Connect with us

Hi, what are you looking for?

Old

Dia a Dia e Noite: o Ep que o freestyle ajudou consolidar

Conversei com Inà sobre a trajetória deste trabalho e as percepções profissionais para se tornar rapper.

Um dos discos mais esperados de 2019 para quem acompanha o rap goiano sem dúvida era o da Mc Inà. A mana é uma das artistas mais respeitadas da cena e já havia anunciado novidades ao longo do ano.  Desde 2015, é uma das mais ‘brabas’ nas batalhas de rima de Goiânia e região metropolitana, vencendo várias competições importantes. O mesmo posso dizer de Guilherme Eurípedes, que já vem gravando sons marcantes para o rap goiano, além de ser referência em freestyle. Enquanto esperávamos o disco do ano, Inà e Guilherme preparavam um ‘EPresente’ de natal, para refletir tudo que o Hip Hop proporcionou de mais significativo até aqui, sobretudo a amizade dos 2.

E freestyle foi o que uniu Inà e Guilherme de 2016 pra cá. O que começou em uma saudável rivalidade entre os dois em batalhas de rimas, se consolidou no EP “Dia a Dia e Noite”, lançado neste mês de dezembro.  O trampo surgiu de forma espontânea.  Guilherme deu a ideia de iniciar um estúdio independente, underground e chamou Inà para participar desse coletivo, que responde pelo nome CREMA. Para começar os trabalhos, resolveram gravar uma música juntos. Inà conta que esse primeiro som ficou tão bom que decidiram logo fazer algo maior e nasceu a ideia do EP.

“Dia a Dia e Noite” é basicamente sobre Reflexões: reflexões do mundo, sobre como é viver a rua, sobre como é conviver com as pessoas, sobre como é viver em Goiânia, em Goiás. Também sobre como é viver no Brasil nesse momento, tanto político quanto histórico, levando em consideração conselhos dos antepassados.

“Dentro da construção do EP, eu trago uma visão um pouco mais otimista que o Gui. Mas a gente sempre coloca propostas e possibilidades. Enquanto Mc, a gente foi muito instigado a isso, a propor coisas a partir do nosso lugar no mundo e instigar as pessoas a partir do lugar delas, a proporem algumas soluções ou simplesmente acreditar na sua própria força de transformar o que está errado ou o que está ruim”. (Inà)

Inclusive, na última música do EP chamada “No Todo” fala sobre transformação, sobre virar o jogo, sobre perceber e, a partir disso, mudar tudo! 

Os nomes das canções direcionam os ouvidos mais atentos sobre o que esse trabalho nos oferece como temática: “Dia a dia e noite” é “Sobre Isso”, sobre “Se Tornar Outro”. Então “Perceba Se, “No Todo”.

O EP basicamente também é o primeiro passo da CREMA, para fundamentarem a ideia dessa banca nova. Aliás, Inà e Guilherme celebram como este trabalho não somente esse coletivo novo, como  também uma grande história de amizade.

O que o freestyle uniu…

Guilherme Eurípedes e Inà, em 2016, durante o 1º Grande Goiânia Hip Hop, no Beco da Codorna. A primeira vez que os dois se enfrentaram em uma batalha de rimas.

Não dá pra falar desse EP sem relembrar a história de como chegaram até aqui juntos. Tanto e Inà quanto Guilherme Eurípedes começaram a rimar na mesma época, em 2015. De lá pra cá nunca mais pararam e, consequentemente, foram se encontrando em várias batalhas.

A primeira delas foi em 2016, no Grande Goiânia Hip Hop, que aconteceu no Beco da Codorna (foto acima). Um dia marcante para os dois, mais ainda para Guilherme (que na época ainda era o “Criolin”).

