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FBC e a arte que é de todos

O movimento hip-hop, e mais especificamente o rap, é um fenômeno cultural extremamente recente, como consequência, temos algo que está em constante construção. Surgindo na década de 70, o rap passou por diversas tendências e transformações, não apenas passou, mas como passa atualmente, vide o surgimento do trap e inúmeras vertentes que surgem todos os anos. São 41 anos de música, de política, cultura e acima de tudo, expressão de quem geralmente não seria ouvido.

Naturalmente, no meio de tanta diversidade, acabam existindo certos padrões, que podem ser vistos nas produções musicais, no comportamento dos MC’s e nas mais diversas formas que possamos imaginar. Cada época tem seus representantes e “modas”, desde o Gangsta Rap dos anos 90 e suas rimas sobre dinheiro e crime, até o trap e suas rimas sobre Lean e exaltação dos negros. Essas padronizações não são prejudiciais, são apenas formas de fomentar certos aspectos da cultura.

Algo que está tornando-se comum, não apenas no rap nacional, mas também na cena gringa, é o fato de que os MC’s estão cada vez mais intimistas e sensíveis. Está fora de questão aquela identidade de rapper forte e intocável, que não tem sentimentos, tudo isso fruto de uma realidade violenta em que essa “rigidez” se fez necessária.

Agora o artista é o centro de um universo que ele mesmo cria, e nada mais importa, apenas o que está em suas sensações e vivências particulares. Isso é sensacional, porque o rap está aí para isso, dar voz a pessoas que normalmente são silenciadas, dando oportunidade de falarem sobre todos os aspectos da vida.

Esse movimento rendeu ótimos trabalhos como por exemplo: o DAMN, do Kendrick Lamar e o 4:44 do Jay-Z, assim como o Castelos e Ruínas do BK e o Regina do niLL.

Entretanto, essa matéria não é para falar sobre padrões ou sobre esses já citados trabalhos e etc. Estou aqui para falar de um MC que conseguiu moldar sua arte de forma a falar sobre si e o mundo a sua volta, simultaneamente. No seu trabalho, suas angústias não são apenas dele, seus medos não são apenas dele. Aqui nada é individual, mas não deixa de ser particular.

O álbum em questão é o S.C.A do FBC (ouve esse álbum). Ficar falando que é um dos melhores trabalhos do ano passado é redundante, é um trabalho que chamou muito a atenção (Seja pelas músicas ou pelo FBC pedindo para você ouvir), e que mesmo meses após o lançamento tem muito a ser falado.

Lembra daquela história sobre a exposição do MC e seus sentimentos, então, no S.C.A o FBC, fica num ermo entre fazer um trampo totalmente fora da curva como os que citei ou ficar totalmente “dentro da curva”. Como já foi dito, aqui nada é apenas do FBC, ele faz parte desse universo, mas não é o centro dele, e o que mais demonstra isso é a capa do álbum.

Não apenas por ser uma das capas mais bonitas do ano passado, mas o que mais me chama atenção é a quantidade de elementos presentes. Já começando pelas fontes utilizadas nos nomes do artista e do álbum, que não são nem um pouco discretas,e o fato do FBC não estar centralizado (sério, isso me incomodou muito). No meio temos uma estátua de Jesus e o MC ao lado, como numa representação de que a história que vamos ter contato no álbum, não é algo particular, mas que também não deixa de ser única.

Porém, o principal aqui são as músicas, afinal, estamos falando de rap. Dando início ao álbum com a contagiante “Frank & Tikão“, FBC nos apresenta uma sequência de sons que podem ser classificados como a parte mais emocional do álbum, que tem seu ápice na “17 anos“. Nesses momentos ele fala sobre suas aspirações e desejos, suas vontades e o que eles espera alcançar com sua arte. É engraçado perceber que mesmo sendo a parte em que o centro é o FBC, tudo nasce de uma motivação que é compartilhada, em que o MC seria um instrumento de transformação que alcança não só a vida dele, mas de quem o cerca. Isso é hip-hop.

Na “17 anos” temos um lado mais triste dessa história compartilhada. Aqui vemos as dores que o rapper enfrenta e essa música é o portal para começar a falar de uma sociedade predatória, com todos, não apenas com o MC. A partir daqui saímos da mente do FBC e vamos para o mundo do FBC, vamos sentir o que ele vive e viveu. Imagina que na capa do S.C.A, o rapper trocou de lugar com Jesus e nós assumimos a posição do MC.

Isso tem o ponto de partida na “Contradições“, onde vemos que até a forma em que as rimas são escritas, são bem mais impessoais. Como se fosse um filme, contemplamos de forma viva o mundo que cerca FBC, saímos do campo das idéias e sentimentos e vamos para a (dura) realidade. Por isso o trabalho fica entre sair da curva e se manter dentro dela. Isso não é fruto de quem não sabe o que quer fazer com sua música, pelo contrário, ele sabe muito bem o que tá fazendo e falando.

A última faixa do álbum é onde temos o ponto de encontro entre a parte íntima e a parte concreta, “Poder, Pt.2” é uma das músicas mais emocionantes do ano passado. FBC fecha o trabalho demonstrando uma força absurda, como artista e pessoa. Poderia falar inúmeras coisas sobre o que significa tudo isso, mas num resumo, a forma e o conteúdo da arte não são nada, sem a vida de quem a faz. Quando falamos de rap, falamos de vivência, e S.C.A tem vida, sentimentos e força para serem compartilhadas. Ouvi-lo é como se alguém chegasse para você e falasse: “você não tá sozinho”.

Obrigado FBC por tirar inspiração de onde só tinha dor e transformar isso em algo que é para todos.