No dia 31 de outubro de 2018, era lançado o aguardado segundo disco de estúdio do mc carioca Abebe Bikila, vulgo BK’. “Castelo & Ruínas“, o primeiro disco, se tornou um clássico da década. Sendo assim, foi gerada uma grande expectativa em cima do que viria em seguida. BK não decepcionou (pelo menos pra mim e para uma legião de pessoas), e lançou o álbum intitulado de Gigantes. Aliás, é um disco com musicalidade versátil, tocando nas feridas abertas da nossa sociedade, mas também abordando sobre a insurgência de novos líderes, novas vozes. Como o próprio diz, ele canta vida. E onde houver vida vai ser inspiração para BK.
Particularmente falando, BK é o artista com quem mais tenho apreço atualmente. Durante minha adolescência tive ídolos que os laços foram se modificando com o passar do tempo. A idolatria talvez seja algo que faça mal, e apesar de ser um emocionado eu prefiro compreender a minha relação com as obras e autores que me despertam interesse. Desde C&R, a maneira como BK rima e aborda as suas temáticas de vida sempre me deixaram empolgados. BK é complexo, contraditório, erra, acerta, se diverte e permeia entre o simples e o sofisticado dentro do seu BKverso.
O universo de Abebe Bikila contem a família, a Pirâmide Perdida, o Bloco 7, o TTK, a Lapa, a rua, o hip hop, as mulheres e as cervejas. Suas rimas são parte da personificação de um Rio de Janeiro de concreto, feito de opressão policial, discriminação, fetichização, crime, mas também de boemia, amores e acensão. A maresia que já foi musa inspiradora, dá lugar a urbanidade do Rio que pouco era explorada pela música brasileira. Ao invés da cidade maravilhosa, do calor de 40 graus, do Cristo Redentor, vemos e ouvimos um lugar onde crianças morrem nas favelas nas mãos de policiais despreparados e racistas. BK não é alguém separado de seu tempo, sua arte é fruto do tempo presente. Este é seu universo.
‘Gigantes‘ está repleto de referências que giram em torno desse Rio de Janeiro que não é de agora. Não é atoa que o conceito do disco está diretamente ligada ao artista carioca Maxwell Alexandre (que foi muito influenciado pela música do mc) . O pintor fez a capa do disco ‘Gigantes‘. Isso já diz muito. Mas lendo matérias e entrevistas sobre Maxwell percebi algumas conexões com a própria personalidade da obra de BK‘. São dois artistas que enxergam sua arte como uma religião, onde suas obras são suas orações, o estúdio como um templo e os apreciadores como fiéis. A diferença é que a Igreja dos dois visa a emancipação, o empoderamento através da arte. É a ode ao culto pagão.
E é através de seus trabalhos que BK e Maxwell Alexandre buscam, como homens negros, ocupar os lugares que foram relegados a pessoas como eles. Maxwell aborda o fato de expor em locais em que não há pessoas negras. BK tem tocado em festivais onde o público costuma ser majoritariamente branco. São complexidades que são experienciadas e expressadas. A pintura vive em um lugar muito mais elitizado que a música, a junção dos dois em ‘Gigantes‘ trouxe mais visibilidade para os trabalhos do pintor carioca. Para além da bolha dos apreciadores de arte contemporânea, Maxwell Alexandre quer alcançar o povo sobre quem ele pinta. O disco também é sobre tudo isso.
Existem discos que eventualmente pulamos uma ou outra faixa. Com ‘Gigantes‘ não. Ele foi tão bem feito e amarrado que a vontade é de escutar o disco todo. E para além dos samples e batidas, “Gigantes” tem um cunho social e de vida muito forte. É como se BK pintasse diversos quadros que foram vivenciados dentro do seu BKverso. Em “Novo Poder” e “Gigantes“, o mc pinta a potência da sua arte, afim de quebrar os muros que lhe foram impostos, falando sobre vida, perdas e ganhos. Em” Julius“, o jazz é quem ajuda BK a retratar a acensão e declínio no mundo do crime. “Titãs” e “Abebe Bikila” são as faixas que talvez melhor ilustram a essência das vivências de BK, a sofisticação versus a discriminação. “Vivos” é a exaltação a sua cor e “Planos” é emoção e sentimento. E para mim, o ponto alto depois de tudo isso vem com “Jovens” e “Deus do Furdunço“, que mostram ainda mais o lado divertido, consciente (mas nem sempre) e humano de BK. Depois de perpassar por quase todas os quadros da coleção de vivências de BK é que conseguimos compreender a obra como uma só.
O BKverso foi solidificado com “Gigantes“. O mc levou seu mundo a grandes festivais como Lollapallooza, Rock in Rio e João Rock. Esse último eu pude ir e sentir a energia de um show. BK é político sem ser panfletário, é divertido sem ser apelativo. Poder cantar músicas que estiveram comigo em diversos momentos foi uma das melhores sensações. A história está sendo escrita diante dos nossos olhos, agradeço por estar vivendo para ver uma nova geração de rap sendo feita. “Gigantes” é vivência, é néctar, é cervejada e muitas outras coisas. Obrigado, BK! Esperamos pelas próximas aventuras!
OBS: Para a faixa “Exóticos” irá ter uma matéria especial que em breve estará no site.