Nascido e criado em Pelotas, extremo sul do Rio Grande do Sul, formado em Comunicação Visual, —chegando a estudar Artes Visuais com a intenção de lecionar— Zudizilla de 1985, no auge dos seus 31 anos, é artista plástico, designer e um dos maiores nomes do rap nacional.
Seguindo as palavras de Kl Jay —entrevista para a Blunt TV em 2012—, Zudizilla, ao lado de Emicida, Flora Matos, Flow MC e outros, faz parte da nova linha de frente do rap no Brasil e ressalta o quanto o rapper pelotense é talentoso —confira a entrevista completa aqui.
Entre os 40 melhores disco de rap brasileiro de 2013, segundo o site Vai ser rimando, Zudizilla alcançou a 13º posição com a mixtape “LUZ“, lançada em 2013. Além de ter sido citado como um dos novos destaques da cena, no ranking dos 60 melhores discos do RAP de 2015, pela RND.
Entre o ano passado e o início de 2016, lançou o álbum “Faça a Coisa Certa”, no qual em novembro deu start ao financiamento coletivo no Catarse, com a finalidade de produzir a fabricação dos CDs e LPs do seu último trabalho, além da produção das recompensas dos colaboradores, o frete e taxa Catarse.
Em um papo com o RND, Zudizilla contou um pouco sobre a sua relação com a música, carreira, a cena do rap nacional, o seu novo projeto e o amor a arte
Para começarmos, por que Zudizilla?
— Minha tag e apelido desde que me vi grafiteiro é/era Zulu e quando comecei a escrever os raps eu mostrava pros meus amigos próximos e um deles chamou muito a atenção do Juca (Juliano Drummond) que me disse que ali no som eu era um monstro, um tipo godzilla africano, um zulu dizilla, “tu é um zudizilla negão!!” Achei que soava legal e aderi.
Quando e como foi o seu primeiro contato com a música?
— Eu nunca tive contato DIRETO com música, meu pai era de um grupo de samba, mas era separado da minha mãe e quando pude perceber o que rolava ao meu entorno, eles [seu grupo] já não tocavam tanto. Era uma banda formada basicamente por membros da família e em eventuais reuniões eu acabava vendo um pandeiro ou um violão.
— Eu tinha um lance que não me deixava à vontade no circulo do samba e do pagode e eu não sei por que disso, mas acredito ter sido essa minha primeira tentativa consciente de me desprender de certos padrões que afetam todos os seres humanos que não detém o poder aquisitivo saca? Tipo, preto e pobre=samba? E é MUITO foda isso também.
— Não tô aqui me contrapondo a isso, muito pelo contrário, mas eu tava num momento de ser eu mesmo, não o filho e nem reflexo de alguém, quanto mais quando tu vive nessa situação de famílias separadas em que aquela figura vai fazendo pouco sentido quanto a nomenclatura “Pai” e isso, acho que inconscientemente, ia me fazendo buscar outros horizontes, significa até renegar algumas coisas que são de certa forma enraizadas no padrão de vida de certas pessoas.
— Dai foi que junto com amigos que passavam pela mesma situação, fomos desbravando e conhecendo o mundo através do rock n roll, até porque a cena de rock gaúcho sempre foi muito forte. Daí acho que nessa época foi a primeira oportunidade de me aproximar e cantar músicas e decorar “Faroeste Caboclo” e “Stairway to Heaven” (risos).
— Antes disso, em casa e além dessas experiências sambísticas e pagodósticas sempre presentes em qualquer lugar que houvesse qualquer tipo de celebração, rolava que minha mãe escutava MPB de FM no sábado arrumando o nosso cafofinho saca? Elis, Ivan Lins, Djavan, Emílio, Melodia e esses monstros.
E como chegou até o Rap? O que ele significa para você?
— E a chave do mistério todo se pá é minha irmã mais velha que é um amor de pessoa, mas tem um temperamento um quê de insuportável quando zangada (te amo Patrícia) e que, essa sim, escutava Charm pra caralho. Eu sei cantar “Red Light Special” da TLC acho que desde uns 11 anos de idade de tanto que ela gastou ouvindo…
— Louco pra caralho isso… E ainda não consegui descobrir o que o rap significa pra mim e nem porque que ele é tão forte, e acho que essa busca é o que me mantém com muita vontade de viver muito e um dia descobrir e poder te dizer, em palavras, o que ele significa pra mim. Rap é arte.
Como é produzir Rap no sul?
— Na real é igual em qualquer lugar. O foda é a perspectiva desse rap e o possível potencial de alcance, que é o grande problema. Essa inquietação e essa ânsia por chegar em algum lugar de uma vez, e em ser visto e tal, lidar com isso daqui de longe é muito foda, mas também é uma questão de ego.
