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Tássia Reis e o poder do perdão

Tássia Reis lançou no dia 21, sexta-feira, seu segundo álbum de estúdio chamado “Próspera“. Pelo que li, o disco traz uma vibe de prosperidade, de caminhar para frente, de evolução e revolução. Devido a algumas questões, ainda não pude ouvir essa obra por completo, mas a canção que ainda reverbera em minha mente é “Pode Me Perdoar“. Quando ouvi esse som pela primeira vez, sabia que tinha que escrever sobre, pois o resultado final do clipe ficou lindo. “Shonda e “Assiejazz” ficaram pedras, cada uma em sua sonoridade. “Pode Me Perdoar” fechou a tríade de forma magistral antes do lançamento do disco. Quero muito ouvir cada faixa, mas não antes sem falar sobre essa em especial ,que traz uma mensagem importante: o perdão faz bem.

Antes do clipe sair, eu pensei que o single se tratava exclusivamente de um pedido de desculpas a um companheiro de longa data, um relacionamento importante que teria se desgastado com o tempo. Eu não estava tão errado, até porque a música pode ser interpretada como tal, de um alguém para outro alguém. Além disso, a relação em que Tássia Reis se refere, é importante e se desgastou com o tempo, nem sempre por culpa diretamente dela. Vivemos tempos de padrões hegemônicos em diversos sentidos. Quando deixamos de ser quem somos para tentar se encaixar nesses padrões, estamos negando nossa existência, nosso direito a liberdade, e muitas vezes nos machucando. Esse som aborda muito sobre essa experiência de autoflagelo simbólico e físico também.

A primeiro momento demorei para ver o clipe, eu não estava no clima de ouvir um som “romântico” com o tema de pedido de desculpas. Quando vi o clipe pela primeira vez, antes de chegar ao final, eu tive a sensação de que ela não falava só sobre o seu ato de pedir de perdão, o auto perdão e o pedido de perdão para o seu corpo estão subentendidos na letra e no clipe dessa linda faixa. Penso que demoro um pouco mais que o normal para absorver as obras que chegam aos meus ouvidos, é um certo defeito meu que preciso melhorar, mas escutando o som com o clipe no repeat fica mais lúcido a ideia que a artista quer transmitir. Uma das coisas mais interessantes que Tássia Reis expressa é o companheirismo do nosso corpo, mesmo quando o tratamos mal. A ideia de que nosso corpo é a nossa casa faz muito sentido ouvindo esse som, onde é necessário que a gente cuide da nossa casa, um espaço quase que sagrado. Corpo e mente devem ser aliadas e não inimigas, assim estaremos bem com nós mesmos.

E mesmo assim, você diz vamos! Mesmo colecionando danos, disposto a ter que ceder, como eu não pude entender?

A MC de São Paulo aborda, mesmo que indiretamente, um tema importante para os dias atuais: a gordofobia. Tássia Reis é uma mulher negra e fora dos padrões que tem um trabalho bem consolidado na cena, isso incomoda parte da sociedade. Por mais que esteja cantando a sua experiência, pessoas que passaram por coisas parecidas vão se sentir identificadas com o trabalho e a estética da cantora. De acordo com uma pesquisa do IBOPE feita em 2017, a gordofobia está presente na vida de 92% dos brasileiros. Um número altíssimo, que mostra como o preconceito está presente desde o nosso vocabulário, até a mídia hegemônica. Os padrões impostos pela publicidade, pela mídia, pela indústria, de um modo geral, geram exclusão e baixa autoestima. Além disso, o corpo magro é tido como saudável e referência. Temos que nos atentar que uma coisa não tem nada a ver com a outra, o seu peso não diz nada sobre sua saúde.

Tudo isso cria feridas profundas nas pessoas que sofrem com esse tipo de bullying, como mostra essa reportagem do jornal O Tempo sobre o tema. Assim como Tássia Reis conta parte de sua história, diversas outras mulheres compartilham suas dores e vitórias, mas o preconceito sofrido é muito perigoso, as mulheres são as que mais sofrem com a gordofobia. A arte da cantora é um ato político e de afirmação. O erro aconteceu, mas chegou o momento de superar.

A nova era pra ser amada, não mais julgada, sem solidão

Pensando sobre o perdão e o poder que ele exerce sobre nós e também sobre o outro, sinto que temos dificuldades em praticar esse ato. Seres humanos por natureza são orgulhosos, é difícil perdoar aquela pessoa, por exemplo, que nos fez algum mal. Sem julgamentos. Existe também o auto perdão, a ação de entender que erramos, não podemos mudar o passado, mas podemos revolucionar o presente. É essa também a bandeira que a rapper levanta na sua música. Após Tássia perceber que a sua relação com seu corpo estava “estremecida”, antes de seguir em frente, ela precisa pedir desculpas. É quando a artista vai quebrando certas predominâncias da nossa sociedade opressora que foram internalizadas pela própria, que ela vai mudando de forma concreta esse seu relacionamento de longa data. Eu imagino que tenha sido um processo, onde teve altos e baixos, como a matéria acima do Jornal O Tempo também nos mostra. A arte da cantora é o instrumento que ela usa para colocar o dedo médio em riste de forma simbólica, afirmando a sua existência. O rap atualmente não pode ser diferente disso. Através do perdão, dessa palavra que é quase um sentimento também, que podemos deixar certas coisas no passado. É deixando algumas feridas cicatrizarem, deixando-as para trás, que podemos caminhar para a evolução. Não é esquecer, nem deixar de lembrar, mas saber que aquilo não nos cabe mais no tempo presente.

Padrões são caixas impostas, que fazem com que todo mundo fique igual, parecendo um robô. O perdoar a si mesmo por querer estar no padrão é um caminho de amor próprio, auto conhecimento e auto cuidado. É essa mensagem que Tássia Reis passa pra gente. O melhor é que ouvir cada mensagem na linda voz dessa artista sensacional é como um abraço no nosso coração. E não tem só a cantora abordando todas essas temáticas. O Zona AGBA é um coletivo de valorização da produção artística em dança de mulheres pretas e gordas. No rap, o Rap Plus Size está na linha de frente na luta contra o preconceito, além também do próprio Rimas e Melodias (coletivo que Tássia Reis faz parte). No youtube o canal Alexandrismos, da Alexandra Gurgel e Tá Querida, da Luíza Junqueira, são recomendações muito boas. E por ai vai, é só pesquisar.

O rap mudou ao longo do tempo, com cada vez mais vozes diferentes aparecendo. E isso é o hip hop, é o que faz a gente gostar. Viva Tássia Reis!! Veja abaixo o clipe de Pode Me Perdoar: