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Max B.O. fala sobre sua carreira, histórias de vida e sobre novo álbum que sai ainda este ano

Uma entrevista sobre o início da carreira, o novo álbum que chega em 2017, sua saída da TV Cultura e momento difícil no ano passado.

Co-autor: Juca Guimarães/R7

Acredito que para aqueles que são amantes do rap é sempre necessário fazer questão de conhecer um pouco mais da história, da cultura, de nomes que foram e que ainda são importantes pra criação daquilo que embala, entretém, informa e ocupa os nossos dias. É importante saber que antes daquele grupo que a gente admira e que tem, sei lá, 5 anos de história, têm muito nome que tá resistindo a esse corre a muito tempo, que permanece nele e que foi importante de fato pra que o rap se estruturasse e chegasse onde não achávamos que chegaria.

E eu tive prazer de poder aprender e conhecer um pouco a história de um desses nomes: o Max B.O., fruto da Zona Norte, foi- e ainda é- rei do freestyle muito antes de ser apresentador de TV . Após um período de sete anos no comando do programa Manos e Minas, na TV Cultura, e com dois álbuns no currículo, além de dezenas de participações especiais em discos e shows de outros rappers, B.O. está no estúdio gravando aquela que deve ser a sua obra mais densa, coesa e reflexiva. O novo álbum deve ser lançado no início do segundo semestre com um conteúdo que reúne radicais experiências de vida, autoconhecimento, volta por cima e reflexões sobre a “tal camaradagem” na cena hip-hop.

O momento representa uma retomada total do foco em música na sua carreira. E hoje ele veio contar a sua trajetória desde os primeiros passos na Vila Peri até esse momento da volta aos estúdio. Pensei muito em como escrever um texto que contemplasse todos os momentos da conversa com o B.O. e decidi resumir minha participação a esses três parágrafos introdutórios e transcrever a entrevista na íntegra pra que todo mundo que ler tenha a mesma oportunidade que eu tive de conhecer uma história com tanta riqueza.

Conta um pouco da sua história no rap, desde o começo até seu primeiro álbum,o ‘Ensaio’. Como a Zona Norte e seus amigos de longa data influenciaram na sua formação como artista?

— Até os meus 10 anos de idade, em 1989, eu morava no Chora Menino, na Zona Norte. Meu pai era do movimento de luta por moradia. Ele veio de Minas e a minha mãe de Pernambuco. Eles estavam inscritos na Cohab (programa habitacional do governo) para comprar a casa própria. Surgiram algumas oportunidades, mas eles esperaram até aparecer algo na ZN, que foi a COHAB Jardim Antártica, que na época era até mais perigoso que as outras duas porque é na boca da Serra da Cantareira, então tinha muita chacina, aparecia gente morta amarrada dentro da mata, e nós fomos morar lá.

— Foi ali onde eu tive meu primeiro contato com o hip hop alguns anos depois, com 11, 12 anos eu comecei a ver uma galera que passava de Fusca com caixas de som em cima do carro pra fazer baile de rap, a galera que passava com aquelas maletas de madeira cheia de disco. Em 91 eu tinha 12 anos e rolou o primeiro show do Racionais lá no bairro, num colégio que chamava Elza Saraiva Monteiro, foi show do disco Holocausto Urbano. O marido da vizinha ia pro show, eu persuadi ele a me levar, então ele foi até a minha mãe, pediu pra ela, falou que ia cuidar de mim, e eu fui pro show. Quando eu vi o KL Jay fazendo scratches eu tinha certeza que era aquilo que eu queria fazer. Não ser DJ, mas fazer alguma coisa ligada aquilo que aqueles quatro caras estavam fazendo.

E como tudo isso te ganhou? Te fez entrar mesmo pra esse universo?

