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TRAP: O guia definitivo (Parte 1)

Trap é um gênero negro que assimilou o Rap, mas que carrega elementos culturais diferentes dos do Hip Hop, o que faz com que um público mais conservador muitas vezes despreze o gênero.

O Rap nacional passou por vários períodos que foram marcados pelo surgimento de grupos que apresentavam gêneros inovadores. Foi assim com o Racionais e o Rap gangsta, com o SNJ e o Rap de positividade, com o Quinto andar e o Rap underground.

Atualmente, doa a quem doer, não dá mais pra negar que o gênero novo que tem predominado e vem angariando muito espaço é o Trap. Apesar disso, devido a uma popularização muito grande e a imersão em outros aspectos da cultura pop pra além da música, há muita distorção em torno do Trap. Por isso tomei a liberdade de construir um material que possa dar conta de apontar elementos bons para o debate.

Trap é um gênero negro que assimilou o Rap, mas que carrega elementos culturais diferentes dos do Hip-Hop, o que faz com que um público mais conservador muitas vezes despreze o gênero. Já para um público que tem a mente mais aberta, o Trap representa uma linguagem de quebrada mais contemporânea e menos reivindicativa, não deixando de ser uma forma de expressão das periferias. Pra começar, vamos pegar um avião para Atlanta, Geórgia, EUA. Esse é o pico que deve ser estudado quando o assunto é Trap.

Para entendermos o contexto, é necessário entrar na máquina do tempo e voltar ao final dos anos 90…

As Olimpíadas de Atlanta

Assim como no Brasil, precisamente no Rio de Janeiro, Atlanta tornou-se sede dos jogos Olímpicos de 1996, nos EUA. Os anos 90 foram marcados pela explosão da violência urbana e por opções políticas que fragilizaram ainda mais os direitos dos mais pobres, especialmente os negros. Dentre esses processos de exclusão social, destaco a “Gentrificação” (joguem esse termo no google, muito importante!), que é um efeito que atinge regiões afetadas drasticamente por grandes eventos ou grupos privados, contra os interesses dos moradores locais. Assim, Atlanta passou por um processo de gentrificação muito marcante, ao receber o maior evento esportivo do planeta, com todos os seus patrocinadores e grandes empresas por trás.

Atlanta mudou radicalmente com a Olimpíada.

O boom no preço dos alugueis na cidade disparou, fazendo com que mais de 30.000 pessoas (a grande maioria afro-americanos) perdessem suas casas, migrando para regiões de periferia, onde o preço dos imóveis é desvalorizado. Era necessário dar um aspecto de limpeza social para receber os jogos, nem que para isso as leis tivessem que mudar, e foi justamente o que aconteceu. Se você estivesse parado em um estacionamento sem ter um carro estacionado, a polícia tinha base legal para que você fosse detido. O que geralmente acontecia, é que as pessoas eram apreendidas em uma região e largadas em outra. Nesse período, a perseguição aos negros nas ruas foi implacável. Processo que culminou com um aumento populacional e abandono político devastador para os guetos de Atlanta. Qualquer semelhança com o que aconteceu com o Rio de Janeiro na última Olimpíada não é mera coincidência…

O crime como resposta ao abandono do Estado

Rotas de drogas em Atlanta (DEA).

Favorecida geograficamente e escolhida a dedo, Atlanta é uma grande rota comercial dos EUA, com direito a Aeroporto e uma infinidade de rodovias que cortam os EUA de ponta a ponta até as regiões de fronteira. Sem muita opção de trabalho e jogados a própria sorte, os marginalizados de Atlanta souberam se valer muito bem das condições da região para o comércio e encontraram no tráfico de Drogas seu grande pote de ouro.

Importando drogas e armas pelas rotas comerciais desde os anos 70 e 80, houve um enriquecimento ilegal marcante por parte de alguns grupos e indivíduos dentro dos guetos.  Ali, quem financiava a cultural local eram os próprios traficantes, promovendo festas e disseminando fortemente o gênero Gangsta Rap.

