O pernambucano Luiz Lins conta suas vivências e fragilidades em relação à saúde mental em “Eu Tô Bem“, mostrando quão pragmática é a sua história e que por trás de um “eu tô bem” pode ter sentimentos inimagináveis para quem vê a situação de fora. A música, assim como a arte, foi produzida pelo próprio artista, com Moisés Soares e Mazili, que também cuidou da mixagem e masterização. O motion graphics do vídeo foi feito por Rostand Costa.
Lançada 24 de outubro, dia do aniversário dele, “Eu Tô Bem” se faz especial por motivos variados, como o processo de produção em si. Luiz começou a trabalhar nela quando ainda morava com sua mãe, em Nazaré da Mata, finalizando em Recife e diz ainda não ter conseguido expressar tudo da forma que gostaria.
“Dois momentos, dois pontos de vista, dois eus em conflito. Tem guitarra do meu irmão, áudio da minha mãe, Mazili, Gaijin e Rost envolvidos no processo, que mais que colegas de trabalho são meus amigos muito queridos. […] Isso me faz querer externar em mais trabalhos do mesmo tipo, além de ter totalmente a ver com o rumo ideológico que estou dando ao meu trabalho. Soltar no dia do meu aniversário foi como fotografar o meu ano, olhar para ele e poder continuar sabendo que desse ponto pra trás passou. Agora quero levar as coisas de um jeito novo, num nível pessoal”, explica.
Além de trazer parte da sua história, ele faz com que a música se torne um alerta e mostra que seu relato coincide com a realidade vivida por várias pessoas. Para ele, dizer que estar bem é uma das mentiras diárias, não para os outros, mas para si mesmo, o que acaba se tornando algo comum.
“Às vezes a gente fica nessas de estar no controle das coisas, da vida, mas isso é uma besteira sem tamanho. Admitir que tudo está um caos não é um problema, a gente precisa disso para não surtar. Pedir ajuda é necessário, esse ano me dei conta disso da pior maneira. Isso também fechou a ideia da música”.
A resistência em procurar ajuda para tratar da saúde mental pode ser explicada, em parte, devido ao preconceito contra as pessoas que possuem transtornos. Então, muitas das que sofrem com a depressão tentam lidar com a doença ao próprio modo.
Existem formas gratuitas de auxílio a pessoas com depressão e que trabalham, especificamente, com a prevenção ao suicídio. O Centro de Valorização da Vida (CVV), por exemplo, conta com voluntários que dão apoio emocional às pessoas que querem e precisam conversar. Eles recebem treinamento adequado e não precisam ter formação em psicologia. Todas as ligações são sigilosas. As ligações podem ser feitas através do número 188 e são gratuitas para todo o país. No entanto, o auxilio psicológico é extremamente importante. Para consultar locais com atendimento psicológico gratuito, clique aqui e aqui.
Ao ouvir “Eu Tô Bem”, Gilberto Junior, músico, 31 anos, se identificou imediatamente. “A música sempre me emociona de forma diferente quando me encontro na mensagem que transmite e esse som conversou diretamente comigo, que nem sempre consigo explicar para as pessoas a minha volta que às vezes estou bem sem estar bem, que a vida segue nessa gangorra entre os dias”. E afirma que a depressão afetou a sua relação com amigos e familiares. “As pessoas que conviveram comigo tiveram de lidar com o meu pior lado. A depressão me fazia ter uma toxicidade que fugia do meu controle. Ninguém se sente triste ou retraído porque quer ficar desta forma”.
A depressão é uma doença que aflige 5,8% da população brasileira, um total de 11,5 milhões de pessoas sofrem com a doença, o que torna o país o campeão de casos na América Latina. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a quantidade de casos de depressão cresceu 18% em 10 anos, prevendo que até 2020 seja a doença mais incapacitante de todo o mundo, sendo, atualmente, o maior motivo de afastamento do trabalho do mundo. A perda de energia, tristeza, medo, alterações no sono e de apetite, culpabilização, entre outros são os sintomas básicos de depressão.
No verso “Vocês me ouvem, mas ninguém me escuta”, Luiz Lins traz uma ideia de que, mesmo tentando externar o que sente, as pessoas não são capazes de entender como ele se sente. E explica que, na maioria das vezes, não sabe lidar com os próprios medos. “Percebi com o tempo, que resolver ou lidar com um problema não é exatamente sobre eliminar o problema. Às vezes você precisa coexistir com certas coisas dentro de si mesmo, frutos do seu próprio caos. Fazer amizade com seus demônios internos, já que não dá pra expulsar”.