— Acho que é possível se manter vivendo de rap aqui sim, e não sou o melhor exemplo, mas na honestidade de meus feitos eu vou pagando o aluguel, e se preciso de mais eu faço/penso/corro mais e fumo/durmo/bebo/saio/falo menos. Estamos em um momento em que a música não ganha espaço por ser boa, mas pelo trabalho que se desprende pra que ela obtenha esse mesmo espaço citado. Eu não vejo pontos negativos que não sejam oriundos da geografia e isso geral tá sujeito. As coisas se concentram no centro do país e o país foi feito assim, exatamente pra que vivêssemos isso.
O que você sente da cena (público, mercadologicamente falando, parte positiva e negativa)?
— O que faz o público ser bom ou mau pros negócios, no final das contas, é a proposta de trabalho. Existem tendências de mercado e existem sonoridades que as acompanham (e porque não?) e essas têm uma maior chance de serem percebidos há seu tempo, segundo o senso comum. Eu acho que é aí que tá o engano e opto pela, senão originalidade, ao menos a singularidade nas criações, tá ligado? Porque na real acho que é mais fácil ver um peixe preto no cardume de dourados, então eu não vejo dificuldades em relação a mercado aqui, talvez porque meus objetivos também sejam outros se pá.
— Mas eu não recomendo muito esse meu lifestyle. Se tudo der certo vai ser foda pra caralho, do contrário eu não posso nem dizer que meu som é igual o dos caras e que me boicotaram e só por isso não deu certo e mimimi e hashtag meu estado e daí fazer uma diss, se pá (NÃO POLEMIZEM ISSO, CARALHO). Tem que ter estômago, coragem e criatividade porque não é só de CD e show que se faz um rapper. Aí é onde minha formação acadêmica me auxilia pra caralho no layout das peita, ou nos planejamento de campanha, ou vendendo várias paradas que minha música pode proporcionar e vejam que legal: a música nesse momento deixa de ser o produto e passa a ser fonte pras possibilidades de collab ou produção própria. Estudar não é tão inútil quanto a rapa têm dito por aí não. Quem te diz isso não quer te ver intelectualmente evoluído.
Quais foram as suas produções até agora? Qual a que mais gostou?
— Eu tenho umas podreiras soltas na internet, mas tenho umas compilações legais ou mais bem pensadas, porque eu não surgi no rap um mc, eu fui me tornando e tenho me tornado desde então. Até certo momento eu era um grafiteiro que fazia som e que já tinha datado o meu último som. Num desses impulsos explosivos provenientes do álcool, eu fiz uma capa e subi uma compilação podreraça chamada “Elefante” (inspirada na fábula “Os cegos e o elefante”).
— Aí depois disso eu lancei “To all my niggs, and my bitches, and all the nerds, pimp’s and hustlers, put your middle fucking finger on the FODA-SE” (conhecido também simplesmente como FODA-SE), que foi um EP bem louco de músicas que estavam surgindo, enquanto eu preparava a mixtape “LUZ” de 2013. O “FODA-SE” saiu em 2012.
— Aí, como dito antes, eu dei luz ao “LUZ”, que era um trabalho mais minucioso e estudado e tal. Ganhou algumas boas críticas, tiveram sites que o colocaram entre os 20 melhores do ano, chegou no ouvido e foi do agrado do Kl Jay, inclusive. Tem só produtores daqui do role e um norte americano que agora tá fazendo uns lounge lá modernão pa caraio, até meio estranho se pá, mas na época era casca grossa.
— Aí tem esse último, o “Faça a coisa certa” que é meu primeiro álbum de estúdio, construído aqui em Pelotas também e que eu gosto bastante. O que eu mais gosto é o que tá pronto já e que vocês ainda não ouviram, mas ouvirão <3!
Você está com um novo projeto correndo, que é a viabilização do seu LP “Faça a Coisa Certa” por meio de financiamento coletivo. Como rolou a ideia dessa produção?
— Eu acho que qualquer um que prestar um, dois dedinho de atenção nesse álbum concorda que, por um conceito musical, artístico e cronológico, PRECISA muito de uma tiragem de vinil. Me arrisco a dizer que só após essa etapa, o disco vai tá completo e a ideia é chegar nas pessoas que percebem o recorte histórico do disco.
— Na verdade eu nunca trabalho na escala popular de alcance das empreitadas. Eu sempre direciono bem meu trampo e isso não é bom, mas me evita ter de ouvir ou falar merda. Ou usar uns pano que acho ridículo ou precisar fazer algum tipo de média frente às câmeras.
Por que o formato de financiamento coletivo?
— Esse financiamento surgiu pra quem curte rap de verdade e não é que meu rap seja de verdade, é que eu, o construtor de todo esse plano de álbum, curto todos os tipos de rap bom, mas o rap de verdade é mais foda que tudo, tá ligado? É arte de novo. A gente tá bem empolgado e desde já agradecendo esse espaço aqui. TODA A AJUDA É BEM VINDA.
Quais são as suas expectativas?
