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RND Entrevista: Atitude Feminina – 20 anos de referência no rap nacional

Quem cresceu na periferia do DF tem uma memória afetiva das músicas do grupo Atitude Feminina. Formado inicialmente por Aninha, Gisele, Hellen e Jane, o grupo surgiu em São Sebastião (DF), no começo dos anos 2000, e é dono de clássicos do rap nacional, como ‘Rosas‘ e ‘Enterro do Neguinho‘. 

As letras sobre violência doméstica tiveram impacto imediato na cena regional, cativando a atenção da juventude do DF, logo o grupo se tornou destaque nas Rádios Comunitárias e em grandes eventos culturais, como o Abril Pro Rap. Antes de lançarem o primeiro CD, o Atitude Feminina teve quatro músicas executadas nas principais FMs da cidade. 

O CD intitulado “Rosas” saiu pelo selo “Atitude Fonográfica”, em Agosto de 2006 e, no mesmo, ano rendeu as meninas o Prêmio Hutúz como grupo revelação, e apresentação histórica no palco principal do festival junto com outros nomes do rap brasileiro. Pra quem não sabe, o Hutúz foi uma iniciativa da CUFA, que rolou de 2000 a 2009, e foi considerado o maior evento de hip hop da América Latina. 

O videoclipe da música “Rosas” é utilizado até hoje em palestras de combate a violência contra a mulher. Além disso, o grupo também se engajou na luta contra a exploração de crianças e adolescentes.

Outro sucesso, com mais de 28 milhões de visualizações no YouTube, é o documentário, curta-metragem e videoclipe “Enterro do Neguinho”. 

O grupo Atitude Feminina comemorou os 20 anos de história no dia 18 de julho, com um presente para os fãs, uma live que reuniu nomes que marcaram a primeira geração do hip hop do DF: Markão Baseado nas Ruas, Beatriz Bap, Japão Viela 17 e Provérbio X

Foto produção

O RND conversou com Aninha, que junto com Hellen integram a atual formação do grupo, sobre esses 20 anos de luta.   

Confira:

RND – Como vocês se uniram ?

Aninha – “O irmão da Jane cantava em grupos de homens nos anos 90, ela queria cantar com eles e um dos componentes não deixou. Aí ela chamou a Hellen, que chamou a Gisele pra cantar no festival Abril Pro Rap e como precisavam de uma backing vocal e eu era conhecida do irmão da Jane, cantava em missas, elas me convidaram.”

RND – Qual o saldo desses 20 anos de carreira? 

Aninha – “Na verdade eu acho que é meio estranho que eu vou te falar, eu acho que a gente não tem a proporção do que que é o Atitude Feminina. Na verdade as coisas não foram planejadas, a gente não falou, “nós vamos lançar o CD e estourar”, foi tudo acontecendo da forma objetiva do mercado fonográfico, as premiações e as apresentações foram surgindo. Ninguém esperava esse sucesso, e foi uma coisa muito louca conseguir essa longevidade sem apoio, sem gravadora, sem nada. Foi tudo por conta própria e às vezes a gente perde a dimensão.” 

RND – Como vocês analisam a relação do Atitude Feminina com as rádios comunitárias do DF?

Aninha – “A gente descobriu que a nossa música tocava em todas as rádios comunitárias de Brasília e entorno de Goiás, então nós estouramos por causa delas. Um DJ que contribuiu muito foi o DJ Celsão, tinha também o  Markynhos Smurphies Disco Club, mas a gente não conseguia mensurar isso. Hoje, com a internet, é muito mais fácil saber o que as pessoas estão curtindo, mas com as rádios era diferente, era um contato mais pessoal, às vezes a gente ia dar entrevista e tava lá o estúdio cheio de foto nossa. É uma pena essas rádios terem sumido, elas eram muito importantes para movimentar o cenário cultural. Além disso, nós tínhamos um público muito grande de mulheres em situação de cárcere, elas podiam ouvir rádio, então elas se identificavam muito com a nossa música. Quando a gente para pra analisar o motivo daquelas mulheres estarem presas a gente vê que a maior parte não cometeu diretamente um crime, elas foram aliciadas pelos parceiros. Esse retorno que a gente tinha delas também era muito valioso”

RND – Vinte anos atrás, quando o grupo começou, vocês eram quatro jovens mulheres, como foi abordar temas como violência doméstica e feminicídio? 

Aninha – “Quando surgiu a música “Rosas” a gente conversou e descobrimos que todas nós já tínhamos sofrido algum tipo de violência, a Jane passou por isso a Gisele passou por isso a Hellen passou por isso. Então você começa a ver que a sua história bate com história de várias mulheres. Quando eu li a letra eu tive uma crise de riso, mas era de nervoso, eu não conseguia para de rir. Eu lembrei que a minha mãe tinha passado por isso, lembrei que o meu primeiro namorado me deu um tapa na cara. Acho que caiu a ficha sobre a nossa realidade, que foi a realidade da minha avó, no século passado e chegou no nosso século. Quando a gente fala das mulheres da periferia, infelizmente, a situação piora.”

RND – Como são os relatos que vocês recebem do público feminino? 

Aninha – “São muitos, muitos. Um que me marcou muito foi em Minas Gerais, a gente foi fazer um show em uma cidade e uma moça chegou perto de mim e disse assim, “eu quero te falar uma coisa e te mostrar também”. Falei pra ela me encontrar depois do show, ela veio até mim quando eu estava indo no banheiro e me mostrou uma queimadura na perna. Ela disse que foi casada com um grande fazendeiro da cidade e ele botou aquele ferro de marcar boi no fogo durante 48 horas e marcou a perna dela, e ela ficou muda por um tempo por conta dessa violência. Depois ela me disse que através da música “Rosas” ela fez a denúncia, e que ele estava preso. Nesse momento eu pensei comigo mesma, “acho que a gente está fazendo o trabalho certo”. O principal foco da nossa música sempre foi a denúncia.” 

RND – E vinte anos depois ainda é importante falar sobre esses temas? 

Aninha – “Nosso sistema de justiça ainda não está preparado para receber uma mulher que foi violentada. Parece que as pessoas estão regredindo. Então enquanto eu fizer música, eu vou fazer denúncia. Eu preciso falar sobre as mulheres no presídio, a maioria que tá lá não cometeu crime.  Eu tenho que falar da tristeza que há em nossos olhos toda vez que nos deparamos com os índices de violência no Brasil, não só da violência contra a mulher, mas também contra os nossos jovens.”

Para as admiradoras e admiradores do grupo, vem album novidade por aí.