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Entrevista com MC Primitivo: AK do Guevara e RAP comunista

“Amor camarada a todos aqueles que ousam lutar contra o colonialismo”

Diretamente de São Carlos, em São Paulo, o MC e produtor Primitivo é o nome em voga na cena após o lançamento da faixa “AK do Guevara“, que já conta com mais de 30 mil visualizações nas plataformas digitais. Como artista independente, é através do financiamento coletivo (https://apoia.se/primitivo) e contribuição de quem acredita, que ele realiza seus trampos e coloca sua música na rua.

Depois da grande repercussão dessa faixa ímpar, denunciando o Estado burguês e o estado de miséria que prevalecia em Cuba no pré-revolução, Primitivo lança mão de inúmeras referências e populariza a história da ilha que construiu o socialismo debaixo do nariz da maior potência imperialista do mundo. Vale a pena conhecê-lo melhor:

Por que MC Primitivo? 

Na verdade foi meio aleatório, não foi um nome muito pensado […] Eu sou MC de batalha, né, eu conheci o RAP, principalmente cresci ouvindo com meu pai quando ia trampar com ele e ouvíamos juntos, ele colocava Racionais e ia me explicando o que os cara ia falando e tal, mas acabei me distanciando quando parei de morar com ele na adolescência. […] E aí me reconectei com RAP através das batalhas de rima aqui na minha cidade, conhecer o movimento Hip-hop mais a fundo. E aí indo pra uma dessas batalhas, eu tava trocando ideia com um morador de rua, né, perto da minha casa e na hora que a gente tava saindo […] na época eu tinha um black […]  ele falou “pô, curti seu estilo, hein… dahora, achei bem primitivo”. Aí eu dei risada e falei “dahora, valeu”. […] Aí nesse dia eu tive minha primeira batalha e na hora perguntaram meu vulgo de MC e eu falei “Primitivo” e aí ficou, mano. Na real, essa que é a história, não tem nenhum significado político, estético, nem nada do tipo. — Mc Primitivo


Como você decidiu escrever “AK do Guevara”?

Foi uma junção de diversos fatores, né, não tem algo assim que foi um despertar […] mas é mais porque eu curto bastante a história da Revolução Cubana, assim como vários outros processos revolucionários do século XX. […] Sempre despertou bastante interesse em mim, né, como que um país tão pequeno conseguiu sua independência política e econômica, como que poucos homens e mulheres através de uma guerrilha fizeram uma fagulha de um processo que derrubou um governo apoiado pelos EUA. […] Eu queria popularizar ao máximo esse aprendizado […]. Também na época eu tava trabalhando pra melhorar minhas técnicas de produção, fiz um beat, tava querendo começar a captar, mixar, masterizar […] foi um primeiro trampo que fiz tudo, né […] e tem o ponto que a data do aniversário do Che tava próxima também. — Mc Primitivo


Qual repercussão essa música trouxe pra sua carreira? Eu vi que o Don L, por exemplo, comentou o vídeo no YouTube, isso trouxe alguma interação com ele mesmo ou algum outro rapper?

Foi bem grande, maior que qualquer outro som que eu tinha lançado […] Sobre o contato com Don L, ele comentou lá, compartilhou no Twitter, então se estendeu pras DMs, a gente trocou uma ideia lá e ele começou a me seguir também pra acompanhar os trampo. Foi bem importante pra mim até porque ele é um artista que eu admiro demais faz tempo […] Fora ele, eu tive contato a partir do som com outro cara que admiro muito que é o Galo de Luta dos Entregadores Antifascistas. Então a gente já se trombou pessoalmente algumas vezes e o Selo que eu faço parte, que é AK16 tá produzindo um EP junto com ele. […] Pra além disso rolaram algumas entrevistas, podcasts, vídeos e bastante gente conheceu outros trampos que eu participei, começaram a me acompanhar nas redes sociais, então é um público que eu não tinha […] Foi algo que até me reanimou pro RAP, porque eu trampo também, comecei a trampar firme esse ano, sem ser com arte, né, numa empresa, então é algo bastante cansativo, eu estudo também, então tava bem difícil eu me conectar com o RAP, com a produção artística esse ano […] mas é isso, me reanimou pra continuar com o RAP e viver da produção musical. — Mc Primitivo

“Por fim conseguimos /Seja dita a verdade /Quando a classe se organiza /É fácil tomar cidades”


Eu vejo que você se declara comunista e militante e coloca em todas suas letras elementos e defesas socialistas. Inclusive em “Som de Festa” vocês falam no final “Eu faço revolução/Com o mic na mão/E organização/E muita ocupação”, você faz parte de alguma organização política? Como sua militância se relaciona com sua arte?