— E aí no ano seguinte, já com 12 pra 13 anos, eu já fazia parte do hip hop, ainda não tinha grupo mas eu frequentava uma posse que chamava VZN, a Voz da Zona Norte, criada pelo grupo Voz da Zona norte, liderada pelo DJ Vandi, que foi em casa pedir pra minha mãe permissão pra que eu frequentasse a posse aos sábados, a gente tinha lá na casa dele um ponto de encontro, ensaiávamos das dez da manhã até umas duas, três da tarde, e minha mãe autorizou, foi ali que eu comecei. Meu primeiro grupo na época, os grupos tinham que ter essa coisa impactante, de revolução negra e ao mesmo tempo com sotaque Norte-Americano, então meu primeiro grupo se chamou Alma Negra Rappers, ele não durou meses, não fez nenhum show e tal, aí eu falei meu essa coisa da “Alma” não tá pegando bem, eu preciso mudar o nome do grupo. Aí mudei completamente pra Ação Negra Rappers. Não adiantou nada, né? (risos).

— Aí eu fui convidado por um amigo do bairro pra cantar em um grupo chamado Comando Criminal, ele tinha esse nome pesado mas as letras eram em prol da paz, contra o racismo, contra o preconceito, então eu pensei: “cara se eu tomar um enquadro da polícia com a camisa escrita Comando Criminal até eu explicar também já tomei umas porrada”. Aí eu falei: “eu preciso mudar isso”, então ou eu seguia com ele pregando a paz e mudava o nome do grupo, ou eu montava outra parada com nome parecido e começava a meter o pau. E foi aí que eu criei o Boletim de Ocorrência, que falava sobre a violência policial, a chacina, o bicho pegando na quebrada. Foi aí que surgiu o B.O. que depois acabou tendo outra conotação, já que o Boletim de Ocorrência findou, nisso eu tinha um outro amigo da zona norte chamado Pastor Função, que tinha um grupo que era o Cartel SP, aí ele me convidou pra ser segunda voz no Cartel SP, eu fui, e ele falou: “ah Max, essa altura do campeonato a gente já tem aí o Max de Castro despontando, o filho do Simonal, a gente já tem o Max do DMN, então porque que você não vira o Max B.O.? Vai ficar marcado!” E aí eu assumi esse nome. O Cartel SP foi muito importante porque foi o primeiro cd de rap duplo da história do Rap Brasil, em 97 por aí.

Também é dessa época a sua fama no freestyle?

— Sim, nessa época eu comecei a despontar com o freestyle, foi nisso que o grupo Funk Como Le Gusta me chamou, através da produção do Primo Preto, junto com o Black Alien, o Speed e o Paulo Nápole. Eu já conhecia os caras e então, em paralelo, a gente formou a Academia Brasileira de Rimas, que foi o primeiro agrupamento de MCs que desenvolviam a rima freestyle no Brasil, tocamos em festivais junto com outros segmentos da música underground, fizemos abertura pra velha guarda da Portela no Carnaval alternativo da Lapa, no Rio de Janeiro. Acabou que a academia não foi pra frente por causados projeto paralelos de cada um e foi aí que eu decidi seguir solo.

E como foi levar todo esse corre sozinho?

— Fui participando de discos de outras pessoas e de shows de outras pessoas, gravando trilha pra filme, publicidade, sobrevivendo sem um disco, desde 99 até 2010, que foi quando eu lancei meu primeiro disco, o “Ensaio“, que foi do jeito que eu queria, com os convidados que eu queria, com as fotos do Ivan Shupikov o texto do Xico Sá, participação do DJ Primo na produção, do Nave, de vários caras que hoje em dia tão aí na crista da onda. Trouxe pro disco a Shirley Casa Verde do Cagebê, lá do Peri Alto, na ZN, que pra mim é uma das melhores músicas do álbum. Com produção do DJ Primo —que Deus o tenha —, fiz um disco fantástico mas pouco assessorado e pouco divulgado.

E seus outros corres fora da música Max? Foi na mesma época?

— Sim, em meio a tudo isso, eu já tava trabalhando com o governo municipal na coisa da Galeria Olido, da Secretaria Municipal de Cultura. Em 2010 eu tinha acabado de chegar em São Paulo [de volta de Florianópolis], então eu já cheguei trabalhando na Rede TV, e essa segurança da televisão me permitiu produzir o meu disco de uma forma melhor. Só que aí quando eu fui pra TV Cultura, com o Manos e Minas, eu trabalhei tanto com rap que parecia que eu tava meio sem saco pra fazer disco, então nos sete anos que eu fiquei na Cultura eu fiz duas mixtapes apenas, que também não foram tão bem assessoradas e divulgadas como deveriam ser. Nesse um ano que eu fiquei fora da TV, eu fiquei em fase de finalização do meu disco novo, que eu pretendo lançar agora no segundo semestre de 2017.

