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Bivolt desconstrói perspectivas e traça um futuro em seu álbum

Mesmo tratando-se de um movimento cultural feito por minorias, o hip-hop não é universalizado. Existem várias razões sociais e políticas que nos ajudam a compreender o porquê do rap ser machista, como por exemplo a construção de um padrão branco de masculinidade exposto aos homens negros sem respeitar suas questões e atravessamentos. Nos últimos anos tivemos grandes avanços e a presença das minas na cena tem se tornado comum, apesar de que ainda cheia de percalços e dificuldades. 

Entretanto, o hip-hop é recheado de mulheres fodas que sempre ajudaram a pavimentar a caminhada, que não devem ser esquecidas e que mostram uma força que sempre existiu. Roxanne Shante, Queen LatifahMC Lyte,  Missy Elliott, Dina Di, Stefanie, Negra Li e várias outras deixaram um legado de que no rap, por incrível que pareça para alguns, é natural a participação das mulheres dentro da cultura. Esquece essa ideia de “rapper feminina” e aceita que seu MC favorito pode tá sendo engolido pelas minas.

Um dos nomes advindos de muita luta por voz e representatividade é a da Bivolt. Natural do Boqueirão (SP), Bárbara já respira a brisa das rimas há anos, desde as batalhas, que resultou em faixas incríveis como “Entre Tu e Meu Som“, “Olha Pra Mim“, “Vista Loka” e “Doce”  e em março lançou seu álbum autointitulado. Como definido pela própria MC, ela traz consigo as duas voltagens do 110v e 220v, transitando entre os R&B’s melódicos e as punchlines e flows fortes. Esse paralelo é o que conduz as 15 faixas do álbum, que contou com as participações de Tasha e Tracie, Jé Santiago, Xênia França, Duda Yute, Tropkillaz e Lucas Boombeat. Os responsáveis por criar a cama para que Bivolt pudesse deitar nas músicas foram NAVE Beatz, Vibox, Filiph Neo e Douglas Moda

O trampo ainda resultou em espetaculares produções audiovisuais, como os clipes de “110v” e “220v” que proporcionam uma experiência única quando assistidos ao mesmo tempo, revelando um feat de Bivolt com ela mesma. Outro trampo incrível é o clipe de “Cubana“, que possui uma direção incrível feita por Gabriel Augusto e Quemuel Cornelius, que trazem diversas referências a filmes do diretor Quentin Tarantino, como “Pulp Fiction” e “Kill Bill“.

Bivolt” é um álbum de excelência em todos os seus aspectos, isso é fato, mas ele te conquista dentro de seu conceito e charme, nascidos da vivência de Bárbara e de como ela entende que aquele é seu lugar e não existe nada de incomum nisso. É uma caminhada de autodescoberta e que a gente acompanha a MC neste processo. Tudo isso sendo o fruto das experiências de alguém que tem total conhecimento artístico e político de sua posição como mulher. Bárbara nos apresenta essas questões logo na primeira faixa,”110v“, onde vemos sua primeira faceta.

É que eu só quero estar perto/ Esse aqui é o meu lugar/ Num dá, num dá”

A voltagem que intitula a artista e sua capacidade de se adaptar e ser multiforme é o que ela possui de mais valioso. Mais do que apresentar um R&B de qualidade e cuspir fogo nas rimas, ela é Bivolt pois entende suas nuances e sabe colocar sua resiliência no local certo. Assim como uma tensão elétrica, ela sabe a hora de criar força para movimentar essa “corrente elétrica” que é si própria. Sabe a hora de dar um choque leve e a hora de dar um curto circuito. Isso fica cada vez mais claro quando chegamos em “Murda Murda“, onde as gêmeas Tasha e Trace participam.

“Sabedoria de degrau em degrau/ Pra contemplar o sol do meio dia/ Nem me copia que eu não sei textão, mermão/ Só da minha grana e sai vazado eu sou da correria”  

As variações de tons e temas são evidentes nas faixas do álbum, desde a tracklist até na lírica. Estes aspectos deixam evidente a localização de Bárbara como mulher dentro de seu mundo e como ela encara de forma natural seu papel como representante do rap nacional. São perspectivas que precisam ser normalizadas e vistas como parte integrante de nossa cultura. Bivolt tem essa noção, por isso é capaz de apresentar sua vida em música de forma a vermos que ela é seu próprio empoderamento. A artista sabe que sempre ocupou a posição de destaque, que batalhou, rimou e construiu uma caminhada muito bonita. Sendo assim, ela é livre para falar de suas relações, de mandar um bragaddocio, de debater sua relação com o mercado e construir a narrativa que ela desejar dentro do hip-hop.

“Deixa eu seguir minha viagem, vou lá/ Que a vida também segue, eu quero mais é viajar/ Deixa a fumaça rolar, beat bom pra improvisar/ Com as pernas pro ar, me jogar como queen no sofá” (Mary End)

Como já dito, é uma jornada de autodescoberta, mas que também serve para sermos apresentados a novas construções de realidade. Encontra-se espaço no álbum para reivindicação, mas também para celebração. Afinal, uma artista tão múltipla não pode apenas ser definida por seus problemas e dificuldades, e isso não é uma definição alheia, mas uma construção feita pela própria Bivolt. O trabalho todo é produzido e intitulado com seu próprio nome, logo, o seu conteúdo é a reprodução de suas crenças, visões e opiniões aliadas a sua vivência. “Tipo Giroflex” traz esse brilho e ânsia de conquistar, um diário da mina correria que não para atrás do seu sonho.

“Eis que já nasci e renasci mil vez/ Hoje vivendo o que eu vivi comigo mil voz/ Castelo erguido deu trabalho e você quem fez/ Mil grau o mundo é louco e só depende de nós”

O universo é feito com muito respeito a cultura, valorizando as produções que atravessam várias vertentes do rap. Bivolt é oriunda daqui, então ela reconhece quem lutou antes dela para tornar mais comum sua presença  no meio do hip-hop. A faixa “Você Já Sabe” é uma grande síntese desse sentimento, com os samples de RZO e RPW utilizados por Vibox na produção, encontramos a exaltação aos ícones do passado e nos versos vemos uma Bárbara discutindo sobre um presente e futuro que já foi estabelecido por mulheres como ela, que protagonizam e tornam isso uma realidade cotidiana.

“Fazer a sua entender que a mente é quem controla tudo/ Descrevem um absurdo uma mulher ser arte/ Olhei no espelho e apaixonei, agora sou meu mártir/ Onde eu pisei sei que floriu, levou de mim uma parte”  

“Bivolt” torna cada vez mais comum a presença das minas e funciona como um grande registro de alguém que possui diversas visões a respeito de sua realidade. Bárbara dá vida ao seu mundo e perspectivas mostrando-as como deve ser, uma mulher incrível, poderosa, humana e “autointitulada”.

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