O projeto conta com a participação de diversos MCs, mas os líderes do coletivo eram o De Leve e o Shawlin (Marecha inicialmente também, mas na época em que o cd foi feito infelizmente já tinha saído). O Ramon e o Conrado tinham mentalidades, estilos e técnicas diferentes, mas que casaram muito bem e se complementaram. Enquanto o Shaw era um cara bem preocupado com rhyme schemes, flows e tinha uma lírica mais crítica, o DL era o rei do deboche, e abusava dos wordplays e punchlines pra demonstrar sua acidez. Tracks como a “Esse Planeta” deixam as características originais de ambos bem nítidas, mas dá pra perceber que os dois, ao longo das faixas, incorporam características alheias: exemplos nítidos estão na “Melô da Propaganda”, na qual o Ramon tece um comentário social bem inteligente (sempre de forma escrachada), como também na “Pra Falar de Amor”, na qual o Shaw destrava a ironia numa das love songs mais irreverentes do rap nacional (crédito de ambos nessa).
Vale lembrar que o Titio e o Shaw não são os únicos a versar no álbum: diversos outros afiliados do coletivo também largaram rhymes pesadas, porém em menor quantidade, nessa obra; merecem atenção os versos do Tapechu e a única participação do Kamau, como também o feat do já ilustre BNegão na “Muita Falta De Anti-Profissionalismo Dub”. Queria destacar também a irreverência dos skits e interlúdios, os quais deixaram ainda mais claro o tom sarcástico, subversivo e do it yourself do disco. Particularmente, eles me remetem muito ao “Hermes & Renato”, humorístico do RJ que tava estouradaço na época na MTV. Creio que os membros do Quinto Andar foram diretamente influenciados pelo programa, e não só por causa esquetes comédias presentes no “Piratão”: O EP do Cachorro Magro do início do ano passado contava com colagens de quadros do H&R, o que mostra que a proposta ácida ainda é bem presente na mente dos que fizeram parte do grupo.
Outro ponto que ajudou a elevar o álbum ao status de clássico foi a produção. Na maior parte das músicas, os instrumentais seguem a linha do que eu chamo de “boom bap de elevador”: samples bem calmos, montados pelos próprios Shaw e Ramon, acompanhados de um teclado meio jazzístico do Bruno Marcus (que fez um belíssimo trabalho, por sinal). Destaque também à performance maneira do DJ Castro ao longo do cd, mandando benzão nos scratches. Ainda teve espaço pra umas produções mais ousadas, com grande influência do funk da época (e que até lembram alguns beats atuais de trap), isso sem falar no autotune loco que o De Leve lançou logo na 2ª faixa, o “Rap do Calote” (lembrando que o mesmo recurso só passou a ser usado em larga escala no rap gringo cerca de um ano depois). Os caras eram visionários e peitudos demais.
Algumas questões, como a saída do Marecha antes da produção do disco e o fim precoce do grupo, ainda assombram a mente dos fãs, mas não diminuem a magnitude do “Piratão” e servem somente pra torná-lo ainda mais emblemático. O álbum merece aclamação eterna por ter dado uma nova cara ao rapRJ da época, além de ter servido de objeto de estudo e inspiração pra tantos artistas que vieram na sequência. E é isso mes amis, não fechem a aba do blog porque aí vem mais texto tão sinistro como carrinho do Odvan. Até!