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Aulas sobre trap com Delatorvi e o single ‘Jovem negro que se sente como Prince’

O termo que pode ser traduzido em armadilha, é o que nos EUA significa “boca de fumo”, ou seja, realmente traz uma realidade forte, que nem sempre quer ser enxergada.

Nunca fui a maior fãzoca de trap, é real, mas quando o trampo do Delatorvi, de Nova Lima, interior de Minas, chegou até mim, a mensagem acompanhada de todas as técnicas que o trap permitem me obrigaram a, no mínimo, conhecer com mais profundidade a história do trap, pra aí ponderar com propriedade o que me agrada ou não no segmento.

E foi exatamente o que eu falei pra ele quando ele me mandou o lançamento “Jovem Negro Que Se Sente Como Prince”, que saiu no último dia 25 e é  de produção  do Will Diamond de Cuiabá. Tínhamos duas opções, ou eu encaminhava a matéria pra algum dos colaboradores do RND que tem mais conhecimento sobre trap, ou, se ele tivesse disposição e quisesse me ensinar, eu estaria afim de aprender, pra aí poder escrever algo que não se baseasse no tom musical que mais me agrada.

Já que eu to escrevendo essa matéria dá pra supor que ele — maravilhosamente diga-se de passagem — me deu aquela famosa instrução antes de me contar especificamente sobre seus trampos. Consegui entender de onde surgiu o trap e a realidade que ele representava.

O termo que pode ser traduzido em armadilha, é o que nos EUA significa “boca de fumo”, ou seja, realmente traz uma realidade forte, que nem sempre quer ser enxergada. A partir disso da pra entender mais ou menos o segmento e suas influências, ele explicou: “o berço do trap é em Atlanta, né. Cidade com muitas passagens em rodovias, mercadologicamente o tráfico de drogas percebeu as vantagens, e isso tá incluso na música, desde o beat até as letras. Nitidamente se nota vivência no bagulho”.

Nisso entendi que a história é foda, usar o tráfico e o crime como referência pra criar um estilo musical e ainda lucrar, e muito, com isso não é pra qualquer um. E é além disso. Técnicas do trap foram assimiladas em muitos outros segmentos musicais, que vão além do rap inclusive: “nitidamente deu certo, porque após o crescimento do trap dentro da música, o rap passou a ser o ritmo mais ouvido no mundo. Hoje artistas de R&B e música pop no geral utilizam de conceitos oriundos do trap pra trazer impulsionamento a suas carreiras. E tem acontecido. São várias as referências no maistream hoje que utilizam, vejam The Weeknd e seus feats, até mesmo o Justin Bieber”, explica Delatorvi.

Com o passar do tempo, a realidade dos caras não era mais a mesma, e pra manter o time que está ganhando em campo os mc’s criaram uma espécie de personagem, e talvez essa seja a parte que me agrada menos, ele me explicou essa relação: “a maioria dos rappers que lucram mesmo com o trap hoje, já não estão mais próximos ao crime diretamente, como era quando surgiu. Não que não exista mais, mas ser um personagem é necessário pra vender a sua arte, principalmente nesse segmento. O famoso ‘cara de mal’ x ‘sadboy’”.

Depois de entender o mínimo de como o mundo do trap funciona quis saber de onde veio a identificação do mc com o mesmo e se foi desde de o começo, e aí eu entendi que é além do trap, mas uma questão de identificação negra também: “Olha, eu não me interessei por trap. Eu amo rap, então tento me aproximar de todas as formas possíveis. O chill music, aquela pegada R&B/Soul, sempre me agradou. E vários artistas hoje mesclam esse estilo musical com o trap. Trap, soul tudo envolvido memo, tá ligado? Pra ser sincero, música preta no geral lá. Isso é zica, mobiliza. Um estilo de vida, né?

E esse último lançamento mostra isso muito bem, o nome já traduz em muitos pontos o que o conteúdo da composição quer mostrar, “Jovem negro que se sente como Prince” é sobre ter cautela ao se sentir como Prince, um mc referência pro trap em termos de personagem que tem vários problemas com compulsividade: “Tomar cuidado na hora de se sentir como Prince, o final dele, apesar de tudo, não foi positivo. A droga o levou, sei lá, acho que nossas mães merecem mais que isso, sem querer ser hipócrita, mas é uma reflexão a se fazer. Principalmente porque é um artista que me inspiro muito. Ele exala esse termo ‘personagem’ que tanto uso, do começo até a desconstrução do gênero”.

Como grande influenciador, Prince mostrou que os negros podem ser o que eles quiserem e é isso que o Delatorvi quer expandir: “quero ampliar a representatividade negra e principalmente a construção de identidade. Só assim, para o real entendimento de equidade no Brasil. Estamos ainda assim, morrendo por isso diariamente. O genocídio é real. E talvez, o rap ainda seja uma arma contra isso. Talvez não, é”.

No fim só posso agradecer pela aula, e pela preocupação real com representatividade. Em breve sai o disco “Reparação Histórica – A Vida de Emmet Till” — em parceria  com o LR Beats, de São Paulo, e um pedido especial do mc foi que todos procurem saber quem foi Emmett Till. Enquanto isso se afastem e se aproximem de Prince e escutem essa belezura:

https://www.youtube.com/watch?v=n2_Uy-mHvd4