Você falou ali da questão do freestyle, e você é mestre na parada, como você vê as batalhas hoje? Qual o destaque que a cena dá para a rima de improviso hoje?

— Bom eu acho que o freestyle é um segmento do rap né, é a rima de improviso do rap, mas eu acho que dentro dos parâmetros da rima de improviso, o freestyle infelizmente é a modalidade de improviso mais desconsiderada na música. Porque por exemplo, vou tomar pra ser breve o exemplo do samba apenas, pra gente não falar do repente, da embolada, da literatura de cordel. O Zeca Pagodinho é partideiro e improvisador, o Bezerra da Silva — que Deus o tenha —, também era, o Arlindo Cruz também é, temos vários outros, hoje em dia a batalha de freestyle virou uma coisa deturpada, no meu ponto de vista.

— Primeiro que nas baladas não têm mais batalha como tinham antes, eu lembro que no Class a gente fazia freestyle, nas baladas não tem nem o momento do freestyle quanto mais as batalhas, saca? E deixou de ser uma coisa rica pra ser uma coisa deplorável, eu falo isso, e quem tiver lendo isso pode me provar o contrário, sabe onde me achar, eu não vejo uma batalha melhor e mais bonita do que a minha contra o Aori, no Sesc Pompeia em 2004, inclusive eu cito o lance da meia-calça na “Joe” [música nova], por que realmente não houve, a partir daquele momento pra cá, primeiro que a galera não respeita mais a questão da rima, não se rima mais a terminação da palavra, muitos não rimam nem sequer a fonética.

E o truque do RG, foi ideia sua né?

— Sim, criei pensando no Supernatural, que é um improvisador norte-americano que pedia pra plateia levantar objetos, e ele ia rimando e colocando o nome desses objetos na rima direto, sem parar para pensar e sem perder o flow e o sentido da letra. Eu pensei em me aprofundar mais na intimidade da pessoa, sem ser agressivo, sem zoar a pessoa. Então eu peço o RG e rimo com aquelas informações que estão ali [nome da mãe, numeração, cidade de origem, mês de nascimento, idade, nome do pai, etc]. Hoje em dia não tem isso, essa criatividade, inclusive tem batalhas que são tradicionais por isso, o cara pode falar o que quiser, pode ofender o outro.

Agora pensando nessa sua volta aos estúdios, Max. Seu disco novo é uma retomada, você está voltando a dedicar 100% da sua carreira para a música. O que a gente pode esperar desse disco seu?

— Só parafraseando a pergunta eu tô me dedicando especialmente a minha carreira né, essa retomada é uma retomada da minha carreira musical, porque é exatamente isso que você falou, eu passei muito tempo me dedicando a carreira de outras pessoas, a ler sobre outros artistas, a estudar sobre pessoas que muitas vezes eu nem conhecia, mas que eu tinha que falar sobre elas dentro do Manos e Minas, isso pra mim também foi muito ruim na época.

— Eu não estava ouvindo rap fora da TV, estava bem out das paradas que estavam acontecendo. O meu disco novo é um álbum que busca mostrar pra quem não me conhece pelo meu trabalho musical, hoje em dia eu corro muito pela rua, as pessoas falam: “ah esse é o mano que era o MC Repórter, esse é o cara do Manos e Minas”. A galera pergunta se eu tô em outra emissora, e eu falo que ‘não’, que estou gravando meu disco e muita gente nem sabia que eu cantava rap, tá ligado. Então essa é uma oportunidade de mostrar pra galera que meu talento vem da música.

Agora em 2017 você vai ser avô, como isso ta influenciando sua vida? Ainda mais sendo na mesma época do lançamento do CD?