— Essa pergunta é muito da Angélica no Estrelas (risos). Eu quero ser feliz e despertar boas sensações, ou diferentes sensações nas pessoas. Quero que as pessoas se emocionem e não postem nada sobre. Eu quero poder ir mais pra SP e pro RJ conhecer a galera que ama essa parada que nem eu e poder trocar dois dedos de ideia. Quero que o Parteum faça uma música com o Matéria Prima e que a galera toda se respeite e respeite as pessoas todas. E eu queria MUITO ter esse meu próprio vinil que vai chegar na casa de vocês numa caixa de pizza, galera! Pique da pizzaria do Sal do filme!! Não é muito massa isso?!
O que o público pode esperar do projeto “Faça a coisa certa”?
— A gente ainda tem algum material áudio visual, e temos algumas peças da relação de vestuário e tal pra ir pra rua ainda e que acredito que por agora já saia. E tu que vai comprar a versão estendida do CD presente no nosso catarse, pode esperar mais 4 faixas inéditas, presente só nesse formato. O pai é dos que mete um márquetin.
Quem está produzindo ao seu lado o LP? Quem são as pessoas por trás desse lindo projeto?
— Primeiramente agradecemos pelo “Lindo”. Existe uma série de pessoas. Tem o meu querido manager Valdir Robe, o Valdirão, o Pinkman, ou como é mais conhecido, Manoval que é o cara que pensa comigo, me permite pensar, poda alguns pensamentos meus e concretiza quase tudo que eu penso. Ele é o cara que apresentou as tecnologias e a vontade de produzir um vinil e isso lá em 2013.
— Existe o selo que me possibilita trazer ao plano material minhas canções, a Hardcore Pride. E que funciona dentro do complexo de estúdio a vapor, aqui em Pelotas, e se disponibilizou a nos ajudar a construir a parte burocrática desse corre. (Eu já comentei né, a gente tá fazendo um catarse… Dum vinil… Ah eu já tinha falado sobre?!… Tudo bem, nunca é demais!!!)
Você é um dos artistas mais completo e rico em lírica que já ouvi no Brasil. Quem são as suas inspirações tanto no Rap quanto fora dele?
— O que me inspira no rap é o rap. Depois de tu conhecer e praticar insistentemente certa doutrina é, por vezes, mais válido reconhecer o não-caminho, do que saber tudo sobre o caminho, então saber o não-rap é as vezes mais válido que saber a letra de Jesus Chorou (calma pessoal, eu curto os “Raçudo” como todo o mc do Brasil, Racionais é foda).
— Já citei Parteum e Matéria Prima, citaria Emicida, citaria o Pok, citaria o Raillow, o Jota Gueto, o Jhonguen, o Cachola, o Zilla Sonoro, o Bova, o Guido… Passaria uma semana aqui te dizendo todos os caras que me inspiram muito, porque eu curto rap pra caralho, e fora dele é livro.
— Bastante palavra no arsenal é mais massa que entupir as rima de onomatopeia, segundo o que eu curto ouvir e fazer, mas tem gosto pra tudo e eu mesmo tem horas que acho foda pra caralho aqueles tudududu que os cara faz, acho muito maneiro!!
O que você está achando da cena no momento e o quanto o seu projeto/financiamento é algo diferente para cena?
— Claro que não, meu projeto é pra me inserir na cena de vários que na cena já o fizeram, não tem muita coisa de diferente. A única diferença é que eu não tenho nem um real e moro numa cidade de poucos mil habitantes, longe pra BURRO (mas o Uruguai é logo ali hein) e vai ser dez veiz mais foda conceber essa bolacha.
— Mas nóis é loco e bota fé, e bota o foda-se e tem insônia e não dorme e faz os bagulho acontecer só com muito amor e eu acho que muito amor é o que tá faltando na cena, e só.
Tá tendo dinheiro, tá tendo ônibus pique Luan Santana, tá tendo treta e dente de prata, tênis e todo o tipo de desrespeito, tá rolando empoderamento, tá rolando os beat, tá tendo os clipão foda, tá tendo a cena.
— Gostar ou não da cena é uma consequência de se ter uma cena, e tendo uma cena pra nóis chegar na humilde e fazer nosso trampo no amor, tá valendo. Talvez falte uma cola que una a rapaziada, e é o amor pelo próximo de novo e não ficar numas de apontar dedo, porque ser livre é querer ver o outro também livre, disse lá uma das mamães do feminismo. Então pensa assim: Tem problemas na cena, é porque tem uma cena, e isso por si só já é bom. E se tem uma cena, então tem que ter o vinil do Zudi (ajuda caraio kkk).
Para finalizar o papo, deixa uma mensagem para quem for acompanhar a entrevista, queira conhecer mais e apoiar o seu trabalho.
— “Mano, chega até aqui… Chega aqui mano, é o Zudi que tá falando. Mano, me escute: sempre faça a coisa certa”. Texto adaptado da cena entre Mookie e o “Prefeito” do filme original de Spike Lee, “Faça a coisa certa“.