O estudante Gustavo de Oliveira, 17 anos, diz que no início de “Eu Tô Bem” percebeu a semelhança com suas vivências e, mesmo parecendo um pouco pessimista, o refrão da música dá um contraste com o resto da letra e isso é um sinal de esperança, que acredita ser o que a arte proporciona. Para ele, é também o que Luiz traz consigo, identificação e uma luz no fim do túnel.
“Quando ele trata sobre o transcorrer dos dias, do tempo, também trata de como a vida acontece e a gente não tem muita escolha, a não ser viver e buscar sempre um amanhã, que quando chegar, descobriremos como será. Atualmente, a vida tem se mostrado uma grande incerteza e, quando ocorrem certos acontecimentos, mesmo que bons, a minha mente questiona bastante. Como em uma tentativa de racionalizar tudo, e dessa forma esqueço que a vida tá acontecendo e o tempo tá passando. Mas também é uma forma de lidar com o que não nos agrada, o tempo passa quando a gente pensa, mas quando a gente só pensa, nada se resolve”.
Fazer música dá forças para Luiz enfrentar os problemas do dia a dia, ao seu modo, ele conseguiu construir uma maneira de lidar com o mundo em que vive. “Quando estou produzindo, escrevendo, é quando estou escoando um turbilhão de ideias e perturbações, é quando minha alma está falando e respirando. É como um estado de espírito ou uma parte isolada da minha mente que cuida de todo o resto, que trata”.
Brevemente, o artista comenta sobre a maneira que lida com a distância da mãe, já que atualmente ele mora em Recife. “Acho que essa é uma grande questão, então não vou me estender. Não moro mais com ela, e sinto muita saudade. Não aprendi a lidar com essa saudade, outras questões envolvidas”, explica. Ao final da música, tem a fala dela, que é uma mãe que demonstra o cuidado, preocupação e carinho para com o filho. “Tá, mas tá tudo bem mesmo? Eu tô sentindo… parece que não tá muito bem. Se não tiver converse com mainha viu?”.
Sobre os planos que deixou de lado, ele acredita que seria tudo diferente, mas não vê como uma questão de melhor ou pior. “Talvez, essa é a coisa da vida, vários finais alternativos dependendo da direção em que a gente está indo. Eu não sei como seria, não gostaria de saber. De alguma forma eu cheguei aqui, nessa vida, nesse eu, e gosto do que estou vendo. Deixando esses planos de lado eu encontrei um acaso muito bonito”.
Saindo um pouco das ideias sobre a música, Luiz explica sua posição em relação a atual situação política do país e conta que jamais deixará de lutar. “Estou profundamente triste com tudo. Esse cenário só lembra que o Brasil é um país jovem, que o fim “técnico” da escravidão é um evento muito recente, que faz pouco tempo de 64 pra cá, pouquíssimo. Quero chamar o meu povo para reflexão, minha posição é a seguinte: sou um ser pensante, artista, negro, nordestino do interior, bissexual, maconheiro e lá vai o trem. Eu e outros como eu não vamos ser esmagados por nenhum homem branco com ar de bandeirante. Vou lutar com minhas ideias, vou lutar com minhas mãos. Por qualquer meio necessário”.
Quanto aos projetos futuros, o músico diz que produz todos os dias e tem vários trabalhos em produção, mas está deixando as músicas se agruparem sozinhas. “Cheguei até a anunciar disco, mas percebi que o que eu estava fazendo era muito maior, e canalizar meu processo pra um conceito específico ia me limitar, pelo compromisso em finalizar o trabalho. Então, agora trabalho com a ideia de macro, já tenho alguns discos em mente e eles estão se formando sozinhos. Aproveitando o espaço, muita gente fala da minha frequência de lançamento, baseados no ritmo do mercado atual. Bem, eu não estou com pressa, quem sente o que eu faço sabe que o que eu estou fazendo não é só um produto, sendo assim não tem intenção de atender uma demanda”.
Ao final do bate-papo, ele aproveita para agradecer aos fãs e a todos que o acompanham. “Nunca tenho muito a dizer, mas queria agradecer, todo mundo que fecha comigo, cada amigo, colega de profissão, cada pessoa que acompanha, entende e sente meu trabalho, eu só tenho a agradecer. Vocês são Luiz Lins, me dão ouvidos, logo vocês me dão voz. A gente vai fazer isso junto, até o fim”, finaliza.