Tá todo mundo ansioso.
Inclusive eu, enquanto escrevo essa matéria. No mundo que a gente vive, com a situação que o país passa, parece que o tempo passa mais rápido e como sabemos que é impossível acompanhar essa quantidade de informação e de acontecimentos, a gente reage tentando enquadrar nossa vida nessa loucura toda. O BPM que toca no fone é sempre acelerado, a gente ouve enquanto tá indo de um lugar para outro e sempre quer ouvir falar de quem “faz algo” e não de quem “aprecia“. Na verdade tudo é válido, além do mais, nos adaptamos (felizmente ou infelizmente) ao que a sociedade faz e tentar criar, um julgamento do que é certo ou não, no consumo e criação de arte, é um caminho cheio de passos em falso e basicamente, andar em círculos.
Parece que é cada vez mais difícil ter noção da própria existência e ver o real valor do “ser” realmente é, fora todas as aflições da vida. É difícil não ficar ansioso. Alcançar um equilíbrio entre a plenitude de enxergar o que há de bom em nós, e no que nos cerca, e ter noção dos atravessamentos muitas vezes problemáticos que a vivência proporciona, é um exercício contínuo que parece só funcionar com paciência e calma, muita calma. Talvez “AmarElo“, do Emicida, seja um presente vindo em boa hora, por ser a representação pessoal e artística do MC, mais necessária para a realidade que ele se encontra e na de quem se inspira pela sua história e trabalho. Justamente por estar funcionando como um analgésico para todo esse imediatismo artístico, social e sentimental.
Quem conhece e aprecia o Zika da Rima sabe o quão honesto e subversivo ele é em sua arte. Porém, em toda sua carreira, o MC respeitou a cultura que faz parte, os mestres que pavimentaram o caminho no passado, as novas gerações que representam sonhos de muitas pessoas ligadas pelo hip-hop, mas acima de tudo, sua própria história. Emicida é sinônimo de verdade, por cada uma de suas letras soarem como seu respirar, que em meio aos batimentos cardíacos que são os beats, nos mostram seu caminhar onde cada álbum é um momento particular. O jovem de “Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe…” tinha seus anseios, vontades, medos e amores, que foram perfeitamente transmitidos a nós com a maior carga de veracidade possível. Leandro sempre se permitiu sentir e apesar de ser fruto de uma realidade coberta de racismo, pobreza e todos as problemáticas que acompanham um negro no Brasil, sempre encontrou espaço para mostrar sua sensibilidade e vulnerabilidade.
Além de subverter o rap, desde a forma de produção até o jeito de encarar o mercado da música, ele sempre subverteu as perspectivas e ansiedade dada pelo mundo. O que Emicida representa talvez fosse impensável há dez anos atrás, então nada mais justo do que apreciar todas curvas e obstáculos dessa caminhada, porém sempre lembrando do que o acompanhou e permitiu ele fazer o que nunca deixou de lado, que é amar. Sempre existiu espaço para esse sentimento em todos os trabalhos do MC, das mais diversas formas que ele pudesse ser representado. Desde o amor pelo ofício da escrita em “Pra Mim (Isso é Viver)“, pela cultura de rua em “Rinha (Já Ouviu Falar?)“, por alguém especial em “Alma Gêmea“, por quem lhe deu a luz em “Mãe” e pela existência em “AmarElo” (música). A relevância de um negro sentir segurança e prazer em falar de suas sensações, é algo quase impossível de medir. O novo álbum de Leandro é justamente isso, a apreciação do amor e não apenas mais uma narrativa sobre sua vida, mas sobre a importância de quem divide a tarefa de existir com ele.
A atmosfera musical e lírica do trabalho faz com que sejamos violentamente abraçados. Os 48 minutos em que “AmarElo” transcorre são quase como uma sessão de terapia, onde nossa ansiedade é colocada de lado e percebemos que a correria fecha nossos olhos. É uma conversa sobre a calma, a serenidade e a maturidade, onde todos os elementos conversam entre si com um único propósito, te fazer sentir a estabilidade de perceber que existimos e que isso é muito bom. Além de tudo, é um convite a aceitar as gradativas mudanças da arte e de como nos expressamos em nossas relações. Ainda assim, há espaço em canções como “Ismália” e “Eminência Parda“, para mostrar a responsabilidade de Emicida com sua representatividade, promovendo o cuidado aos seus, através de uma mobilização individual que reflete na felicidade coletiva.
“Amor é decisão, atitude
Muito mais que sentimento
Alento, fogueira, amanhecer
O amor perdoa o imperdoável
Resgata a dignidade do ser” (Pastor Henrique Vieira na faixa “Principia” )
Leandro é decidido, mas também um grande apreciador e tradutor. Sabe como perceber o poder do cotidiano e de como a vivência é muito mais ampla do que pensamos. Traduz suas sensações de uma forma tão crua e pura, que causa uma identificação enorme em qualquer um que também se dedica a apreciar e traduzir Emicida em suas vidas.
“AmarElo” é um presente e a única coisa que podemos fazer é repassar sua mensagem e agradecer