha começado quando as explosões causadas pelos lança-granadas fizeram com que os moradores da pequena cidade de Baga – no nordeste da Nigéria, quase na fronteira com Chade – fugissem para se esconder no mato. Os agressores, combatentes do Boko Haram, passaram a persegui-los de moto enquanto atiravam a esmo suas metralhadoras, sem necessariamente mirar nas vítimas, mas acertando-as mesmo assim. Os que se refugiaram em suas casas foram queimados vivos; outros morreram afogados, enquanto tentavam chegar no país vizinho nadando pelo Lago Chade – os que sobreviveram nessa empreitada estão agora isolados, sem comida e inacessíveis em Kangala, uma ilha infestada de mosquitos no meio do lago.
Isso aconteceu há dez dias e muitos dos corpos continuam estirados no local onde tombaram. [highlight]As mortes estimadas pelas autoridades do país podem passar de duas mil[/highlight] – um sobrevivente afirma que [highlight]não conseguiu andar por cinco quilômetros sem pisar em algum cadáver[/highlight].
Não houve chefes de Estados entrelaçando seus braços e ninguém marchou em solidariedade por eles nas ruas de alguma capital do mundo – de fato, muitas pessoas mal ficaram sabendo da tragédia nigeriana, ocorrida dias antes dos assassinatos na França.
No domingo (11), diversos líderes africanos voaram para Paris a fim de participar da marcha pela liberdade de expressão e contra o terrorismo, apesar de muitos não terem conseguido sair na foto principal. Não noticiou-se nenhuma prestação de condolência por parte deles em relação à tragédia que ocorreu em seu próprio continente – na realidade, nem mesmo o presidente do país, Goodluck Jonathan, se pronunciou sobre o massacre em Baga.
Todavia, o presidente nigeriano não se juntou a seus pares na marcha de solidariedade em Paris: ele estava celebrando o casamento de sua filha e no dia seguinte estava em um comício na cidade de Lagos – mês que vem ocorrerão as eleições na Nigéria e Jonathan buscará sua reeleição.
Ao citar em seu editorial a morte de 800 mil pessoas em Ruanda, em 1994, e de mais de 6 mil vítimas do vírus ebola, em 2014, por diversos países na África Ocidental – antes que o Ocidente começasse a se indignar com as tragédias –, o editor do jornal The Namibian, Wonder Guchu, tirou apenas uma conclusão: “É solitário morrer na África”
[su_spoiler title=”Entenda o que aconteceu na Nigéria” state=”open” ]
O que ocorreu em Baga?
Militantes do Boko Haram massacraram habitantes desta cidade da Nigéria. Alguns especulam que 2.000 pessoas morreram. Outros relatos falam em dezenas ou centenas
Por que não se sabe exatamente o número de vítimas?
Porque quase não há jornalistas na região e o acesso de habitantes à internet é precário. Fica difícil saber exatamente
O que é o Boko Haram?
Boko Haram, em hausa, uma língua local, quer dizer algo como “educação ocidental é pecado”. Foi fundado em 2002 para educar muçulmanos nesta região da Nigéria e em países vizinhos. A partir de 2009, se tornou uma organização violenta, responsável por centenas de atentados. Teria, inclusive, nos últimos anos, se aliado à Al Qaeda. Seus principais alvos são organizações ocidentais e cristãs. Neste ano, sequestrou centenas de meninas em um de seus ataques
Os muçulmanos condenam o Boko Haram?
Sim, as principais organizações islâmicas do mundo condenam abertamente este grupo terrorista
E o governo e o Exército da Nigéria, não faz nada?
O presidente Goodluck Jonathan condenou o atentado terrorista em Paris, mas, de forma grotesca e repugnante, não se manifestou sobre o massacre cometido pelo Boko Haram em Baga. Em fevereiro, ele enfrentará eleições e não quer ser responsabilizado pela sua incompetência no combate ao grupo terrorista. O Exército nigeriano também tem sido extremamente ineficiente. Note-se, inclusive, que, em abril de 2013, militares queimaram milhares de casas e mataram 200 pessoas em Baga. Sabe-se lá o porquê, argumentaram que estavam se vingando do Boko Haram ao matar a população civil
Como é a divisão religiosa e étnica da Nigéria?
Conforme escrevi em um post no Estadão no passado, o país possui mais de 250 etnias. As principais são a Hausa (29%), Yoruba (21%) e Igbo (18%). Estas etnias se dividem em 50% de muçulmanos, que se concentram mais no norte do país, 40% de cristãos, mais ao sul, além de 10% de outras religiões. O Boko Haram, embora fale em nome dos muçulmanos, não conta com o apoio da maior parte da população islâmica, que condena os atentados
Por: Estadão
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