Eu faço parte de uma organização política sim, eu sou militante do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, histórico partido aí de Prestes, Marighella, de Jorge Amado, de Ana Montenegro, entre outros militantes do povo brasileiro. Eu comecei minha militância na União da Juventude Comunista e agora tô no PCB. A minha militância se relaciona diretamente com a minha arte, né, não existe o Primitivo Artista e o Primitivo Militante. O Primitivo Militante é artista da forma estética pra política que ele acredita, que é a política da revolução socialista no século XXI pra construção do poder popular. […] O RAP ele é muito uma fita feita a partir da vivência, né […] das minhas leituras, então não tem como eu desassociar isso, então nas minhas letras isso aparece. E porque eu penso que a arte ela é um campo subjetivo, de expressão […] ela não é neutra, né, ela tem que ter um sentido político, ela tem um sentido político independente do artista querer ou não. Então eu escolho fazer isso conscientemente, dar um sentido político revolucionário pra minha arte. — Mc Primitivo


Você recebeu muitas críticas quando lançou AK do Guevara? Precisou desconstruir muito a imagem deturpada que a mídia burguesa divulga do Che e de Cuba?

Então, e não recebi muitas críticas não. Na própria cena de RAP, no movimento que eu já colo sempre fui abertamente comunista, então as críticas que eu tinha que ouvir eu já ouvi antes de AK do Guevara. E nenhuma delas são muito boas ou pertinentes […] e foi mais crítica na internet, né, uns comentário ou outro […] acho que hoje AK do Guevara tem 30 deslikes, muito pouco pra mais de 30 mil visualizações, acho que acabou não atingindo, não caindo muito no círculo da direita, da extrema direita e tal. […] Já conversei com pessoas que não conheciam a história do Che, da Revolução Cubana e passaram a conhecer, se interessaram […] mas essa desconstrução se deu mais através da música mesmo, não recebi muitas críticas não. — Mc Primitivo


Eu to ligada que ser um MC que denuncia mais profundamente o sistema capitalista dá um plus nas já conhecidas dificuldades de ser um artista independente. Como você faz pra conseguir se manter nesse foco?

Eu consigo manter meu foco me apoiando mais em algumas convicções que eu tenho mesmo […] primeiro é a convicção e a fé que eu tenho na força da classe trabalhadora organizada, na criatividade da nossa classe pra superar seus próprios problemas com suas próprias mãos, me inspirando muito em processos, entendendo que a mudança, que o socialismo não é uma utopia […] e a outra é a convicção de que ‘socialismo ou barbárie’ não é só uma frase de efeito, não é só uma palavra de ordem, mas que a continuidade do capitalismo implica necessariamente na destruição do meio ambiente […] e, em último caso, implica na destruição da raça humana. […] Acho que é o que me da força, o que me mantém ligado a essa perspectiva mesmo com todos os empecilhos […] Acho que é uma questão de manter sua arte ligada um propósito, mesmo que ele não seja parecido com o meu, mesmo que seja um propósito pessoal, dentro do capitalismo pra qualquer artista é muito difícil, né […] E porque eu gosto também, né, curto bastante fazer RAP, curto bastante escrever. — Mc Primitivo


Quais suas projeções pro futuro na música?

Minhas projeções pro meu futuro na música é continuar fazendo som, com consistência, conseguir encontrar um ritmo em que eu consiga trabalhar, cumprir minhas responsabilidades pra sobreviver e continuar fazendo música também, pra em algum momento eu conseguir viver disso, né, que é o que eu curto fazer, é o que eu quero pra minha vida. Essa é minha perspectiva, conseguir melhorar tecnicamente, ainda tenho muito pra aprender […]. — Mc Primitivo


Tem algum trabalho pra ser lançado em breve?

Trampo pra ser lançado em breve tem um feat meu num álbum de um parceiro aqui de São Carlos que é o Stevan* […] Tem um feat. que eu fiz com o Galo também pra sair no EP dele […] vai ter inclusive um mini documentário sobre o trampo. Tô com umas letras aí que vou começar a gravar semana que vem, uma mais subjetiva relacionada a questões internas minhas, uma sobre a Revolução do Vietnã […] tem um que é um feat, com o MC THC das Ruas e o MC Zenem que chama ‘Saudades’ e tem um mais pro ano que vem que também tá sendo desenvolvido que é um som com o camarada Janderson e também com o THC das Ruas, além da produção do Gorfo de Panda, que vai chamar ‘Pretos de classe como Marighella’, tamo fazendo um trap meio funk, vai ter clipe, tudo, acho que a galera vai curtir. — Mc Primitivo


*A entrevista foi feita antes do lançamento da faixa.

Ouçam AK do Guevara:

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