Acho que aquela foi a primeira vez que Guilherme batalhou com uma mulher. E perdeu! Acredito que perder naquele momento para uma mina como Inà (que na época ainda era a Mc Sabrina) deve ter sido bastante marcante para ele, assim como foi para nós, público, que assistíamos um duelo de gigantes no palco do evento: Criolin, por já ter vencidos várias rodas de batalha na sua quebrada, e Sabrina por ser a única uma mulher preta naquele dia enfrentando outros manos, com rima e coragem.

Me lembro bem que depois daquele dia que Guilherme colocou na sua capa de perfil do Facebook a foto acima com a Inà e disse que só tiraria aquela imagem dali quando, numa revanche, ganhasse dela. E demorou um pouco pra isso acontecer viu… Quem lembra?

“O universo foi unindo a gente mesmo, fazendo a gente se conhecer em várias experiências com o freestyle, em viagens para batalhas fora de Goiânia, batalhas um contra o outro… No início tivemos essa rivalidade que se tornou, na verdade, uma grande brincadeira”. (Inà)

Quase 5 anos depois, percebo que essa rivalidade foi o pontapé para construção profissional dos 2 como Mc’s, como rappers, sobretudo a consolidação de uma forte amizade, materializada neste EP que ouvimos hoje.

“Dentro de todas as batalhas que a gente faz por aí um contra o outro, entendemos que o freestyle mostra muitas vezes quem a pessoa é. Ele abre o subconsciente do Mc para o coletivo entender. E aí a gente sempre se identificou muito, nas ideias, nos valores e não poderia ser diferente nesse EP”. (Inà)

Confiança para se tornar rapper

Guilherme Eurípedes já tem vários outros sons gravados. Inclusive participações com artistas importantes para o rap goiano e para o rap nacional como o Gigante no Mic (Atentado Napalm). Mas para Inà, este EP ainda é o começo de tudo. Ela explica a diferença entre ser Mc de batalhas e se tornar rapper para levar uma carreira profissional.

“Sou apaixonada pela vida de Mc, o hip hop transformou minha realidade, mas eu nunca tive pretensão de ser rapper. Desde 2015 até aqui, por muito tempo eu não quis escrever letras, eu não quis compor porque eu valorizava toda a energia do freestyle, de criar uma atmosfera e fazer as pessoas se conectarem com você. Pra mim, na música eu não conseguiria fazer isso”. (Inà)

Ledo engano. As canções de Inà não somente mostram todo seu potencial como compositora mas fez muitas pessoas se identificarem com cada linha. Mas o EP é só um aperitivo para a carreira de Inà. Ou como ela mesmo disse: é a ponta do Iceberg.

“O EP está sim num lugar de muita confiança para mim porque eu consegui fazer como eu queria, como eu tinha projetado e com pessoas que eu confio, falando coisas que eu acredito. Isso tem haver com sair do universo do Mc e adentrar ao universo do rapper. Isso te haver com trabalhar por amor e entender que muitas pessoas que trabalham com isso não fazem por esse mesmo motivo”. (Inà)

Inà explica que depois que começou a compor e gravar, rompeu como várias ingenuidades, percebeu a intensidade que é essa relação com produtores, com outros rappers e bastidores, que muitas vezes ultrapassa esse campo dos sentimentos. Esse olhar mais profissional tem feito a rapper buscar cada vez mais sua identidade musical, autenticidade, aprimorar sua voz e escrita, sem deixar de mirar no topo.

“Eu me orgulho muito sobre como ser Mc, me fez ter confiança e maturidade para sentir que posso ser rapper. O Hip Hop sempre vai ser escola pra mim e o fato de eu ter essa base no freestyle faz com que eu seja forte o suficiente para encarar várias batalhas diárias, que eu sei que tenho que ganhá-las. E é aquilo né: ‘vai morrer ou vai matar’”. (Inà)

Inà se prepara para lançar uma participação no som da Mc Rafa Anarcotrans. E seu trabalho solo, que deve sair a qualquer momento em 2020, ainda será pra mim o disco mais esperado do ano. Aguardando ansiosamente.