Assisti uma, duas, três, quatro vezes. Meu Deus. Cada linha escrita por Gabi Nyarai é tão cheia de informações e ideias consistentes que mal dá pra acompanhar. Segue comigo.
A música, lançada no dia 12 de junho no canal do Youtube da MC, é mais que um “rap de mina” ou qualquer outro apelido que dão superficialmente para as produções da mulheres no rap. É uma forte denúncia sobre a questão da defasagem do ensino no Brasil, que se revela dia após dia estampado nos jornais.
Lembrando muito a essência do clipe do Pink Floyd “We Don´t Need no Education”, o principal ponto levantado por ela — e começa assim o clipe realizado pela produtora feminista DMNA — é a escola em moldes de prisão e como isso afeta o ensino de gerações após gerações. Pois é, every line is a punch-line. “Grades a todos os cantos que se olhe / aluno que no canto somente se encolhe / uma escola repleta de falta de motivação / onde o que menos tem, é informação”. Ah, sem falar do flow deslizante e rimas cheias de figuras de linguagem e contrastes, que enriquecem a letra da música, né? Bom, voltando.
Não bastando a crítica à estrutura, Nyarai mergulhou sua caneta nos defeitos do sistema de ensino e emergiu ideias mais fortes ainda: a hierarquização das disciplinas e a desvalorização da cultura brasileira. A primeira ideia diz respeito àquela história de que matemática e português devem ser obrigatórios nas escolas e artes, filosofia e sociologia não porque os que têm poder de decisão alegam ser matérias “menos importantes”. A segunda ideia explicita que a cultura brasileira é desvalorizada porque é ensinado detalhadamente a história contada pelos brancos, enquanto as diferentes culturas e etnias que constituem o povo brasileiro, as chamadas “minorias” continuam apagadas, silenciadas e fora das salas de aula.
O refrão, por sua vez, é um chamado a quem poderia resolver esses problemas mas só os piora. “Cadê o ministro da educação / pra poder encher escola esvaziar a prisão / Cadê o ministro da educação / se as criança aqui morre pegando num oitão”. Esse assunto é tão importante e verdadeiro que podemos fazer um breve paralelo com uma pesquisa lançada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) nesse mês de junho. A pesquisa aponta que a taxa de homicídios de negros em 12 estados do Brasil, entre 2005 e 2015, subiu 18,2%. No Rio Grande do Norte, por exemplo, houve um crescimento de 331,8% da taxa de homicídios da população negra, enquanto a não-negra foi de 64,1%. Esses números parecem normais? Democráticos? Pois é.
Mas o que isso quer dizer e o que tem a ver com a música? Simples: sabe-se que a expansão da criminalidade aumenta proporcionalmente a taxa de homicídios. Sabe-se também que a maior parte da população que se envolve no crime são os negros (pretos e pardos). E sabe-se também que quando há investimento em educação, a criminalidade diminui — e quem está afirmando isso não sou eu não, viu? Ano após ano pesquisas comprovam que a educação e o incentivo ao aprendizado diminuem significativamente a criminalidade de regiões inteiras, como desenvolveu a economista Kalinca Léia Becker em seu doutorado, onde constatou que, quando ocorre um investimento de 1% na educação, 0,1% do índice de criminalidade é reduzido.
Isso, como já disse, não é novidade. O rap escancara a situação há mais de 20 anos em suas letras e enquanto a política não muda, o rap age por ela e traz mais resultados do que os três poderes juntos. Gabi Nyarai, 22 anos, preta, lésbica, da periferia, soube usar as palavras e seu talento para transmitir algo que realmente importa. Obrigada Gabi.
Trecho da música
[Batalha Racional para educar as criança e as pessoas que não puderam estudar / A arte ta ai pronta pra te libertar difícil é ter alguém que venha incentivar / Podando o seu sonho, matando seu talento / e é isso que eles querem formação novo detento / Tenha o prazer de ler mas leia o que cê gosta, não o que eles te impõe e é uma bosta]