— Pra mim, ser avô agora nesse segundo semestre de 2017, que é o mesmo período que chega meu CD, é muito bom pra eu botar uma cereja num outro bolo que eu reconstruí depois de um bolo horrível que eu fiz no ano passado. Posso dizer que 2016 pra mim foi um ano muito difícil, eu saí da TV Cultura como todo mundo sabe, fui mais uma vítima da pejorização [contrato de trabalho como pessoa jurídica em vez de CLT]. A Cultura não contrata os apresentadores na carteira de trabalho. Então quando você sai é meio com uma mão na frente e outra atrás. É importante falar disso porque as pessoas me perguntam: “Pô Max, você ficou sete anos na TV cultura, não juntou nada de grana?”. Eu tenho dois filhos pra criar, eu sempre ajudei os meus pais, nesses sete anos, o que eu ganhava era pra garantir esse conforto pra minha família. O que servia pra eu usar mesmo, de investimento, era o que eu fazia com shows no meu tempo livre, o que não dava muito.

Foi um ano cheio de problemas, então?

— O ano foi muito difícil pra mim, eu acabei tendo uns problemas também relacionados a depressão e ao uso em excesso de substância ilícitas. Foi uma parada que nunca foi do meu viés, sabe? Eu pouco fumei cigarro na minha vida, sempre bebi pouco, sempre gostei de fumar maconha, mas de resto eu era careta. A depressão me levou para um certo exagero, do qual já me recuperei.

— Então foi um ano difícil por isso, mas ao mesmo tempo eu aprendi muita coisa. Eu pertenço a Ala de compositores da Vai-Vai [desde 2013 e frequenta a escola desde 1994] e eu ouvi um conselho do senhor Fernando Penteado, que é da velha guarda e ele me disse assim: quando a gente perde o telhado a gente ganha as estrelas. Então eu perdi o telhado, mas soube observar as estrelas, e eu acho que quando você perde uma coisa na sua vida, eu não sei como é pra quem abre mão das coisas, mas pra quem perde o que vem na sequência é realmente muito melhor.

— A TV Cultura me mandou embora, eu espero que eles estejam satisfeitos com a decisão deles. Eu estou satisfeito com a decisão deles, eu tô muito mais criativo, eu tô produzindo mais, eu tô com o meu disco semipronto, eu consegui me distanciar dos falsos amigos, de gente que só queria me cumprimentar porque eu era apresentador de TV, porque, de repente, ser meu amigo era uma oportunidade de ir na TV mostrar o trabalho, e consegui me reconectar com amigos que eram meus amigos de longa data e que eu nunca tinha pedido nada pra eles e tive a oportunidade também de filtrar gente que estava perto de mim me sugando energia.

Como foi essa mudança de comportamento das pessoas que estavam próximas a você?

— Tipo assim, eu precisava de ajuda pra fazer participação em shows de amigos, pra apresentar os shows, pra fazer free em sets de DJ’S com amigos, e ninguém me chamou. Vários caras que organizam festa, que na época que eu tinha o conforto financeiro suficiente para não depender só da música, me chamavam para fazer participações. Eu ia pela camaradagem. Depois, na fase ruim as coisas mudaram também. Mas eu agradeço muito a essas pessoas. Agradeço muito ao meu período de depressão.

— Quando eu botei a mão no chão e vi que eu só tinha o chão pra olhar, eu olhei pra cima e vi tudo que eu tinha pra escalar para estar de volta aqui. O ruim não é a queda, a sensação de queda é maravilhosa, você tá no ar, na plenitude, o foda é a altura do prédio, quando você se espatifa no chão.

— Eu tropecei, tá ligado, e isso me deu a oportunidade de me apoiar e falar: “meu agora é só eu olhar pra cima e me levantar”. No dia que eu saí da TV Cultura, a primeira pessoa que eu encontrei da minha família foi o Zion, e ele tava indo pra escola na hora e eu falei pra ele: [pausa, voz embargada] “Filho, a reunião não foi pra gente falar da nova temporada, foi porque eles queriam me agradecer pelo tempo de serviço prestado, e me falar que papai não tem mais o emprego”, aí o Zion fez uma cara de triste assim queria chorar e eu falei pra ele: “filho, eu não quero que você chore, porque uma das melhores coisas que eu tenho na vida é o sorriso de vocês. E você sabe porque a gente cai?” Ele falou não. “A gente cai porque a gente sabe levantar, quando a gente cai uma vez a gente levanta duas, porque a gente só cai porque a gente ta esteve em pé”, e foi nisso que eu me apeguei. Durante a minha passagem pela TV eu também me decepcionei com algumas pessoas, pra mim isso é triste demais, mas é triste pra quem faz, pra mim é só aprendizado.