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RND Freeverse: Aganju representa a Bahia com estilo e autenticidade

Depois de alguns meses de expectativa, chega às ruas e às redes o resultado da experiência audiovisual do Rap do recôncavo baiano dentro do projeto RND Freeverse, em 2018. Desde a proposta lançada no ano passado por Laísa Gabriela para alguns dos grupos do interior da Bahia participarem do projeto, muita coisa aconteceu. O processo de sondagem e pesquisa por grupos interessados em participar aconteceu, em meio a outros nomes, entre Jahsco M2, Mano Link e Aganju, enquanto representantes dos mais ativos na cena local e por serem agentes diretamente ligados a ações comunitárias em seus territórios, com atividades ligadas ao cineclubismo e a grafitagem, por vezes atuando inclusive em conjunto nos bailes e eventos.

Nesse tempo, com sua escolha de não só aceitar nosso convite, como de produzir junto a sua equipe e seu grupo “Us Pior da Turma” (Selo Ibori Stúdio Home) um trabalho raro, icônico e memorável, Aganju comprovou a sua vocação para a vanguarda, a intuição criativa para a ação e o instinto aguerrido de firme combatente na linha de frente das trincheiras desta guerra racial enfrentada pelas populações afro-diaspóricas no continente americano e, em especial, no Brasil. Sua disposição para o enfrentamento nos revela e se revela um passo adiante na luta e resistência contra esse modelo de opressão e genocídio que dizima sistematicamente a população negra nas periferias do país, e na Bahia, de um jeito bem peculiar.

Após o horrendo caso da Chacina do Cabula, após a sucessão de flagrantes atitudes deliberadas de abuso de autoridade, entre outros desmandos causados pela polícia militar do estado, ano após ano, identificados como modus operandi normativo da corporação, a película que leva o título “Notícias de uma Guerra Subnotificada”, expõe, narra, conta, ou melhor, denuncia uma gritante crise de valores e acusa a responsabilidade ética e moral dos políticos na liderança e comando dessas decisões que levam a óbito uma grande parcela da juventude negra sob o disfarce vil e cruel de uma falsa guerra às drogas.

Nesse caso, esta edição do FreeVerse, vem com uma coleção de imagens, tiragens e colagens de cenas que unem-se a paisagem colonial de Cachoeira para ilustrar que, entre a estrada da morte e a beleza do lugar onde todo ódio desagua, o corpo do homem negro é o espaço onde o rio vaza em forma de sangue que escorre pelos paralelepípedos e inunda poças de lama junto ao meio-fio onde aquela camisa de time atravessada pela bala que vem da farda, numa madrugada, desenha o fim do curso de várias vidas que teriam um destino outro, um futuro outro, caso a música, a dança ou a grafitagem o encontrassem antes da arma na mão do agente do Estado.

O relato da crônica das abordagens, da violência gratuita, do pesar ofertado pelo outro em sua indiferença, da condenação supremacista branca à “infelicidade” por sermos negros, de sermos o tipo ideal de suspeito, seja pela cor da pele ou pela pala reta, ou simplesmente pela pala, ou pelos nossos cabelos, o relato da caótica situação da saúde pública e da educação, enfim toda crise na qual há 500 anos submergimos está exposta neste vídeo, como ferida aberta sem medo ou receio da morte ou represálias.

As rajadas que rasgam as portas dos tímpanos não são de balas, mas de potências e palavras, pontes para passagens, pórticos para dimensões da cura e da invocação dos ancestres diretamente para a intersecção dos trânsitos e dos contratos entre as perdas e os palcos, entre as pedras e os asfaltos, entre os morros e as baixadas, entre as travessas e alamedas, entre as folhas e os troncos das palmeiras, entre as águas e o fogo das pedreiras, enfim, entre Livramento de Nossa Senhora, Salvador e Cachoeira, entre o Pelourinho e a Ladeira da Cadeia, entre as Três Bocas e a Rua da Feira, entre a Ladeira da Montanha e a Ribeira, entre a escuridão e a luz de candeia. O registro é forte, se você não teme a morte, então se incendeia dessa força cósmica que é a nossa passagem sobre a terra e ergue os braços na luta, por que nem todos de nós vamos ver daqui a próxima Lua cheia.