Assim se criava uma dinâmica criminosa de tráfico e lavagem de dinheiro, onde o mundo artístico também servia para esconder os enormes montantes de grana que o crime girava em Atlanta.

Trap house” era o termo usado para designar as “casas” onde esses encontros aconteciam, remetendo a lugares perigosos, a palavra “Trap” significa “armadilha”, ou seja, fáceis de entrar e difíceis de sair, o que também diz muito sobre a vida do crime.

“BMF”: Trap e crime organizado

O Black Mafia Family, BMF, é notório nessa narrativa toda, porque foi o principal laboratório dessa dinâmica de crime e business. BMF foi a organização criminosa criada pelos lendários irmãos Big Meech e Soutwest T, que expandiram em Atlanta seus negócios ilegais e legais, empreendendo com gravadora, festas e financiando a carreira de artistas da cena de Rap local, girando um tesouro de dólares no começo dos anos 2000, e chamando muita atenção até serem desmembrados por uma operação da narcóticos em 2005.

Outras “crews” e artistas também marcaram nome junto com a BMF, como o superstar Gucci Mane, considerado por muitos o maior artista de Trap do planeta. Gucci tem uma ficha policial bastante extensa, incluindo prisões ao longo da carreira e o caso do assassinato de um membro da BMF, alvejado pelo artista quando o mesmo teve sua casa invadida por alguns manos da organização criminosa.

O lendário Coach K.

Mas entre os nomes já eternizados na cena Trap, talvez ninguém tenha uma aura tão mística quanto Coach K, o grande caçador de talentos por trás de caras como Gucci, Migos e Jeezy. Vindo de Indiana, Coach K promovia festas em sua casa de shows no Lowers East Side.

Poster da “Sloppy Second Saturdays”.

Eventos descolados como o Sloppy Second Saturdays e o Broke e Bougie, tiveram um papel fundamental na formação da identidade “hipster” do Trap, sendo festas de pequeno porte que reuniam figuras bastante originais da vida noturna de Atlanta, identificadas em termos de lifestyle e atitude, além do estilo com que se vestiam.

Visionário, Coach K. apostou em caras como Jeezy e Gucci, promovendo seus trabalhos e colaborando de forma criativa na construção dos perfis dos artistas. Com o boom da comercialização de músicas pelas plataformas digitais, descobriu o Migos simplesmente procurando na internet e, mais uma vez, teve um investimento muito rentável ao “adotar” os caras, que hoje cobram algo em torno de $40.000 dólares por uma apresentação e já chegaram até o top 100 da Billboard em três ocasiões.

Fundador e dono do selo Quality Control, em sociedade com Pierre “Pee” Thomas, outra figura bastante conhecida de Atlanta, Coach K. vem executando planos de expandir seus negócios para Nova Iorque e promete construir um mega portfólio de artistas nos próximos anos.

Coach K e Pee, proprietários da Quality Control.

Ligado a grandes artistas, o produtor é conhecido pela discrição e por não gostar de aparecer, mas sempre que isso ocorre, ele demonstra uma profunda sabedoria e entendimento sobre a música Trap. Segundo ele, “o Trap se tornou um gênero hibrido, que se associa com uma visão hedonista da vida, algo parecido com o que aconteceu no período da expansão do uso de drogas sintéticas durante os anos 80″.

O Trap Atlanta representa um marco a parte na cultura Trap, que merece ser profundamente estudado, especialmente em termos sociais. No entanto, hoje o Trap se caracteriza por uma cultura musical complexa, influenciada por diversos outros estilos e regiões.

No Brasil não é diferente, e é disso que trataremos no próximo capitulo. Com a colaboração dos maiores artistas de Trap daqui, vamos levantar várias abordagens sobre as diferenças e características do Trap que se faz no Brasil. Blackout, DaLua, Imob Zind, Sinned e outros são os manos certos pra falar sobre esse gênero e é a partir da visão deles que continuaremos o próximo capitulo…