Além de dar um nome a algo, um título também serve para expressar uma motivação ou fundamento. Podemos perceber isso facilmente quando analisamos uma obra artística, e sua denominação exprime uma parte de seu conceito. Com a música isso não é diferente, tanto em faixas, quanto em álbuns, o que as intitula é um grande responsável pelo impacto e que causa a motivação para a identificação com a arte. “To Pimp a Butterfly” do Kendrick Lamar, “Ordem de Despejo” do Subsolo e “Sobrevivendo no Inferno” do Racionais Mc’s, são exemplos de obras que caso tivessem nomes diferentes, não resumiriam tão bem os sentimentos transmitidos nas músicas, e talvez não causassem um primeiro impacto tão forte em quem as escuta pela primeira vez.
A Drik Barbosa acabou de lançar um álbum homônimo, que segue seu EP, intitulado “Espelho“, disponibilizado no ano passado. A MC é uma das artistas que mais posso chamar de “comunicativa” da cena, pela sua capacidade musical e lírica de construir músicas e contar narrativas das mais diversas formas. Isso fica evidente em seu novo trabalho, que passeia pelo Trap, Boombap, MPB, R&B e Funk, contando com as ótimas contribuições de artistas como Emicida, Rael, Luedji Luna, Glória Groove e do grupo ÀTTØØXXÁ. Essas colaborações, apesar de extremamente bem pontuadas em timings ótimos do álbum, ainda sim são ofuscadas pela atriz principal dessa peça, que é a Drik. Aqui o foco é ela, e logo percebemos que estamos diante de uma mulher empoderada e talentosa, que sabe jogar os holofotes para si, mesmo diante de grandes nomes da música. Podemos notar uma enorme evolução artística e conceitual em relação a “Espelho“, fazendo com que este novo álbum seja um ótimo exemplo de trabalho feito nos melhores moldes sentimentais e técnicos.
Ao contrário da ideia de seu EP, que contava com um conceito meio intrapessoal, meio que uma conversa intimista entre Drik e seu “eu“, aqui vemos uma exposição completa da MC. Tudo é sobre ela e como ela comunica-se com sua realidade e o que a cerca, porque de certa forma, ela já está resolvida com seu interior. Não que sua música deixou de ser intimista, mas agora ela soa como uma mulher que permite-se amar, viver, representar e ocupar seu lugar como uma mulher negra, dentro de uma cultura também feita para ela e por ela, que é o hip-hop.
“Eu vou cantar pa brindar a vida
Cada dor que passou foi chance de renascer
Olhando sei que não falta, hoje, motivo pra agradecer
Cada dor que passou foi chance de renascer
Olhando sei que não falta, hoje, motivo pra agradecer” (Renascer)
A Drik consegue abordar a existência dela como um todo e tratar sua resistência como o fato de poder cantar, sentir, amar e fazer sua arte, que segundo ela é “seu super poder“. A representatividade é forte, mas quem define sobre o que é o trabalho, é a própria MC. Não tem espaço para outras interpretações, mas não por tratar-se de algo limitado, mas sim, bem definido. Definição dada por ela mesma, ao entender que ela é dona de um potencial imenso, capaz de moldar sua realidade e causar identificação de seus pares. O álbum é homônimo por ser a Drik na forma mais humana possível, intitulada e sob sua própria perspectiva.
O álbum sabe exatamente onde quer chegar com seu conceito, e até mesmo a ordem com que as faixas são dispostas, casam com a progressão com que as ideias são tratadas. Começando pela valorização de sua ancestralidade em “Herança“, passando pelos gritos de aceitação e independência de “Liberdade“, indo a sensibilidade do amor de “Até o Amanhecer” e “Tentação” e finalizando com a percepção da construção de um presente que deve ser vivido de “Renascer” e “Sonhando“. Tudo feito com uma maturidade e simplicidade muito grande, que chega a ser singelo e harmonioso com tudo que Drik nos apresentou até aqui em sua carreira.
A MC soube, após uma conversa com ela mesma (“Espelho”), não apenas nos falar seu nome (“Drik Barbosa”), mas mostrar com uma completude incrível toda sua personalidade e motivações. Mostrando que apenas ela, pode definir quem é, que nos resta apreciar e admirar, uma artista com uma força capaz de nos prender na sua verdade. Ela intitula-se, vive e cria, e somos abençoados por presenciar isso tudo.